Com um peso de quase mil milhões de euros nas exportações e com forte impacto ecónomico no Interior do país, o vinho nunca pagou imposto sobre bebidas alcoólicas ao contrário das restantes.
Há pelo menos três décadas que o vinho não é tributado enquanto o Vinho do Porto, as cervejas e bebidas espirituosas veem o imposto sobre álcool e bebidas alcoólicas (IABA) agravado ao longo dos anos. “O vinho tem sido poupado à tributação, porque a viticultura é uma das principais atividades económicas do interior do país que cria emprego e daí a importância rural e social que este produto tem“, começa por explicar ao ECO o presidente da ViniPortugal, Frederico Falcão.
Além do peso significativo na balança das exportações: “Só este ano deverá atingir perto dos 970 milhões de euros”.
Estas são as principais razões pelas quais o vinho não paga IABA ao contrário das outras bebidas. “Desde que estou no setor do vinho, há 30 anos, não me lembro de haver um IABA positivo, mas sim, à taxa zero”, afiança Frederico Falcão que só vê riscos para o setor se assim não fosse. Até porque, “haver uma maior carga fiscal poderia levar a uma redução de consumo, causando grandes problemas sociais no interior do país por ser uma das principais atividades económicas” que dinamiza e desenvolve estas zonas mais rurais, alerta o líder da ViniPortugal, organização Interprofissional do Vinho de Portugal, que tem a missão de promover a qualidade e a excelência dos vinhos portugueses.
“O vinho não é uma simples bebida alcoólica. Faz parte da dieta mediterrânica, é um produto alimentar que está muito enraizado na nossa cultura e tem uma importância muito grande a nível económico e social, sobretudo no interior do país”, reitera Frederico Falcão.
O risco de uma maior carga fiscal poderia levar a uma redução de consumo, causando grandes problemas sociais no interior do país por ser uma das principais atividades económicas.
Em declarações ao ECO, também o administrador executivo da Sogrape, Miguel Pessanha, afirma que o vinho é taxado a zero, porque “o setor vitivinícola é um agente de desenvolvimento económico importante para o país, nomeadamente nas regiões do interior, para a fixação de emprego que estimula o crescimento e desenvolvimento, não só a nível económico, mas também social e cultural”. Só a Sogrape emprega, atualmente, mais de 1200 pessoas em todo o mundo, das quais cerca de 800 em Portugal. O grupo tem forte presença internacional, com produção em Portugal, Espanha, Argentina, Chile e Nova Zelândia.
De destacar ainda, prossegue Miguel Pessanha, “a aposta na exportação dos vinhos e na construção de marcas fortes – que são embaixadoras de Portugal no mundo -, assim como de uma atividade primária que permite desenvolver as regiões do interior do país, e do fomento de outras indústrias nacionais”.
Também o fiscalista Amílcar Nunes, partner da Ernest & Young, assegura que “ao longo destes 30 anos, o vinho sempre esteve sujeito a IABA, mas com taxa zero, e nunca foi aumentado” ao contrário das outras bebidas. “Na história da fiscalidade moderna existiu uma exceção, entre 2018 e 2021: houve uma cláusula de cristalização da taxa de imposto aplicada às cervejas, bebidas espirituosas e produtos intermédios”, contextualiza.
“Podemos especular se é uma decisão histórica ou orçamental”, sugere. Até porque, o Estado deverá encaixar quase 40 milhões de euros de receita adicional com este agravamento de 10% do imposto sobre a cerveja, bebidas espirituosas e Vinho do Porto. O fiscalista entende, por isso, que só os decisores políticos poderão explicar a razão de vinho não pagar o imposto enquanto as outras bebidas são tributadas. O ECO tentou obter uma posição do Ministério da Agricultura, mas não foi possível.
Na realidade, o produto tem um peso significativo na economia nacional. “O vinho nas exportações do agroalimentar representa acima dos 10% e nas exportações totais do país tem um peso de 1,2%, calcula, por sua vez, o presidente da ViniPortugal. “Em 2022 exportámos um total de 941 milhões de euros e para este ano – apesar de ainda não estar fechado – antecipamos chegar perto dos 970 milhões de euros“, calcula Frederico Falcão. Neste ponto, o administrador da Sogrape acrescenta, por sua vez, que “Portugal atingiu, em 2022, o valor mais elevado de exportações de vinho de sempre, tendo o setor nacional de vinho contribuído com 81% para o total de exportações da indústria das bebidas alcoólicas”.
Mas Portugal não é caso único no que toca a este tratamento diferenciado do vinho. Esta situação “é comum nalguns países europeus que são produtores de vinho, com uma fileira agroindustrial importante, ainda que alguns países já comecem a ter taxas muito reduzidas de tributação”, contextualiza, por sua vez, Amílcar Nunes. Entre os países europeus, que mantêm a taxa de zero euros do IABA, constam Espanha, Itália, Alemanha, Áustria, elenca, por seu turno, o administrador executivo da Sogrape.
