A impossibilidade de aceder a fundos comunitários é um dos entraves ao potencial do Quadrilátero Urbano, organização que até final do mês se tornará Pentágono, diz Ricardo Rio, presidente da entidade.

Nascido em 2008 com Barcelos, Braga, Famalicão e Guimarães, o Quadrilátero deverá até final do mês ficar oficializado como Pentágono, com a entrada de Viana do Castelo, quando passará de mais de 600 mil pessoas para 700 mil. É uma forma de organização do território que poderá servir de exemplo para outras regiões.
Defensor da regionalização, Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga, preside também à estrutura intermunicipal. Em entrevista ao ECO/Local Online, o social-democrata explica o que já se retirou do Quadrilátero para promoção de quatro municípios que, juntos, têm mais população que toda a CIM de Coimbra, que junta três distritos. Para dar corpo à entidade é necessário que se abra o caminho para fundos comunitários, considera o autarca.
Já foi apresentada a união de Viana do Castelo ao Quadrilátero. Quando nascerá oficialmente o Pentágono, com os cinco municípios?
Ficará fechada agora. Até ao final do mês de junho acho que estaremos todos os cinco concelhos.
O Pentágono conseguirá, junto do PT 2030 ou de outro quadro europeu futuro, aceder a fundos que de outra forma não estariam ao dispor, através, por exemplo, das CIM?
Não, pelo contrário. Esta estrutura continua sem o reconhecimento em termos de linha de financiamento. Portanto, aquilo que acontecia com o Quadrilátero, também acontecerá com o Pentágono. Não temos no framework do enquadramento dos fundos comunitários muitas linhas que sejam elegíveis para este tipo de estrutura não formal.
Ao fim de quase 20 anos, quando até já houve uma ameaça de abandono de Guimarães há uma dúzia de anos, o que justifica não só a manutenção do Quadrilátero como até o alargamento a cinco municípios?
O Quadrilátero é um projeto que faz todo o sentido por força das interligações, desde logo entre os quatro municípios que lhe deram origem, em 2008. Pela dinâmica e pela relevância que esses quatro municípios têm no contexto regional e no contexto nacional. E acho particularmente interessante por ser um projeto de natureza voluntária. Não é, como acontece com as comunidades intermunicipais ou com outras estruturas, uma imposição direta de nenhuma organização administrativa, é um projeto de participação por predisposição dos responsáveis políticos, que entendiam, na altura da sua criação –- e julgo que hoje de uma forma ainda mais reforçada — que as interligações existentes entre estes quatro concelhos e a preponderância que eles têm no contexto territorial, podem ganhar com um aprofundamento das suas relações em diversos domínios.
Julgo que este percurso não é marcado sem ‘inconseguimentos’ ou sem um certo defraudar das expectativas. Daí estas circunstâncias que foi invocando, aqui e além, de alguém admitir a possibilidade de sair e a perda de razão de ser do projeto.
Atento o manancial de expectativas que existia em relação àquilo que o projeto poderia trazer, houve sempre dificuldades nessa mesma concretização. Algumas delas por natureza operacional, outras por dificuldades até de enquadramento na relação com outros interlocutores. Recordo o caso mais evidente, o do Quadrilátero enquanto estrutura voluntária não ser enquadrada diretamente em linhas de financiamento comunitário. Muitos dos seus projetos terem que usar, entre aspas, barrigas de aluguer, como é o caso das comunidades intermunicipais, para poder aceder a esses mesmos projetos.
A partir da revisão dos estatutos em 2016, passou a ser obrigatória a decisão por unanimidade. Considerando a existência atual de maioria absoluta nos cinco municípios, isto dará alguma liberdade aos executivos. Tem havido diferenças face aos primeiros anos?
Da experiência que tenho, não posso, enquanto observador, falar muito sobre a maneira como as coisas funcionavam antes de 2013. Posso dar-lhe um exemplo muito concreto: antes de 2013, a Câmara de Braga e a de Guimarães tinham dois presidentes da mesma cor política. A minha relação hoje com o Domingos Bragança [presidente da Câmara de Guimarães], e ao longo destes três mandatos, foi seguramente muito mais profícua, muito mais próxima, até de amizade, do que aquela que existiu no passado entre os dois presidentes que eram do Partido Socialista. Isso, obviamente, reflete-se nas dinâmicas que se criam.
