Fileira do olival e do azeite transmontano vive “momento complicado”
Com dois anos consecutivos de quebras de produção, os produtores de Trás-os-Montes e Alto Douro descrevem "momento bastante complicado" e tentam procurar mercado para “qualidade diferenciada”.
A fileira do olival e do azeite em Trás-os-Montes e Alto Douro vive um momento “bastante complicado”, disse à Lusa Francisco Pavão, presidente da Associação Dos Produtores Em Proteção Integrada De Trás-os-Montes E Alto Douro (APPITAD), com dois anos consecutivos de quebras de produção.
Numa campanha normal, a região de Trás-os-Montes de Alto Douro produz entre 13 a 15 mil toneladas de azeite, disse à Lusa o dirigente. “Infelizmente, vivemos um momento bastante complicado na fileira do olival e do azeite, com dois anos de quebra de produção. Não é só uma quebra regional, é de todos os países do Mediterrâneo, o que veio fazer com que houvesse grande escassez de azeite no mercado. Portanto, os preços têm vindo a subir. Aliado a isto, as produções são bastante fracas, com quebras de produção a rondar os 50%. Quer na campanha anterior quer também nas previsões deste ano”, explicou ainda Francisco Pavão.
Por causa do granizo que assolou a região no sábado, a perda em algumas localidades “será maior”, com a produção a ser “praticamente zero”. “Quer pelo fruto que caiu ao chão quer pelo que ficou na árvores bastante danificado. Os preços serão piores, sobretudo na nossa região, com a baixa rentabilidade e as baixas produções por hectares”, antecipou Francisco Pavão.
“Portugal é um país grande produtor, mas estamos ao lado do maior produtor mundial. Portanto, os nossos preços são muito baseados naquilo que são em preços em Espanha. Falamos de preços a granel, não embalado ou em garrafão”, explicou Francisco Pavão. Neste momento, os preços a granel “rondam entre os 8 a 10 euros/quilo”. “E ainda não começamos a campanha, são azeites da campanha anterior”, esclareceu Francisco Pavão.
“Em Espanha, a quebra de produção estimada é também de 50%. Por isso o mercado está muito agitado, com grande escassez de azeite. Neste momento, é uma grande preocupação. Não há azeite para fornecer os consumidores”, explicou.
Em dois anos, o preço por quilo de azeite a granel, num produto de qualidade “padrão”, é mais do dobro. “Há duas campanhas, um azeite médio andava nos 3,70, 3,80 euros. Agora está a rondar os 8,5 euros”, disse Francisco Pavão.
A situação, considera o dirigente, é também “bastante preocupante” porque tem afastado o consumo desta gordura vegetal. “Há anos que estávamos a educar o consumidor para a utilização do azeite. O consumo está com uma redução de 25 a 30%. O que é bastante grave para um produto com utilização fenomenal na gastronomia, que é alimento funcional e com uma série de benefícios para a saúde”, lamenta Francisco Pavão.
O responsável lamenta ainda porque “os agricultores não estão a ganhar mais dinheiro”. As produções são “escassas” e com o aumento dos fatores de produção, com relevo para o gasóleo agrícola, “a situação económica é bastante débil”, elucida Francisco Pavão.
Tudo isto atesta Luís Rodrigues, presidente da Cooperativa Agrícola de Macedo de Cavaleiros, com cerca de 2 mil olivicultores associados daquele concelho do distrito de Bragança, bem como dos concelhos limítrofes.
“O preço do azeite acabou por quase duplicar nestes dois anos. Mas são dois anos terríveis. Porque o aumento do preço não veio nem nunca vem compensar a perda da quantidade. Vejo isto com maus olhos, porque os nossos agricultores por dois anos consecutivos vão perder dinheiro. A maior parte da despesa já está feita, só falta a apanha”, afirma Luís Rodrigues.
Esta campanha, entende Luís Rodrigues, “é um reflexo do tempo que se verificou no ano passado”, quando, “por causa da seca e dos calores extremos, muitas oliveiras entraram em stress hídrico e já não floriram bem. Além disso, veio mais este problema [granizo]”.
“Vamos chegar a um ponto que vamos dizer ‘não há’. Já estamos a ratear, disse o dirigente macedense, segundo o qual um garrafão de cinco litros de azeite que custava na cooperativa “cerca de 20 euros”, hoje é vendido entre 35 a 37 euros, segundo os preços expostos na venda ao público, mas já poderia “ser de 40 euros”, acrescentou Luís Rodrigues.
