A Burocracia do nosso Descontentamento
A Administração Pública tem desempenhado um papel central de (des)funcionamento do Estado, evidenciando limitações estruturais que comprometem a sua eficácia e a confiança dos cidadãos.
No passado, ser funcionário público ou ter um emprego para a vida era a ambição de muitos portugueses, e uma sensação muito forte de que “O Estado não falha” ou “o Estado não despede”. O desenvolvimento económico, a mudança de paradigma da nossa sociedade, aliada à evolução tecnológica e à sustentabilidade, podia fazer-nos pensar que lidar com a Administração Pública em 2025 fosse, para o cidadão, qualitativamente diferente dos anos 80 e 90. Significa isto que ao longo destas últimas décadas, a Administração Pública tem desempenhado um papel central de (des) funcionamento do Estado, evidenciando limitações estruturais que comprometem a sua eficácia e a confiança dos cidadãos.
O modelo vigente, assente em estruturas pesadas, procedimentos burocráticos complexos e um certo imobilismo institucional, revela-se desajustado face às exigências de uma sociedade em permanente transformação. Neste contexto, a reforma da administração pública não é apenas uma aspiração legítima — é uma necessidade estratégica inadiável.
A matemática não engana. Vamos aos números! Apenas numa década, o número de funcionários públicos cresceu cerca de 16%, de acordo com a Síntese Estatística do Emprego Público (SIEP), que trimestralmente publica o número de funcionários públicos existentes no país e a sua evolução. Esta foi uma das medidas deixadas, ao tempo, pela troika no âmbito de uma série de medidas de aumento da transparência da administração pública. O número de funcionários públicos atingiu 758.889 postos de trabalho a 31 de março de 2025. Este valor representa o número mais elevado de funcionários públicos desde 2011. Nestes dados está a administração pública central – governo, ministérios e serviços centrais – e municípios e freguesias.
Se juntarmos aos funcionários públicos, os números de “recibos verdes” em vertente avença ou tarefa que prestam serviços ao Estado (e que curiosamente recuaram bastante, de acordo com os dados da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) e referentes ao final de 2024), é seguro dizer-se que sendo estes números em curva ascendente, não tarda temos quase um milhão de funcionários públicos.
Se estivéssemos nos anos 80 do século XX ou até nos anos 90, estaríamos familiarizados com a burocracia, o papel e o papelinho, o impresso, o carimbo e o “culto” da assinatura. Mas hoje não nos podemos conformar com isso.
A burocracia excessiva constitui, de forma recorrente, uma das principais críticas formuladas tanto por cidadãos como por empresas. A experiência comum de lidar com processos administrativos morosos e redundantes, frequentemente sustentados por uma cultura de formalismo desproporcional, traduz-se numa perceção generalizada de ineficiência e distanciamento do Estado.
Num tempo em que a digitalização e a automação estão ao serviço da simplificação, persistem práticas obsoletas que comprometem o desenvolvimento e a resposta decisiva que o cidadão e as entidades merecem.
Mais preocupante ainda é a ausência de mecanismos eficazes de responsabilização e de avaliação de desempenho nos vários níveis da administração pública. Em muitos casos, não se verifica uma escassez de recursos ou de enquadramento legal, mas sim uma clara falta de coragem para implementar mudanças estruturais.
É, portanto, imperativo reconceptualizar a administração pública como uma estrutura verdadeiramente orientada para o serviço ao cidadão, fundamentada em princípios de eficiência, transparência e proximidade. Para tal, é mesmo vital a aceleração da digitalização dos serviços públicos, com foco na usabilidade e interoperabilidade; desburocratizar os processos administrativos, eliminando redundâncias e simplificando requisitos; valorizar o mérito e promover a responsabilização dos dirigentes, com sistemas de avaliação objetivos; e fomentar uma cultura de inovação e compromisso com o serviço público, capaz de atrair e reter profissionais qualificados.
Sem estas reformas, o risco é que programas como o Simplex se tornem, paradoxalmente, cada vez mais complexos — perpetuando um modelo que já não responde às necessidades do presente, muito menos às exigências do futuro.
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