António Cunha, presidente da CCDR Norte, confessa ter "muita dificuldade, a não ser que seja por lógicas corporativas, em perceber" críticas dos agricultores à integração das direções gerais nas CCDR.
Acérrimo defensor da regionalização, o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR Norte) considera que “o país não percebe o preço que paga pelo seu centralismo”. Um centralismo que, “provavelmente no passado, em alguns momentos, foi iluminado, com alguma competência”, mas que “hoje, em muitos casos, e em muitas estruturas da Administração, é um centralismo muito empalidecido e com incompetências, das quais todos os dias o nosso desenvolvimento paga o preço disso”, lamenta António Cunha em entrevista ao ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO.
O responsável reconhece que este não é o momento para avançar com um referendo à regionalização, mas acredita que o caminho é “fazer crescer a capacidade de decisão regional”. “É um processo em construção. Se formos fazendo isso com passos seguros, haverá um momento em que teremos de decidir depois como é que isso acontece do ponto de vista regional“, acrescentou António Cunha. A definição de regionalização cabem muitos modelos, mas para o presidente da CCDR Norte, o importante “é melhorar a vida das populações”, “permitindo leituras com especificidade regional”. Um processo que “vai ganhando terreno e certamente depois haveremos de decidir um dia qual há-se ser o modelo”, diz.
Os presidentes das CCDR terão um papel fundamental neste processo e António Cunha admite gostar muito do seu cargo. Se está disponível para se recandidatar em 2025, é algo será ponderado mais à frente. Uma decisão que, naturalmente, não será independente dos resultados das eleições autárquicas. “No cenário de haver um dos partidos a ser nitidamente maioritário, provavelmente esse partido quererá ter um dos seus quadros num lugar destes. Toda esta questão tem de ser vista à luz dos resultados das próximas eleições autárquicas”, admite.
Vê com preocupação o objetivo do Executivo, de rever a transferência das Direções Gerais de Agricultura para as CCDR? Vê nisso um sinal de um retrocesso no processo de descentralização?
Espero que isso não aconteça. Nada me leva…
Tem a expectativa, de que o Governo não avance com a reversão da medida? A pressão dos agricultores não os forçará a fazê-lo?
Muito sinceramente não percebo a pressão dos agricultores. Desde que houve a integração das antigas direções regionais de agricultores e pescas, nas comissões de coordenação só houve melhorias face à resposta que os agricultores tinham. Nada piorou. Uma coisa diferente é dizer se as coisas estão bem. As coisas não estão bem, ainda não estão bem, mas estavam pessimamente mal porque durante 30 anos as direções regionais de agricultura foram-se degradando e são algo difícil de explicar. O que eram em termos das instalações. Posso-lhe dar um exemplo e dizer-lhe que, pouco tempo depois de termos assumido, no princípio deste ano, recebemos da Autoridade das Condições de Trabalho (ACT) um ofício a dizer que uma das instalações não tinha condições de trabalho, proibindo assim a presença de funcionários nesse local. O parque de viaturas é indescritível. Já não vou falar na média de idades dos recursos humanos, nas capacidades, nos meios informáticos que existiam. Falar de que havia alguma coisa bem… Não, nada estava bem. As coisas hoje ainda não estão bem, mas estão bastante melhores. Não percebo que ideia é esta de que as coisas estavam bem. Por outro lado, e também de um modo muito, muito frontal e já ouvi o primeiro-ministro dizer isto de modo muito lúcido. Uma das coisas absolutamente importantes e decisivas para a agricultura é sermos capazes de acabar com esta esquizofrenia nacional, com esta loucura, que não tem outro nome, de uma espécie de guerra entre a agricultura e o ambiente, em que os agricultores são os inimigos do ambiente. O que está por trás disto é uma visão e uma leitura integrada do território, a partir de uma perspetiva de sustentabilidade. Isto significa que gerir território é gerir agricultura, floresta, água. Por isso, tenho muita, muita dificuldade, a não ser que seja por lógicas corporativas, em perceber o discurso dos agricultores. Os agricultores só têm a ganhar com a integração das antigas direções gerais de agricultura nas CCDR. Acredito imenso neste processo. Espero mesmo que não haja retrocesso.
Uma das coisas absolutamente decisivas para a agricultura é sermos capazes de acabar com esta esquizofrenia nacional de uma espécie de guerra entre a agricultura e o ambiente, em que os agricultores são os inimigos do ambiente.
Tem a expectativa de que haja transferência mais de competências para as CCDR?
Espero que sim.
Já falou com o Executivo sobre isso?
Espero que sim. Temos vindo a trabalhar nesse sentido. O próprio o novo modelo do governo com uma alocação de competências no domínio das florestas ao Ministério da Agricultura, também vai ao encontro desta leitura do território, onde a floresta é uma parte importante; a questão da gestão da água vai ser central. Depois há outros pequenos aspetos onde, provavelmente, pode haver alguma coordenação regional. São coisas de detalhe. Mas posso dar dois exemplos: as comunidades intermunicipais hoje têm competências na gestão das redes de transportes públicos, mas depois não há uma coordenação a nível regional. Também está associado às comunidades intermunicipais o trabalho com a Agência para as Qualificações de definição dos mapas de formação profissional. Isso só faz sentido ser feito ao nível das entidades intermunicipais. Mas também faz sentido haver depois uma dimensão regional sobre esse assunto. Há aspetos mais estruturantes, como a água ou as florestas, onde isso faz sentido. Mas há depois também pequenas coisas onde isso também pode fazer sentido. Estamos a trabalhar nisso. Acreditamos muito nisso. Acredito muito que este processo de crescimento de competências regionais seja contínuo. Vamos dando passos, construindo e criando esta leitura e capacidade de uma declinação territorial com mais eficácia e com uma leitura mais adequada a essa realidade. É um processo em construção. Acredito muito nessa construção dada por pequenos passos e é nesse processo que estou comprometido.
