A lei é permissiva e permite manobras dilatórias dos proprietários multados por falta de limpeza de terrenos. É também necessário dinamizar a junção de parcelas e reforçar as verbas dos municípios.
Vários autarcas do país pedem ao Governo que tenha mão firme e avance com uma reforma legislativa que obrigue os proprietários a procederem à obrigatória limpeza dos terrenos, por forma a evitar a célere propagação dos fogos a que se assiste atualmente no país. Há que assegurar que os municípios também não saiam penalizados, alertam.
Apesar de ser obrigatória a limpeza dos terrenos, “acontece sistematicamente” os proprietários preferirem pagar multa — que pode ir até os 5.000 euros no caso de particulares e até aos 60.000 euros para pessoas coletivas — do que procederem à limpeza, assinala o presidente da câmara de Águeda, Jorge Almeida, ao ECO/Local Online.
“Os proprietários, arrendatários, usufrutuários ou entidades que, a qualquer título, detenham terrenos confinantes a edifícios inseridos em espaços rurais, são obrigados a proceder à gestão de combustível”, lê-se no site do Instituto de Conservação de Natureza e das Florestas (ICNF). Mas nem sempre assim acontece.
“Se a câmara mantém mão pesada, vamos parar a tribunal com sentenças que demoram anos. Entretanto, tudo isto vai correndo. E, na maior parte dos casos, é mais compensador não limpar e até às vezes pagar a multa do que propriamente fazer as limpezas a que estavam obrigados”, detalha o autarca de Águeda, que é também vice-presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIRA).
Enquanto isso, existe o risco de propagação de fogos de grandes dimensões como os que atualmente assolam o país. De Norte a Sul, as chamas já devastaram mais de 60 mil hectares de floresta desde domingo, dezenas de casas e empresas, levando mesmo o Governo a declarar na terça-feira o estado de calamidade.
Precisamos que seja desta vez, com um Governo novo, a manusear a sua primeira grande tragédia de incêndios, que haja uma reforma legislativa que nos permita ter uma distância muito curta entre a decisão administrativa de resolver o problema e a capacidade no terreno de a concretizar.
“Precisamos, por isso, de ter o Estado a afirmar-se como entidade legisladora e fiscalizadora com instrumentos blindados a subterfúgios, porque a atual lei é permissiva”, assinala Jorge Almeida. “Trata-se da segurança e da vida de todos nós”, alerta.
O seu “vizinho” de Aveiro, José Ribau Esteves, aponta, por sua vez, as manobras dilatórias por parte dos prevaricadores: “Há terrenos em que nem sequer se consegue identificar o proprietário“, sendo necessário o Estado exercer a sua autoridade para travar este cenário.
O social-democrata desafia, por isso, o atual Executivo de Luís Montenegro a alterar a lei “com urgência”, mostrando ter mão pesada para os infratores. “Precisamos que seja desta vez, com um Governo novo, a manusear a sua primeira grande tragédia de incêndios, que haja uma reforma legislativa que nos permita ter uma distância muito curta entre a decisão administrativa de resolver o problema e a capacidade no terreno de a concretizar”, defende Ribau Esteves.
Por isso, vários autarcas consultados pelo ECO/Local Online defendem a alteração da lei. “Reivindicamos uma reforma legislativa que permita que a minha decisão de mandar limpar um terreno ou mandar fazer um realojamento de uma casa ilegal se aplique rapidamente”, reforça José Ribau Esteves. Para que se “saia desta teia burocrática em que o país está envolvido, uma vez que uma boa decisão que o autarca toma leva, muitas vezes, muitos anos até poder ser concretizada”, lamenta.
Segundo o autarca de Aveiro, “a Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) tem trabalhado com os vários governos sobre esta matéria, mas, mesmo assim, continua sem resolução”.
Caso os proprietários não procedam à limpeza dos terrenos, podem ser substituídos pelas câmaras municipais na realização dos trabalhos necessários. As autarquias podem depois exigir o ressarcimento pela limpeza por si efetuada, diz ainda a lei em vigor. Contudo, aqui reside um problema: muitas vezes, lamenta o presidente da câmara de Aveiro, os proprietários recorrem a tribunal da decisão municipal e os processos arrastam-se anos sem que os terrenos sejam limpos perante a impotência dos autarcas.
