Ícone da gastronomia regional, a lampreia tem um peso significativo na economia de Melgaço, desde a pesca de subsistência até ao turismo e à restauração. Câmara quer legalizar a "venda camuflada".
Já em pequeno, Venâncio Fernandes descia com o pai e o avô o caminho íngreme, em terra batida e com pedras irregulares, por onde levou o ECO até atracar na margem portuguesa de Melgaço e avistar os pescadores galegos do outro lado do rio Minho. A lampreia seguia rio acima, e ficava presa no botirão ou redeiro dos pescadores até saltar para as panelas lá de casa ou de conhecidos. “Vender aos restaurantes estava fora de questão. Só os pescadores profissionais o podiam [e ainda podem fazer]”, começa por contar o pescador.
“Existe a pesca profissional só ‘lá em baixo’ nas pesqueiras de Caminha e de Vila Nova de Cerveira; e depois a nossa, mais doméstica, que também obriga a ter licença, regulamentada pela Capitania de Caminha”, descreve Venâncio Fernandes, antes de subir a uma pedreira, nas águas do rio Minho, para mostrar as artes de pesca que já lhe correm nas veias desde criança.
Aqui a pesca é de subsistência. Não vendemos ao público, que a capitania não deixa. Pesca profissional só nas pesqueiras de Caminha e de Vila Nova de Cerveira.
O autarca de Melgaço, Manoel Batista, confirma a versão do também mentor da Associação dos Pescadores do Rio Minho: “Não há pescadores profissionais aqui na região de Melgaço e em Monção, pois estão na zona de Caminha e de Vila Nova de Cerveira”. Ainda assim, confidencia o edil, “há quem venda”. E, por isso, Manoel Batista quer legalizar esta “venda camuflada”.
Para mudar o atual paradigma, o presidente da Câmara Municipal de Melgaço vai pedir ao Governo a “criação de uma figura jurídica que permita aos pescadores amadores de lampreia e de salmão, no rio Minho, venderem o que pescam“. O objetivo, precisa, é que “esta gente deixe de estar nalguma ilegalidade e tenha oportunidade de fazer negócio de forma clara e transparente“. E tenha mais uma fonte económica de subsistência.
O autarca socialista destaca a importância da “pesca tradicional ligada às pesqueiras do rio Minho como economia de subsistência”. E que todos os anos, por esta época, atrai milhares de pessoas de todo o país para provar esta iguaria em restaurantes — este ano, com quatro pessoas à mesa, atingiu os 150 euros.
É o que acontece no restaurante Adega do Sossego, de António Castro, que “atrai uma enchente de clientes para comer a lampreia harmonizada com vinho Alvarinho, com a marca da adega”, conta o empresário, de acordeão nas mãos, pronto a tocar. “Ainda temos um espumante da mesma marca para acompanhar a comida”, atira, enquanto aponta para a lampreia fumada pendurada no teto do armazém do restaurante.
A confeção fica ao gosto do freguês: à bordalesa, com arroz, assada ou fumada. António Castro ainda se lembra do tempo em que “trabalhava nas Águas de Melgaço” e adaptou a velha adega dos avós, no piso térreo da casa que havia nas traseiras do café, mais tarde transformada em restaurante. Há, assim, toda uma economia local que sobrevive em torno da lampreia, desde a pesca para consumo próprio até à restauração e à viticultura com o vinho Alvarinho para harmonizar com estes pratos gastronómicos.
É preciso criar uma figura jurídica que permita aos pescadores amadores de lampreia e de salmão, no rio Minho, venderem o que pescam. Para que esta gente deixe de estar nalguma ilegalidade e tenha oportunidade de fazer negócio de forma clara e transparente.
Desde 30 de novembro de 2022 que as pesqueiras do rio Minho são consideradas património cultural imaterial, espelhando a importância e impacto desta prática enquanto “reflexo da identidade da comunidade, os processos sociais e culturais”. Motivo mais do que suficiente para a Associação dos Pescadores do Rio Minho, que Venâncio Fernandes lidera, querer manter viva esta tradição que, em tempos, já atraiu mais de 600 pescadores para a faina. Agora conta perto de duas centenas.
Mesmo assim, sublinha o autarca de Melgaço, “mantém-se um grupo de pescadores mais antigos, já com idade mais avançada. Também já se veem alguns pescadores novos a agarrar esta arte da pesca” que se quer preservar, completa Batista.
Apesar de serem cada vez menos os pescadores — e também a lampreia que sobe o rio Minho –, todos os anos Venâncio Fernandes anseia pela abertura da época piscatória em fevereiro, que este ano se prolonga até 16 de maio. Mas nem tudo que vem à rede é peixe, a julgar pela escassez de lampreia este ano. E quanto ao salmão, lamenta, “nem vê-lo”.
“As pesqueiras são construções de pedra construídas por um sistema de muros composto por pedras emparelhadas e cujo fim é armar artes de pesca fluvial”, lê-se numa das paredes da mostra “As artes da pesca nas pesqueiras do rio Minho”. Foi lá que Venâncio Fernandes levou o ECO, numa viagem ao mundo das pesqueiras, antes de descer até ao rio e mostrar estas edificações nas margens do lado português e espanhol.
Mais de 60 mil na Feira do Alvarinho
Mais de 60 mil pessoas visitaram a Feira do Alvarinho e do Fumeiro de Melgaço, considerada um dos maiores eventos vínicos e gastronómicos do Alto Minho e da Galiza, calcula o município minhoto em jeito de balanço dos três dias de festa. Um evento que dá a conhecer o que melhor fazem dezenas de produtores de vinho, queijo, fumeiro e outros produtos locais, e gera “um enorme impacto económico na localidade”, resume o autarca Manoel Batista.
Uma feira onde o vinho Alvarinho é rei, com dezenas de stands a serem visitados por um mar de gente. Como aconteceu no espaço de Rita Castro, da Quinta da Pigarra, que levou ao certame o premiado Alvarinho Encostas de Melgaço 2020, que arrecadou a Grande Medalha de Ouro do concurso “os Melhores Verdes 2022”, da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV). “É leve, fresco, um vinho de início de refeição”, descreve. “Também temos aqui um espumante que foi considerado um dos melhores da zona”, continua, apontando para a garrafa exposta no balcão.
No stand ao lado, Artur Meleiro, em tempos engenheiro de produção e de sistemas, dá a provar o o espumante Alvarinho da Valados de Melgaço distinguido com a Medalha de Ouro no concurso “50 melhores espumantes do mundo para 2020”, da Wine Pleasures. “Costumo dizer que nasci numa vinha”, graceja o viticultor, que criou a marca Valados em 2013 e que produz várias referências de vinho da casta Alvarinho com reputação nos mercados interno e externo.
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Lampreia sobe no Minho “à pesca” de profissionais
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