Acho que isso tem a ver um bocado com a mudança de cultura e de perfil dos responsáveis políticos que apareceram após 2013.
Existe um conjunto de circunstâncias, que na minha perspetiva vai criar mais dificuldades à concretização dessa governação mais estável nos diversos municípios, não apenas nos do Quadrilátero, mas seguramente também nos outros, e isso pode vir a ser um fator de entropia na concretização dos consensos que são necessários para que um projeto desta natureza possa prosseguir de uma forma tão capaz como julgo que pode noutros contextos.
Do que viu até hoje na gestão dos vários municípios, o novo ciclo autárquico, ainda relativamente ao Quadrilátero, pode ser benéfico, com novas ideias, ou pode haver dessintonia? Acha que vai ser possível manter o Quadrilátero?
Acho que sim. Contudo, do ponto de vista do próximo ciclo autárquico, o fator — diria como observador, mais do que como autarca — que me causa alguma apreensão tem a ver com uma coisa que referiu logo no início da nossa conversa, que era o facto de nós termos durante todo este período executivos com maiorias absolutas e, portanto, com outra capacidade de autonomia e de poder de decisão. Hoje, vivemos uma realidade política diferente, não apenas nestes concelhos, mas a nível nacional. Existe uma maior fraturação e fragmentação do espetro partidário. Existem candidaturas independentes, enfim, existe um conjunto de circunstâncias, que na minha perspetiva vai criar mais dificuldades à concretização dessa governação mais estável nos diversos municípios, não apenas nos do Quadrilátero, mas seguramente também nos outros, e isso pode vir a ser um fator de entropia na concretização dos consensos que são necessários para que um projeto desta natureza possa prosseguir de uma forma tão capaz como julgo que pode noutros contextos.
Dos vários candidatos já conhecidos, ouviu alguma manifestação relativamente ao Quadrilátero?
Desde logo, há dois candidatos recandidatos, do Partido Social Democrata, os presidentes da câmara de Famalicão e de Barcelos. Penso que manterão a mesma linha de pensamento que tiveram até hoje. Em relação aos candidatos do concelho de Braga, de todas as forças partidárias, tenho ouvido uma perspetiva de reforço. Ainda recentemente houve uma assembleia municipal em que foi aprovada a adesão de Viana do Castelo, em que todas as forças políticas foram unânimes a defender a criação da área metropolitana do Minho, de Braga, que seja representativa deste território.
Em Guimarães, pelo menos nas primeiras impressões que eu tenho registado, quer o candidato do PSD, quer o do Partido Socialista, que são tendencialmente aqueles que poderão vir a assumir funções, ambos têm também revelado uma perspetiva positiva em relação ao Quadrilátero.
Portanto, desse ponto de vista, pelos futuros presidentes de câmara, não haverá nenhuma entropia no desenvolvimento do projeto.
E o que é que os presidentes atuais deixam como prova do sucesso do Quadrilátero? Projetos que os municípios não teriam conseguido per si, ou no âmbito da CIM?
Desde logo, em termos de colaboração direta entre os quatro municípios. Eu falava há pouco de áreas como a área da cultura, em que nós temos vários projetos em comum, e há várias iniciativas culturais que hoje cobrem os quatro territórios.
Do ponto de vista da promoção de uma estratégia comum para a área da mobilidade, o sistema de bilhética integrada, de informação ao utilizador, candidaturas submetidas a partir dos quatro concelhos e que depois contaminaram positivamente os outros municípios das duas CIM. Acho que isso, aliás, é uma das grandes vantagens que o Quadrilátero teve, ao reunir os dois principais concelhos de cada uma das duas CIM, a do Ave e a do Cávado. Houve muitos projetos que nasceram no contexto do Quadrilátero e que depois acabaram por ser desenvolvidos para o contexto das duas CIM através dessa interação. Isso é positivo, porque é uma espécie de modelo de desenvolvimento em mancha, em que, a partir dos grandes núcleos urbanos, nós conseguimos naturalmente beneficiar também os outros concelhos.
