
Valorizar a literacia autárquica é valorizar a Democracia
O desconhecimento da literacia autárquica gera riscos que no imediato se manifestam no ato eleitoral, quando os eleitores são confrontados com três boletins de voto.
Um dos temas na ordem do dia é a literacia financeira, digital ou fiscal, mas raramente se aborda a questão da literacia autárquica. No entanto, conhecer o funcionamento do poder local é tão importante para a vida quotidiana de um cidadão como, por exemplo, distinguir uma notícia verdadeira de uma falsa, perceber o que são mensagens fraudulentas e proteger-se de burlas online.
É nas Câmaras Municipais e nas Juntas de Freguesia que são tomadas decisões a nível de transportes, urbanismo, espaços verdes, apoios sociais e culturais. Em termos simples, é nas autarquias que a Democracia se concretiza de forma mais próxima. O problema é que, em Portugal, não raras vezes, a literacia autárquica é tratada da mesma forma que a limpeza dos passeios ou a marcação das passagens para peões ou a sinalização das rodovias – de tempos a tempos, e surge por mediatismo dos atos eleitorais.
Qual a diferença entre o papel do Presidente da Câmara e o da Assembleia Municipal; quais as competências da Juntas de Freguesia e as das Câmaras Municipais? Este desconhecimento gera dois riscos: por um lado, a desvalorização da participação cívica, com taxas de abstenção elevadas nas eleições autárquicas; por outro, a facilidade com que se alimentam clientelismos e populismos, aproveitando a falta de escrutínio por parte dos cidadãos. Esta questão traduz-se no imediato no dia das eleições, em que alguns eleitores têm dúvidas quando são confrontados com três boletins de voto de cores distintas e com vista a eleger competências diferenciadas: Câmara Municipal, Assembleia Municipal e Assembleia de Freguesia.
A literacia autárquica deveria ser mais do que uma cadeira na licenciatura de Direito e sim, encarada como uma condição fundamental para a qualidade democrática, até porque é uma forma de garantir a transparência da prestação de contas públicas.
Vamos aos números: O Estado Português atribuiu às freguesias, via Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF), cerca de 396,6 milhões de euros de subvenção geral para 2025 — um aumento significativo face aos 349,4 milhões previstos para 2024. Já nos Municípios, através do Fundo de Financiamento da Descentralização, os valores não são menos expressivos: em 2022, os municípios receberam 832,9 milhões de euros para exercer novas competências nas áreas da Educação, Saúde, Ação Social e Cultura.
Quando se lida com estas grandezas, não é aceitável que grande parte da cidadania desconheça quem decide, como decide, e com que critérios. Saber de onde vem o dinheiro, quem o gere, quais os limites legais, e que formas de participação e fiscalização existem deixa de ser algo “para especialistas” — passa a ser algo essencial para cada município, cada freguesia, cada cidadão.
Portugal precisa de dar um salto: de uma democracia representativa formal para uma democracia participativa efetiva. E isso só acontecerá quando o cidadão se sentir conhecedor e responsável do poder local. Em tempos de descrédito das instituições, valorizar a literacia autárquica é valorizar a Democracia.
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