Ora, a haver aumento dos impostos sobre o vinho, esta situação “traria uma diminuição de vendas, o que prejudicaria a capacidade financeira para investir nos mercados e competir no mercado global”, alerta Miguel Pessanha. Também António Boal, da Costa Boal Family Estates, em Alijó, é apologista de que “em momentos de crises económicas, o preço é decisivo. Se o poder de compra baixa, o consumidor tem de tomar opções”. Mas, acautela, “não se pode comparar os custos de produção de um vinho de uma vinha velha e com uvas colhidas manualmente, em Trás-os-Montes, por exemplo, com uma produção em série de bebidas de outro género”.
Na realidade, frisa António Boal, “o vinho faz parte da história do país, que tem no Douro a região demarcada mais antiga do mundo; é um setor fundamental para a economia nacional e todas as implicações diretas e indiretas do seu desempenho refletem-se na dinâmica económica”.
Também António Beleza, diretor comercial da Quinta do Pessegueiro, em Ervedosa do Douro, sub-região do Cima Corgo, com duas dezenas de colaboradores, considera que “um aumento da carga fiscal tornaria o vinho menos competitivo face a outras bebidas que possibilitam margens de lucro altas e que não dão tanto trabalho a vender”.
Portugal atingiu, em 2022, o valor mais elevado de exportações de vinho de sempre, totalizando 941 milhões de euros, tendo o setor nacional de vinho contribuído com 81% para o total de exportações da indústria das bebidas alcoólicas.
O setor tem de tal modo importância que “em qualquer distrito e município, existem adegas cooperativas, viticultores, uma indústria muito ligada ao vinho”, realça, por sua vez, o fiscalista Amílcar Nunes. Mais, completa, “esta importância de aproveitamento de produtos endógenos tem o seu impacto, mas a verdade é que também começa a haver produtores locais que utilizam recursos endógenos para as bebidas espirituosas“. Por outro lado completa, “há ainda cervejas artesanais que também são importantes para a coesão territorial no estabelecimento de pequenos micro-cervejeiras e de pequenos produtores de bebidas espirituosas de Norte a sul do país”, destaca o fiscalista.
Apesar de não pagar IABA, nem tudo são rosas no setor vitivinícola: acrescem outras despesas, além do impacto da inflação e das alterações climáticas que têm afetado a produção. “Há que ter em conta que o setor vitivinícola está sujeito ao pagamento de taxas de certificação, de controlo e de promoção, quer ao Instituto da Vinha e Vinho (IVV), quer às diversas Comissões Vitivinícolas Regionais”, alerta Miguel Pessanha.
Também António Boal realça que “o setor tem sofrido penalizações atrás de penalizações. Por isso, não poderia deixar de concordar com a manutenção da taxa a zero”. Mesmo assim, o produtor de Alijó considera que “esta não é a situação ideal”, tendo em conta as vicissitudes que os produtores atravessam para manter a atividade viva. “O que me parece é que são medidas avulsas, com falta de estratégia a médio e longo prazo, que não vão de todo resolver o que se antecipa. Cabe, sim, aos produtores procurarem soluções, novos públicos, novos mercados”, defende o proprietário da Costa Boal Family Estates.
Ainda assim, António Boal discorda do agravamento em 10% da taxa do IABA sobre o Vinho do Porto. Até porque, argumenta, “o Vinho do Porto poderá posicionar-nos ao lado das grandes regiões mundiais de vinho, subir preços e posicionamento. Mais ainda, quando o setor sabe que tem de procurar novos consumidores, conquistar públicos jovens”. Também o consultor de vinhos Cláudio Martins, da Martins Wine Advisor, defende que “o Vinho do Porto, sendo imagem do país e uma referência mundial, também deveria seguir as mesmas regras que o vinho tranquilo”. Mais, defende, a taxa sobre o vinho na restauração deveria baixar para 13%.
Associação de Bebidas Espirituosas e Cervejeiros descontentes
Quem não está muito contente com o agravamento em 10% do IABA é a Associação Nacional de Empresas de Bebidas Espirituosas (ANEBE) que considera tratar-se da “maior subida da história” e já pediu ao Governo o congelamento da tributação. “O Governo não olha para a especificidade de cada indústria. Não somos contra a isenção do imposto sobre o vinho. O que pedimos, há muitos anos, é que o Estado congele o valor do imposto sobre as bebidas espirituosas”, adianta ao ECO João Vargas, secretário-geral da ANEBE. Apesar de considerar que “o vinho é um setor relevante para a economia nacional”, João Vargas alerta para o facto de “as bebidas espirituosas representarem 11% do consumo de bebidas alcoólicas em Portugal“.
A associação já fez chegar o seu descontentamento ao Governo assim como os Cervejeiros de Portugal que consideram o agravamento do imposto “injusto, injustificado e incompreensível, colocando, mais uma vez, o setor cervejeiro em desvantagem face a outras bebidas com teor alcoólico“. Qualificam de “injusto este aumento de 10%, na medida em que vem penalizar uma indústria que assenta na produção agrícola nacional, possui cadeia de valor inteiramente nacional, e contribui fortemente para o desenvolvimento da economia do país”.
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De motor da economia rural à criação do emprego, o porquê do vinho não pagar imposto
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