Contas certas, seguramente… mas algo modestas, não vos parece?!

Economia portuguesa fecha o ano a crescer pouco mais de 2%. A maioria das previsões aponta para uma quebra em 2024, uma quebra dificilmente explicável perante a injeção de investimento.

Num momento em que as taxas de juro da zona Euro voltam a estar sob pressão, cortesia dos nossos amigos italianos que decidiram apresentar um orçamento para 2024 com um défice superior a 4%(!) do PIB, Portugal parece continuar o seu desígnio de aluno diligente e cumpridor, reiterando o desígnio das “contas certas” iniciado no já distante mandato de Mário Centeno, e cuja cartilha foi seguida à risca pelos seus sucessores.

No entanto, para os mais atentos, as previsões recentes do Banco de Portugal e os objetivos macroeconómicos que enquadram a proposta de orçamento para 2024, geram desta feita algum desconforto, e uma leve sensação de que alguém está a “esconder o jogo”… ou então há muitas coisas que nos foram anunciadas e com que o Governo parece não contar.

De facto, depois da euforia contida do primeiro semestre, no final do qual se apontou para quase 3% de crescimento da economia portuguesa em 2023, a evolução das receitas do turismo durante o Verão e a resistência dos níveis de inflação, faz apontar agora para valores de crescimento pouco acima dos 2%.

É certo que a situação política internacional convida à prudência, mas no que à economia portuguesa diz respeito, parecem existir fatores de muito peso, para acreditar num 2024 mais positivo do que os 1,5% vaticinados pelo Banco de Portugal (e secundados pelo Governo).

Do ponto de vista do investimento público, 2024 é o ano de todos os incentivos: fundos do PRR em máxima utilização (ainda há poucos dias o Governo anunciou a aprovação de Bruxelas sobre o reforço de verbas e a solicitação de mais dois pagamentos parciais), PT2030 em arranque efetivo (já existe mapa de avisos publicado e as primeiras verbas já estão a concurso), novos envelopes de incentivo da EU em fase de discussão e execução (no que diz respeito, por exemplo, a acelerar a transição energética e aos compromissos com a sustentabilidade).

Ao nível do investimento privado, apesar de se aceitar que exista alguma cautela, há muito que a banca portuguesa não apresentava índices de resiliência tão consolidados e, genericamente, a grande maioria das empresas do PSI20 se prepara para fechar o ano com receitas e lucros significativos, perspetivando um cenário para 2024 que não parece menos otimista que o que existia para 2023. Se pensarmos que no plano teórico são as PMEs as maiores beneficiárias dos atuais envelopes de incentivos, então não há como duvidar de um ano forte e que pode
ainda vir a beneficiar de algum abrandamento dos juros (mais provável no 2º semestre).

O perpetuar do conflito na Ucrânia e a recente destabilização do Médio Oriente voltarão a contribuir para a manutenção de Portugal como um destino turístico de eleição, dando asas àqueles que acreditam que o setor continuará a ser força motriz do crescimento nacional. Até mesmo alguns dos nossos principais parceiros económicos parecem ter tido um ano tão difícil em 2023 que arriscam a ter um 2024 a nivelar por cima (Espanha, Alemanha e Reino Unido são apenas alguns exemplos).

E a cereja no topo do bolo parecem ser as medidas de redução de impostos do novo orçamento que vão colocar mais alguns euros no bolso dos portugueses, contribuindo para estimular ou pelo menos evitar quebras no consumo privado – ainda que a poupança artificial dos anos Covid se comece a esgotar e que a tensão social começa a ser visível nalgumas áreas de serviço público onde as reformas teimam em não se materializar.

Por último, o efeito multiplicador dos investimentos estruturantes ao nível da aposta no digital, nas agendas mobilizadoras de inovação e agendas verdes, e a resolução de alguns dossiers penosos para as contas públicas, tudo parece convergir a favor de uma ambição maior para o crescimento da nossa economia.

Mas então, de que estamos à espera? Qual a justificação para tanta modéstia, tanta falta de ambição? Porquê “apenas” 1,5%?

Alguns dirão que é bom ser prudente, talvez até um pouco conservador, quando o mundo parece estar a ficar louco. Outros acusarão o Governo de ter uma qualquer estratégia eleitoralista que sairá beneficiada de poder exceder expectativas quando fechar o ano de 2024 e criar algum tipo de reserva para o orçamento do ano seguinte. Os mais pessimistas, dirão que Portugal falhou o timing da realização de reformas estruturais e que amos pagar nos próximos anos com um crescimento anémico, abaixo da média da União Europeia, afastando Portugal ainda mais dos seus principais parceiros económicos.

Como sempre, num sistema democrático, plural e livre, cada um tem o direito à sua opinião (ou ao seu palpite). 2024 não será um ano fácil. Tem tudo para começar mal: conflitos armados, tensões económicas, um certo pessimismo generalizado que se instalou desde a segunda vaga da Covid e do qual ainda não nos conseguimos livrar.

Mas a verdade é que, olhando aos aspetos fundamentais, tem tudo para ser um ano de virar de página, de crescimento económico sólido, de mais vitórias do que derrotas, um ano onde, o final seja mais risonho que o princípio, onde as vibrações positivas superem os desafios.

Para isso, no entanto, temos que ser ambiciosos… temos ingredientes para um resultado melhor e é com esse objetivo em mente que vamos enfrentar 2024. Será um ano de superação. Mesmo que a ditadura das contas certas nos queira fazer acreditar no contrário!

Nota: Os pontos de vista e opiniões aqui expressos são os meus e não representam nem refletem necessariamente os pontos de vista e opiniões da KPMG Portugal.

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