Investir na literacia financeira capacita “jovens” para escolhas conscientes

  • Isabel Cipriano
  • 0:25

Do IRS Jovem à compra de carro, as decisões informadas necessitam de uma formação adequada que deve ser dada desde tenra idade

Pagar e morrer, quanto mais tarde melhor, diz o ditado, mas “pagar” para uns significa “receber” para outros, e compreender como funciona este binómio é essencial, principalmente quando estamos na equipa “dos que recebem”. Há muito tempo que defendo a introdução de uma disciplina de Literacia Financeira nos currículos escolares e, em particular, no decurso do ensino básico. Se existe uma disciplina de Cidadania, porque não a de Literacia Financeira?

A Literacia Financeira ajudaria tanto os mais novos como os jovens (e os seus agregados familiares) a compreenderem conceitos financeiros como gastos, rendimentos e investimentos e poupança, temáticas aparentemente simples, tal como a melhor opção para comprar um carro, quais os impostos que tem de pagar se trabalhar nas férias de verão, qual a melhor opção para investir o “mealheiro de Natal”, ou até mesmo o que é o IRS Jovem, de forma a fazerem escolhas informadas.

Vamos à prática com um exemplo em voga: o IRS Jovem permite a isenção total ou parcial sobre os rendimentos de trabalho dependente (categoria A) ou, sobre os rendimentos de trabalho independente, os tais famosos “recibos verdes” (categoria B), atualmente, durante 10 anos seguidos ou intercalados (em se tratando de situações de desemprego), desde que o “jovem” não tenha ultrapassado a barreira dos 35 anos de idade. Mas como em tudo, os “detalhes” são importantes.

Há duas décadas, um “jovem” de 35 anos tinha a sua posição consolidada no mercado de trabalho, e não raras vezes, casa própria ou arrendada que dividia com o seu par, independentemente do estado civil subjacente. E este “jovem” conseguia fazer poupanças e integrar a percentagem da população portuguesa que tinha um PPR ou outro plano de investimento a pensar no futuro.

Portugal é o sexto país da União Europeia com a pior taxa de desemprego jovem, de acordo com os dados do Eurostat (Desemprego desce em Portugal, mas está acima da média da União Europeia – ECO). Em março deste ano, a taxa de desemprego entre os jovens era de 20,7%. Já os partidos, no âmbito da campanha eleitoral, apresentaram várias soluções (Desemprego jovem em “níveis inadmissíveis”. Estas são as soluções defendidas pelos partidos – ECO). A melhor solução seria as PME não serem asfixiadas de impostos e taxas, por um lado, e programas de incentivo como os Estágios Ativar e outros, a funcionarem na sua plenitude.

Longe vão os tempos em que os jovens adquiriam casa ou conseguiam arrendar um apartamento “a meias”. Se tecnologicamente avançamos freneticamente, como chegámos a um retrocesso civilizacional que empurra os nossos jovens (até aos 35 anos) para realidades desajustadas das suas competências académicas e das suas ambições profissionais?

A literacia financeira é essencial para se perceber a realidade económica, que é parte de uma realidade social, que por si também é parte desta nossa realidade humana, integrada numa sociedade.

O IRS Jovem, para quem começa a trabalhar, é uma forma de pagar menos impostos e ter mais rendimento, até aos 35 anos. Mas é preciso ver em que condições isso é mais vantajoso.

Vamos a um exemplo: A “Maria” tem 24 anos, e ingressou no mercado do trabalho dependente no dia 2 de junho de 2025. Tem um vencimento base de € 1000 mais o subsídio de refeição no valor de €10,20/dia, que é o limite máximo de isenção fiscal (apesar de a maioria das entidades continuarem a pagar €7,63 ou €9,60). A “Maria” optou pelo IRS Jovem que a permite estar, neste primeiro ano de atividade, 100% isenta de IRS, o que faz com que no final do mês, receba €890 líquidos (já deduzidos os 11% de Segurança Social). Supondo que o subsídio de refeição é de € 10,20 x 22 dias, a “Maria” recebe efetivamente €890 + €224,40=€1.114,40. Mas a “Maria” tem 24 anos, conclui em 2025 a sua licenciatura e vive com os pais. Em 2026 na entrega da modelo 3 do IRS, como pode a “Maria” otimizar fiscalmente o seu rendimento e o familiar? O rendimento anual da nossa jovem neste primeiro ano andará – contas redondas feitas – em pouco mais de 8 mil euros.

Hipótese 1 – adere ao IRS jovem, porque reúne os requisitos, deixa de estar considerada como dependente no agregado familiar dos pais, e amealhou quase de 600 euros de retenção na fonte nesse ano. Não houve retenção na fonte, logo não haverá reembolso de IRS, no final das contas.

Ao entregar o seu IRS sozinha, de forma independente dos pais que não poderão colocar nenhuma despesa relativa à filha no seu próprio IRS, qual vai ser o reflexo no IRS dos pais?

Hipótese 2 – continua no IRS dos pais, pois também ainda reúne os requisitos para tal, e estes pais vão ver a dedução especifica só por ter o dependente a valer 600€, vão ainda deduzir as despesas de edução e saúde da filha, por conseguinte as deduções por via do dependente e a retenção na fonte do rendimento da “Maria” poderão fazer uma diferença favorável no IRS do agregado familiar, ainda que se englobem os tais 8 mil e poucos euros do rendimento da filha.

Costumo dizer que é preciso fazer contas e perceber as implicações que o IRS Jovem – uma medida que se aplaude – pode ter nos diversos agregados familiares.

Mais, o IRS Jovem é uma medida opcional e não obrigatória que deve ser pensada em função dos valores e dos agregados. As organizações (entidades empregadoras) não podem, de forma alguma, impor esta modalidade cuja opção é exclusivamente do contribuinte. Mas a “Maria” não estava informada, e no seu local de trabalho, explicaram-lhe que se optasse por este IRS jovem receberia líquidos €870 em vez de €832 (a retenção na fonte mensal seria de €58). E naturalmente os jovens e menos jovens querem auferir o máximo possível. Mas no final das contas, qual é a hipótese que no caso da Maria é efetivamente mais compensadora para este primeiro ano?

Convém recordar que, em Portugal, os dependentes com idades entre os 18 e os 26 anos que já trabalham, mas não recebem mais do que 14 vezes o salário mínimo nacional (€12.180 em 2025), podem optar por entregar a declaração de IRS em conjunto com os pais (em 2026), se essa for a opção mais vantajosa. Ou seja, a decisão é sempre do contribuinte e não das empresas, dos bem-intencionados colegas de trabalho, mas fiscal e financeiramente iletrados, ou de qualquer outro menos avisado.

O maior investimento que os jovens e menos jovens podem fazer é na literacia financeira, para que estejam dotados de ferramentas que os conduza a escolhas informadas.

  • Isabel Cipriano
  • Presidente da APOTEC – Associação Portuguesa de Técnicos de Contabilidade

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