Popular Reporting: a peça que falta na transparência financeira do setor público?

  • Marta Almeida e Ricardo Joaquim
  • 30 Outubro 2025

Apesar das entidades públicas divulgarem grandes volumes de informação, a compreensibilidade desta continua a ser um desafio para os stakeholders.

Nas recentes eleições ouviram-se bastantes promessas de transparência política e de boas práticas de gestão autárquica. Práticas de Nova Gestão Pública têm introduzido mudanças significativas nos mecanismos de accountability (prestação de responsabilidades) no setor público.

A accountability, a par com a integridade e a transparência, é hoje um dos pilares da boa governação, sendo entendida como a obrigação de prestar informação sobre a utilização de recursos públicos, justificando decisões e assumindo consequências quando estas não correspondem às expectativas. É também essencial para a eficiência dos serviços públicos e para o crescimento económico, constituindo um dever de todos os políticos e gestores públicos, para com diversos stakeholders, designadamente cidadãos contribuintes.

Apesar das entidades públicas divulgarem grandes volumes de informação, a compreensibilidade desta continua a ser um desafio para os stakeholders; além de que, mais informação não significa necessariamente mais transparência, podendo haver até um efeito de sobrecarga de informação. Para os cidadãos, a leitura de relatórios financeiros extensos e de elevada tecnicidade enfrenta frequentemente dificuldades. A interpretação da informação é cada vez mais complexa, para o considerado cidadão comum.

É neste contexto que surge o Popular Reporting (PR), um instrumento que apresenta de forma simples, clara e visualmente apelativa, a aplicação dos fundos públicos e os resultados obtidos na gestão destes. O PR (abrangendo informação financeira e não financeira) não substitui os relatórios técnicos, mas complementa-os com documentos curtos, com gráficos, imagens e narrativas acessíveis, preferencialmente em formato digital interativo, e dirigidos ao “público em geral”.

Investigação académica recente por Susana Jorge, Ricardo Joaquim e Liliana Pimentel sobre o PR no setor público, base para esta reflexão, mostra que este é ainda um campo incipiente, em que os poucos exemplos de implementação prática se concentram maioritariamente nas características e conteúdos destes relatórios, em municípios nos Estados Unidos e em Itália.
Mas ficam no ar perguntas fundamentais: Qual a visão dos políticos e gestores públicos sobre o PR? Quais as razões da baixa adesão por parte dos decisores políticos à elaboração do PR? Será que fatores institucionais e nacionais influenciam a sua implementação?

Responder a estas questões é essencial para compreender os desafios do PR e abrir caminho à sua adoção em diferentes entidades públicas — de escolas e universidades a hospitais e governos centrais. Afinal, se o PR tem potencial para aproximar cidadãos e entidades, porque não está a ser mais utilizado?

Em Portugal, o PR ainda não é uma realidade. Embora os municípios divulguem diversa informação financeira e não financeira nos seus websites, considera-se que os mesmos se encontram numa fase de preparação moderada para a sua adoção. Os municípios portugueses parecem indicar que o PR funcionaria como que um “Boletim Municipal melhorado”, alargando o seu conteúdo a informação financeira apresentada de forma simplificada e gráfica.

Esta lacuna é ainda mais evidente em momentos de escrutínio democrático, como as eleições autárquicas de 12 de outubro, onde muitos cidadãos podem procurar informação sobre as finanças do seu município para decidir o seu voto. Ou até órgãos consultivos, como os Conselhos Municipais da Juventude, que têm de emitir pareceres vinculativos sobre orçamentos repletos de tabelas que poucos sabem interpretar. Como podem jovens conselheiros pronunciar-se de forma consciente sobre documentos em que ficam na dúvida sobre uma questão básica: de onde vem a receita e onde é aplicada?

Apesar disso, há sinais positivos no Estado Central Português numa tentativa de simplificar a informação financeira mais complexa para os stakeholders. São exemplo, o “Orçamento do Cidadão” que resume em 12 páginas o que o Orçamento do Estado de 2025 expõe em mais de trezentas, ou o projeto “Conhecer a Conta Geral do Estado” que apresenta em formato gráfico indicadores-chave como o PIB, receita, e até saber qual o ministério com maior nível de despesa.

A mais recente iniciativa do Ministério das Finanças “Finanças à Lupa” promete fomentar a mudança de paradigma e promover uma maior literacia sobre as contas públicas.

São passos importantes, mas o PR e a informação simplificada para os cidadãos em Portugal ainda têm um caminho a percorrer. A sua afirmação, de grande relevância ao nível do Poder Local, além de requerer mais investigação, poderá depender do envolvimento de reguladores e profissionais da área na promoção destas práticas. Nos Estados Unidos, já em 1991 existia um prémio para distinguir os PR de melhor qualidade, e hoje o país é líder na sua aplicação. Talvez esteja na hora de Portugal seguir o exemplo?

  • Marta Almeida
  • Professora Auxiliar na Nova School of Business and Economics
  • Ricardo Joaquim
  • Assistente convidado na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

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