Macedo de Cavaleiros foi, como Mirandela e Valpaços (distrito de Vila Real), um dos concelhos atingidos pela tempestade de granizo de sábado. “Algumas freguesias foram muito afetadas. Temos associados que perderam 90% em olivais. Já prevíamos uma campanha média-fraca antes do granizo que veio por aí. Com estas perdas, a quantidade de azeitona vai descer (na região). A tendência será que o preço da azeitona e do azeite continue a subir”, disse Luís Rodrigues.
A campanha de colheita inicia-se entre 15 de outubro e o início de novembro.
Procurar mercado para “qualidade diferenciada”
O azeite de Trás-os-Montes e Alto Douro precisa de encontrar um “mercado diferenciador” para valorização da sua “qualidade diferenciada”, acrescentou Francisco Pavão, lembrando que a região tem muitas produções aliadas a sistemas de qualidade, sobretudo à Denominação de Origem Protegida (DOP) Azeite de Trás-os-Montes.
“Obviamente que aí temos que procurar outros mercados. Um mercado diferenciador, que esteja disposto a pagar a diferença pelo tipo de azeite daquela especificidade. Mantivemos em Trás-os-Montes e Alto Douro a aposta nas variedades tradicionais. Temos que saber promover e valorizar e ter mais-valias com essa aposta que fizemos”, explicou.
Segundo o presidente da associação, isso vai obrigar a procurar “novos mercados e consumidores” com “capacidade financeira” para pagarem esta “qualidade diferenciada”. Para Francisco Pavão, pode passar pelo mercado nacional, com o aumento do turismo, mas não só: “Temos que ir para o mercado da exportação. Não é fácil. Mas temos que fazer isto numa ação concertada da promoção de uma região com diferentes identidades naquilo que são os perfis de azeite”, considera Francisco Pavão.
“É impossível, aos custos de produção que temos e aos fatores de contexto das explorações, termos valorização no mercado a granel. No caso de Trás-os-Montes e Alto Douro valorizamos o produto embalando-o e colocando-o à disposição dos consumidores”, disse.
E o caminho está a traçar-se: “No último concurso de azeites de Trás-os-Montes e Alto Douro, tivemos 66 azeites, de 60 produtores, de 22 concelhos da região, o que prova que temos um conjunto enorme de marcas, algumas com bastante notoriedade. Temos que promover a região e a diversidade dos azeites aqui produzidos”., apontou Francisco Pavão.
Este azeite diferenciado é um produto, enfatiza Francisco Pavão, “que não é para fritar ou refogar” mas “para finalizar pratos”. “Se estamos disponíveis para pagar um bom azeite, uma garrafa a custar entre 15 a 20 euros, o custo por refeição é muito reduzido. Se olharmos para um produto de garrafão, não é diferenciado”, detalha o dirigente.
Francisco Pavão dá como exemplo o vinho na promoção dos territórios: “Temos que ir beber inspiração ao vinho e ver o que foi feito nos últimos 20 anos. Passou de um setor que vendia, sobretudo, a granel e que hoje em dia promove e valoriza os distintos territórios, de norte a sul do país e ilhas. Temos que começar a valorizar os azeites pela especificidade dos territórios onde são obtidos”.
O presidente da APPITAD admite que tudo isto exige “muito trabalho” e também “um esforço de união da região”. “Precisámos de sinergias com outros produtos. Porque é das regiões do país com mais produtos qualificados com Denominação de Original Protegida (DOP) e Indicação Geográfica Protegida (IGP), afirmou à Lusa.
Para o dirigente, este pode ser o futuro para “os pequenos territórios”, que não conseguem “competir por volume”, muito por culpa, considera Francisco Pavão, da falta de estruturas para armazenar água na região, cuja agricultura é ainda essencialmente de sequeiro.
“Ainda no outro dia me perguntavam ‘então e esta chuva o que é que vai fazer?’. A água vamos perdê-la para os rios e vai toda parar ao mar. Hoje em dia, o regadio é um dos mecanismos de mitigação das alterações climáticas, para aumentar a resiliência”, disse, considerando que é preciso pensar “urgentemente” num plano estratégico.
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