Ficou desiludido com o facto de Luís Montenegro ter rejeitado a ideia de um referendo para a regionalização?
Provavelmente não haverá muitas condições para ter esse referendo neste momento.
Haverá alguma vez?
Ter um referendo em 24 ou 25, provavelmente, não fará sentido. Penso que seja razoavelmente natural aquilo que o primeiro-ministro disse. Por outro lado, percebo que dentro do atual Governo, que é uma coligação, um dos partidos é manifestamente contra a regionalização. Podemos perceber algumas limitações políticas que possam existir nesse contexto. Não estou preocupado em fazermos ou não um referendo para a regionalização, estou preocupado em construirmos um processo de acentuar, e fazer crescer, a capacidade de decisão regional. É um processo em construção. Se formos fazendo isso com passos seguros, haverá um momento em que teremos de decidir depois como é que isso acontece do ponto de vista regional. Porque mesmo a figura da regionalização, por vezes, falamos em regionalização, mas podemos falar em coisas muito diferentes. Sou adepto da regionalização e nunca defendi parlamentos regionais. Não está em causa existir uma dimensão legislativa. Haveremos de convergir para um conceito do que há-de ser a regionalização, mas deve ser construído com passos certos. E se percebermos — responsabilidade das pessoas que estão no lugar onde estou — que pondo competências (significa permitindo leituras com especificidade regional) isso contribui para melhorar a vida das populações, isto vai ganhando espaço, vai ganhando terreno e certamente depois haveremos de decidir um dia qual há-se ser o modelo.
Temos um novo modelo de eleição das CCDR. O seu mandato vai terminar em 2025. Estaria disponível para tentar continuar a exercer as mesmas funções?
Com toda a frontalidade, devo dizer-lhe que gosto imenso das funções que estou a executar. Tem sido uma experiência magnífica. Sendo verdade que, quando iniciei estas funções, as conversas que na altura tive com os líderes dos dois principais partidos de então, o que estava em cima da mesa era um cenário de aprofundamento ainda maior deste caminho das competências regionais. Mas, sem dúvida, que demos passos muito interessantes e sinto-me muito orgulhoso por ter sido parte desta construção. Se dentro de um ano, fará sentido ser outra vez candidato ou não, teremos de esperar por essa altura para o decidir.
Vai depender de?
Há certas coisas que são absolutamente claras. Posso explicitá-las, mas quase que nem vale a pena. Podendo acreditar que possam ter sido as minhas competências, que me possam ter trazido para este lugar, desculpando-me o autoelogio, podendo acreditar nisso, também não tenho dúvidas que terei de acreditar que a divisão muito clara que existe entre as forças partidárias a Norte, e nomeadamente nas câmaras, faz com que este lugar dificilmente a Norte teria de ser desempenhado por um independente. Se este equilíbrio se mantiver, pois as condições políticas após as eleições autárquicas são umas, no cenário de haver um dos partidos a ser nitidamente maioritário, provavelmente esse partido quererá ter um dos seus quadros num lugar destes. Toda esta questão tem de ser vista à luz dos resultados das próximas eleições autárquicas.
Tem alguma expectativa relativamente aos resultados?
Não, não, não. Nenhuma mesmo. E diria que ninguém tem.
Estamos numa situação demasiado confusa?
Qualquer prognóstico é pura especulação. Vejo isto com muita naturalidade. Cá estaremos. Não queria ser mal interpretado porque tenho muito gosto no que faço, não estou aqui a fazer nenhum serviço público do ponto de vista de que deva ter alguma recompensa por isso, ou algum reconhecimento. Tenho muito gosto. Os meus dias, com todas as dificuldades que têm são muito interessantes e gosto muito de diversidade. Aquilo que me move… Vou dizer isto pela primeira vez, acho eu. Fui um investigador universitário com razoável sucesso e conseguindo muitos projetos, mas pagando um preço terrível, dificuldades terríveis, por estar fora do sítio onde está o poder central, onde as coisas se decidem, onde as pessoas se conhecem mais proximamente. E é contra isso que luto. Não luto contra nenhuma Lisboa, uma cidade de que gosto imenso. O meu grande desejo, que Lisboa seja a capital de um país mais rico e nesse dia há-de ser uma cidade ainda melhor. É isso que nos move. Mas esta lógica, esta quase pequenez de Lisboa e de um círculo muito fechado e de leituras muito restritas face a uma realidade que é a que as pessoas conhecem, mas que desconhece aquilo que é a verdadeira realidade de outros espaços diferentes. Isto inibe o crescimento do país. É uma luta que faço com muito empenho, com gosto. Se achar, daqui a um ano, que isso passa por me voltar a candidatar a este lugar, candidatar-me-ei e se achar que passa por estar noutro lugar, ou ainda voltar à universidade, ou fazer outras coisas também estarei muito feliz. Sinceramente, o país não percebe o preço que paga pelo seu centralismo. O vou dizer agora ainda é mais grave. Provavelmente no passado, em alguns momentos, foi um centralismo iluminado, com alguma competência e que hoje, em muitos casos, e em muitas estruturas da Administração, é um centralismo muito empalidecido e com incompetências, das quais todos os dias o nosso desenvolvimento paga o preço disso.
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“O país não percebe o preço que paga pelo seu centralismo”
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