Houve muitos projetos que nasceram no contexto do Quadrilátero e que depois acabaram por ser desenvolvidos para o contexto das duas CIM através dessa interação. Isso é positivo, porque é uma espécie de modelo de desenvolvimento em mancha, em que, a partir dos grandes núcleos urbanos, nós conseguimos naturalmente beneficiar também os outros concelhos.
Esta estrutura voluntária intermunicipal é uma forma de se conseguir um outro tipo de regionalização, designadamente no acesso a fundos, e retirar algum do poder centralizador de Lisboa?
Sim, embora eu não considere que isto é um modelo alternativo à regionalização. Pessoalmente, sou defensor da regionalização, acho que fazia falta ao nosso país, desde logo pela legitimação democrática dos órgãos de governação regionais, de uma forma mais expressa do que aquela que existe hoje, por via indireta, através das votações dos presidentes e das assembleias ou dos vereadores e das assembleias municipais.
Do ponto de vista da distribuição de recursos, Portugal tem ainda um longo caminho a cumprir em termos de equidade, nesses investimentos e nesses recursos. Basta pensar — volto ao caso de Braga, porque obviamente aquele que eu conheço melhor –, que ao longo dos últimos 12 anos, com governos de todas as cores políticas, o volume de investimento público foi absolutamente residual, e estamos a falar do concelho que mais cresceu em população, do concelho que mais cresceu em termos económicos, que tem hoje uma preponderância enorme, e que não tem sido propriamente muito valorizado pelo Estado central.
Isso não seria assim, seguramente se houvesse uma estrutura regional a fazer a gestão de mais recursos e a fazer, com outra capacidade de reivindicação, um diálogo com o Governo central.
Mas apesar disso, já o ouvi salientar o desenvolvimento que Braga teve nos últimos anos.
Braga está hoje a exportar mais de 2,7 mil milhões de euros por ano, quando há 12 anos não estava sequer no top 10 dos municípios mais exportadores do país.
Que empresas surgiram para promover essa escalada de Braga?
Algumas foram captadas, noutras foi reforçada a sua dimensão. Nos casos mais evidentes da Bosch e da APTIV, passaram a ser não apenas unidades produtivas, mas centros de desenvolvimento tecnológico. A Bosch, que era na altura o nosso maior empregador no concelho, com cerca de 2.000 trabalhadores, hoje tem quase 4.000. A APTIV tem vindo a crescer também de uma forma muito, muito consolidada.
Eram unidades produtivas que enfrentaram as dificuldades de competitividade, em muitas ocasiões — recordo-me que durante o início do século, naqueles primeiros 10 anos, algumas dessas empresas estiveram em layoff , tiveram processos de despedimento. Hoje criaram centros de investigação e desenvolvimento, em articulação, por exemplo, com a Universidade do Minho, que tem só por si 700, 800 trabalhadores mestres, doutorados, a trabalhar, a desenvolver os novos produtos, tecnologias e serviços do futuro nas indústrias em que estão envolvidas, com muito destaque para a indústria automóvel.
A Angela Merkel esteve cá em Braga, a inaugurar um desses centros. Para percebermos também a relevância estratégica que estes projetos têm até no contexto destas multinacionais. Mas depois várias outras. Nós trouxemos para Braga a Accenture, a Concentrix, a Fujitsu, todas elas começaram com pequenos escritórios de 50, 100 colaboradores, hoje, algumas delas têm 800, mil trabalhadores em Braga, qualificados, internacionais. Braga foi uma cidade que se transformou num meio cosmopolita, com 130 nacionalidades a viverem cá, quase 10% da nossa população é população migrante, mas sem qualquer tipo de problema do ponto de vista da integração, ao contrário daquilo que vemos também noutros noutros agregados.
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“Pelos futuros presidentes de câmara, não haverá entropia no desenvolvimento do Quadrilátero”
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