

O modelo de supervisão de auditoria em Portugal
A eficiência do funcionamento do mercado de auditoria exige que as regras sejam aplicadas de forma coerente e sem exceções.
A supervisão pública e independente da auditoria é um pilar fundamental para a confiança no funcionamento dos mercados e da sociedade.
Na União Europeia, coexistem diferentes modelos de supervisão de auditoria, sendo alguns deles (e.g., Itália, Países Baixos, Luxemburgo) muito próximos do português. Sem prejuízo da diversidade de modelos, todos partilham um objetivo comum, o qual é cimentado pela regulamentação europeia e nacional que é de garantir uma supervisão independente, isenta, rigorosa, consequente e transparente.
Quase dez anos após a entrada em vigor do atual quadro europeu, a Comissão Europeia iniciou um processo de reavaliação do mesmo, refletido no estudo de 2022 sobre a Diretiva e o Regulamento de Auditoria, na análise às falhas associadas ao caso Wirecard e na consulta pública sobre Corporate reporting – improving its quality and enforcement, (Relato Financeiro – melhorar a sua qualidade e fiscalização). Por sua vez, o Comité Europeu das Autoridades de Supervisão de Auditoria (CEAOB) assinalou como prioridade o reforço dos poderes dos supervisores, a harmonização de práticas e o aumento da eficácia do controlo de qualidade da auditoria. O objetivo é inequívoco: reduzir o risco de falhas com impacto sistémico e proteger o interesse público.
Foi também a esta realidade de supervisão pública independente que o mercado de auditoria português passou a ter de se adaptar para, como referido, benefício da sociedade e do espaço em que nos inserimos.
No mercado português, existem mais de 190 SROC (Sociedades de Revisores Oficiais de Contas) e mais de 1.140 ROC (Revisores Oficiais de Contas) registados na CMVM. Anualmente, são emitidos mais de 32.500 relatórios de auditoria. A faturação agregada ultrapassa os 223 milhões de euros, dos quais 156 milhões de euros correspondem a 21 auditores de entidades de interesse público.
A atividade de auditoria é dinâmica e exigente e requer capacidade de investimento significativa, nomeadamente para corresponder às necessidades e exigências dos respetivos stakeholders e do contexto global. Alguns exemplos do investimento requerido referem-se à atração e retenção de talento, à formação das equipas, ao bom governo da firma, ao controlo de qualidade, aos sistemas de informação, tecnologia e à cibersegurança. A estes acrescem os eventos específicos que marcam a atividade e a evolução dos quadros normativos (e.g., ISQM 1, ISA LCE, ISA 570 ou ISA 500) que exigem implementação célere e eficaz.
O contexto global e específico, a dinâmica e a exigência são fatores de pressão sobre os modelos de negócio que suportam a atividade de auditoria. Esta pressão é agravada quando esses modelos tardam em se adaptar à evolução do mercado e não refletem a complexidade e os riscos do trabalho de auditoria, comprometendo a sustentabilidade de médio e longo prazo da atividade. Não é uma realidade diferente de outras observadas em Portugal e em outras geografias.
A auditoria, enquanto exercício de funções de interesse público, está sujeita a supervisão pública independente pela CMVM desde 2016. Esta supervisão é orientada por dados e baseada no risco, em linha com as melhores práticas observadas em mercado dinâmicos, onde a diversidade e a proliferação de agentes tornam essencial definir prioridades de atuação com base em indicadores de risco. Para o efeito, a CMVM criou mecanismos para a recolha sistemática e estruturada de dados relevantes, que constituem elementos essenciais para direcionar a supervisão para as áreas de maior risco, reforçando a sua eficácia e promovendo boas práticas.
A eficiência do funcionamento do mercado de auditoria exige que as regras sejam aplicadas de forma coerente e sem exceções (i.e., garantindo level playing field), variando a intensidade da supervisão em função do perfil de risco identificado.
A melhoria da qualidade da auditoria é um processo com múltiplos fatores interdependentes, contínuo e partilhado. O número de irregularidades detetadas no âmbito da supervisão de auditoria não é – por isso – exclusivamente aferido por métricas quantitativas ou um diagnóstico definitivo e estático. Dados nacionais e internacionais, como os relatórios de controlo de qualidade da OROC (Ordem dos Revisores Oficiais de Contas) e do IFIAR (International Forum of Independent Audit Regulators), bem como os relatórios da CMVM, demonstram que persistem deficiências, tanto nos sistemas de gestão de qualidade das firmas como nos próprios dossiês de auditoria. Neste enquadramento, é função da supervisão pública independente identificar fragilidades, não para sancionar de forma automática, mas para promover a sua correção tempestiva e reforçar a qualidade da auditoria e a confiança no setor.
A CMVM, a par da supervisão direta aos auditores, tem privilegiado medidas preventivas e pedagógicas, como inspeções temáticas, definição de indicadores de qualidade, sessões de esclarecimento e reuniões regulares com auditores (e outros stakeholders relevantes, como, por exemplo, os órgãos de fiscalização) para discutir a atividade e boas práticas.
É com auditores preparados para os desafios do presente e do futuro que teremos um mercado de auditoria eficiente, sólido, transparente e alinhado com as expectativas legítimas da sociedade.
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