Quinta de vinhos algarvia reinventa-se à sombra de uma oliveira milenar

No Algarve há uma quinta de vinhos com dois séculos de história onde as degustações acontecem à sombra de uma oliveira milenar. A experiência atrai turistas de todo o mundo.

Localizada em Lagoa e com vista para a Serra de Monchique, a propriedade está nas mãos da família Caldas de Vasconcellos desde 1810. Com 23 hectares de vinha, o Morgado do Quintão assume-se com a maior quinta biológica do Algarve com uma produção de 47 mil garrafas de vinho por ano.

Comprada no início do século XIX pelo 1º Conde de Silves, Francisco Manuel Pereira Caldas, a quinta permanece firme e hirta nas mãos da família. Em 2017, depois da morte de Teresa Caldas de Vasconcellos — artista plástica e professora universitária –, os filhos Filipe e Teresa Vasconcellos assumiram o controlo da propriedade.

A quinta geração apostou essencialmente na produção de vinhos com duas castas autóctones da região: Negra Mole e Crato Branco, variedades historicamente associadas ao Algarve. Paralelamente, a herdade expandiu-se para o enoturismo, oferecendo experiências como provas ao ar livre, almoços sob a oliveira milenar, programas de vindima e estadias nas casas de família.

Morgado do Quintão

Antes de os filhos assumirem as rédeas do negócio, as uvas eram vendidas para a única cooperativa agrícola do Algarve. “A partir de 2017 — ano em que o Filipe e a Teresa pegaram no projeto — trouxeram a enóloga consultora Joana Maçanita para desenvolverem a sua própria marca de vinhos” explica Joaquim Imaginário, enólogo residente no Morgado do Quintão. Em 2017 começaram com duas mil garrafas e sete anos depois alcançaram as 47 mil.

A propriedade sobreviveu a dois séculos de transformações políticas e económicas, preservando a sua essência agrícola e vínica, quando muitas vinhas algarvias se perderam para o turismo. Nos anos 80 e 90, enquanto grande parte das vinhas e terras agrícolas do Algarve cedia ao crescimento do turismo, o Morgado do Quintão manteve-se fiel às suas origens, afirmando-se como guardião de um património singular.

Com solo arenoso, as vinhas respiram o ar salgado do Oceano Atlântico e nunca foram alteradas e muito menos arrancadas. A vinificação segue o princípio “menos homem, mais terra”, privilegiando fermentações espontâneas, práticas regenerativas e um contacto direto com o terroir.

Morgado do Quintão Morgado do Quintão

Em 2024, as vinhas conquistaram o certificado de agricultura biológica graças às práticas sustentáveis e ao respeito pela natureza, tendo em conta que não são utilizados herbicidas nem pesticidas. “Para isto acontecer há todo um caminho a ser feito”, garante o enólogo residente do Morgado do Quintão.

As uvas são vinificadas na Quinta da Cabrita, mas é algo que está prestes a mudar já que Filipe Vasconcellos está a projetar a construção de uma adega que deverá estar concluída no próximo ano e representa um investimento de meio milhão de euros. “A nova adega resulta da requalificação de uma antiga adega da herdade”, adianta o gestor que pertence à quinta geração.

O Morgado do Quintão exporta atualmente 25% da produção para mercados como França, Reino Unido, Alemanha, Estados Unidos, Singapura e Canadá. Para além dos vinhos, o enoturismo já pesa 50% da faturação do Morgado do Quintão, com a herdade a receber 12 mil visitantes por ano oriundos essencialmente da Holanda, Canadá e EUA. O enoturismo é, também, uma forma da região combater a sazonalidade e mostrar o que de melhor se faz na região.

Entre as provas de vinho, residências artísticas, concertos, encontros à mesa e mergulhos refrescantes na piscina com vista para as vinhas, o Morgado do Quintão tornou-se um ponto de encontro entre a terra, a arte e as pessoas — um lugar onde o vinho é o fio condutor de uma visão mais ampla sobre cultura, comunidade e sentido de pertença.

Os almoços e jantares acontecem debaixo de uma oliveira com dois mil anos de história envolvidos pelas antigas vinhas. Numa tarde solarenga de outubro, a mesa está repleta de turistas escoceses e norte-americanos e a palavra de ordem é a partilha. Os grupos partilham a mesa, a comida e a experiência em si. Rodeados de natureza e a respirar ar puro, ouvem-se as gargalhas dos visitantes enquanto provavam os vinhos da herdade e degustavam a típica comida portuguesa.

Ao longo da propriedade com 60 hectares existem quatro casas para alojamento local, com piscina privada. As casas nas vinhas foram restauradas a partir de edifícios agrícolas históricos, refletindo a a simplicidade e o caráter rural da região. Em toda a herdade não existe televisão, e é propositado, para os hóspedes se desconectarem da realidade e conectarem-se com a natureza.

Os proprietários organizam também durante o ano vários eventos culturais, como concertos e workshops, uma forma de homenagear o gosto da mãe pela arte e cultura. Até os rótulos dos vinhos são maioritariamente criados por artistas que passam pela quinta, inspirados nas obras de Teresa Caldas de Vasconcellos.

A família preservou ao longo dos anos as vinhas antigas, algumas delas entre as mais antigas do Algarve. É o caso de uma vinha de crato branco com 80 anos, a somar às vinhas com 25 e 40 anos.

Na vinha de 25 anos encontra-se a casta autóctone, Negra Mole, outrora o “patinho feio” da região vitivinícola algarvia e agora a casta de ouro. “A negra mole antigamente era uma casta acima de tudo para fazer lotes, não era uma casta que tinha uma visibilidade muito forte mesmo no próprio Algarve”, explica o enólogo residente, formado em engenharia agrónoma, destacando que a viragem aconteceu há cerca de dez anos, altura em que os “produtores começaram a olhar para a casta como uma mais-valia, ou seja, a sua casta rainha”.

Os produtores começaram a olhar para a casta negra mola como uma mais-valia, ou seja, a sua casta rainha.

Joaquim Imaginário

Enólogo residente do Morgado do Quintão

“A negra mole é uma das castas mais antigas do mundo e tem uma variedade incrível — numa videira conseguimos ter cachos bancos, tintos e rosados”, refere com entusiasmo Joaquim Imaginário.

Filipe Caldas de Vasconcellos, proprietário do Morgado do QuintãoMorgado do Quintão

A história é longa e o caminho é promissor assente na “agricultura, desenvolvimento económico e cultural que, para além de constituírem fatores distintivos do projeto, refletem a ligação profunda da propriedade ao território que a define”, conclui Filipe Vasconcellos.

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