“Quando quero que um cidadão limpe o seu terreno ou uma construção ilegal saia do sítio errado onde foi construída, há no país um conjunto de procedimentos administrativos, um conjunto de possibilidades de recorrer para o tribunal de uma decisão do presidente de câmara que torna impotente uma decisão que nós tomamos”, detalha Ribau Esteves.
Autarca de Águeda defende alteração da lei da propriedade
Igualmente defensor da alteração da lei, o autarca de Águeda também se queixa dos proprietários que não cumprem a lei, obrigando depois o município a agir e instaurar um processo de contraordenação.
“As pessoas são ouvidas três ou quatro vezes em audiência prévia. Depois vão reclamar e encontrar justificações para o incumprimento”, acabando o processo em tribunal, refere Jorge Almeida. E o processo ainda se pode arrastar durante anos sem resolução à vista.
Jorge Almeida é, por isso, apologista da “alteração da lei de propriedade que permita, por exemplo, ao Estado e, porque não aos municípios, a elaboração de planos de produção de eucaliptos“. “Assim como temos planos para fazermos uma zona industrial, porque é que não podemos fazer planos para produções de eucaliptos”, questiona.
O autarca defende, contudo, a junção de pequenas parcelas de terreno de modo a “que se protegesse o todo e não se estivesse agarrado a interesses minúsculos que põem em causa todo o resto”. Sugere, para isso, a distribuição do rendimento por todos os proprietários, com entidades gestoras capazes que assegurem a justa remuneração a cada um.
Na maior parte dos casos, é mais compensador não limpar e até às vezes pagar a multa do que propriamente fazer as limpezas a que estavam obrigados.
Ainda assim, o autarca aposta as fichas no ordenamento do território para prevenir que o país seja devastado pelas chamas como está a acontecer. “Mais importante, na minha ótica, é a questão de ordenamento do território, ter uma floresta bem gerida, com a manutenção feita de forma adequada; pensarmos a floresta como um todo e não na pequenina parcela cada uma por si”, frisa.
Municípios alegam “incapacidade financeira” para gestão de combustíveis nas florestas
Também o presidente da Comunidade Intermunicipal (CIM) da Região de Coimbra, Emílio Torrão, elenca “a dificuldade de garantir a gestão dos combustíveis em áreas da responsabilidade dos privados, nomeadamente em redor das zonas edificadas, onde muitas vezes não existe cadastro, ou os proprietários privados não têm capacidade económica para executar os trabalhos”.
Aliás, refere em declarações ao ECO/Local Online, “esta já foi uma preocupação manifestada pela Comissão Sub-Regional de Gestão Integrada de Fogos Rurais da Região de Coimbra” e entretanto reportada junto do Governo. “A não execução por parte dos privados recai sobre as autarquias“, nota.
Uma das maiores preocupações para o líder da CIM da Região de Coimbra é “a incapacidade financeira dos municípios em executar a totalidade da área da gestão de combustíveis, que está sob a sua responsabilidade” devido, designadamente, “à falta de apoio financeiro por parte do Estado, sem que haja abertura de linhas de financiamento que permitam apoiar a implementação das faixas de gestão de combustíveis da rede secundária”.
Também o presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL) defende que “a legislação deve ser ajustada para garantir que os eleitos autárquicos tenham os recursos necessários para cumprir as suas obrigações sem serem penalizados injustamente”. Gonçalo Lopes defende a “necessidade de financiamento adequado, [pois] as autarquias e as CIM precisam de receber os fundos necessários para executar as ações de gestão florestal”.
Uma das preocupações da CIMRL no que concerne à proteção da floresta e gestão dos fogos rurais refere-se à “redução da acumulação de materiais inflamáveis e gestão das faixas de combustível, seja pela insuficiente execução por parte do ICNF da rede primária de faixas de gestão de combustível, seja pela dificuldade em assegurar pelos municípios a execução e manutenção das redes secundárias e ainda atuar em substituição dos particulares que não realizam as operações de limpeza florestal”.
O Balcão Único do Prédio (BUPi) tem o registo de apenas 30% dos detentores das propriedades rústicas do país, contabiliza, por seu turno, o autarca de Aveiro, defendendo uma nova abordagem para salvaguardar vidas humanas, os interesses das populações e o meio ambiente. “O Estado tem de criar instrumentos legais para atuar rapidamente. Tem de haver poder para se poder cortar matos, madeira, fazer infraestruturas, e, se não aparecer o proprietário, a propriedade fica na esfera pública“, sustenta Ribau Esteves.
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Autarcas pedem reforma da legislação para obrigar proprietários a limpar terrenos
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