Na habitação como na saúde

O problema do acesso à compra ou arrendamento de casa ainda vai piorar antes de melhorar.

Com a economia a crescer e o emprego em máximos o país enfrenta essencialmente duas crises: a da habitação e a do acesso urgente ao Serviço Nacional de Saúde. Ambas críticas, por porem em causa a coesão social.

Têm na origem um fenómeno comum: um desfasamento brutal entre a procura e a oferta. A primeira, crescente, embate de frente com a incapacidade de aumentar de forma significativa a segunda.

Na saúde, o Governo aposta em concentrar os recursos para manter os serviços a funcionar, mesmo que em menor número e obrigando a longas deslocações. Na habitação não existe esse paliativo.

O problema do acesso à compra ou arrendamento de casa ainda vai piorar antes de melhorar. O índice de preços da habitação saltou 17,2% no segundo trimestre quando comparado com o ano anterior, continuando a crescer muito acima dos rendimentos das famílias.

O reconhecimento de que a solução é difícil e complexa é o facto de o Governo ter apresentado nas duas últimas semanas o segundo pacote de medidas para a habitação no espaço de dois anos. O primeiro incentivou sobretudo a procura por parte dos jovens, com isenções fiscais e a garantia pública, mas pouco ou nada conseguiu fazer para dinamizar a oferta.

Desta vez há uma medida para travar a procura: agravar o IMT na aquisição de imóveis por não residentes (exceto para emigrantes). O peso destes é diminuto e tem vindo a baixar (4,9% no segundo trimestre), mas o aumento do imposto, ainda por quantificar, pode ajudar a arrefecer o mercado.

A pedra de toque da política de choque do Governo é o incentivo à oferta, pública mas sobretudo privada, acenando com várias cenouras fiscais. O ministro das Infraestruturas e Habitação acredita que pode trazer para o mercado de arrendamento 45 mil casas. Para isso, pretende substituir o conceito de arrendamento acessível por arrendamento moderado, baixando o IRS cobrado nas rendas de 25% para 10%, desde que aquelas não excedam os 2.300 euros mensais e o contrato tenha um mínimo de três anos. O valor é justificado pela necessidade de responder a cenários mais extremos, como uma família com três filhos à procura de uma casa em Lisboa.

A medida promete forte contestação à esquerda e acusações de que o Governo está a dar uma borla fiscal aos senhorios. Acontece que o Programa de Arrendamento Acessível lançado pelo PS teve pouquíssima adesão, justamente porque o limite para o valor das rendas era tão baixo que não compensava a vantagem fiscal.

Com a fasquia mais elevada, há um elevadíssimo número de contratos que poderão encaixar no benefício fiscal. Outro incentivo é a isenção do pagamento de mais-valias se o dinheiro da venda de um imóvel for reinvestido noutro para arrendamento moderado.

A pretensão de Miguel Pinto Luz esbarra, no entanto, no principal obstáculo ao crescimento do arrendamento em Portugal: a falta de confiança criada pela volatilidade legislativa no setor.

Também não cria confiança o facto de as medidas agora anunciadas serem temporárias, vigorando até ao final da legislatura, havendo o risco de esta ser abreviada e o próximo Executivo decidir que, afinal, é necessário agravar a fiscalidade.

O pacote procura também incentivar a construção, com uma taxa de IVA de 6% para imóveis com um preço máximo de 648 mil euros ou destinados ao arrendamento com um limite de 2.300 euros. A que acrescem medidas de simplificação e remoção de barreiras burocráticas.

Há outro óbice à “política de choque” do Governo para a habitação. É que tratando-se de medidas fiscais, têm de passar pelo Parlamento, onde a coligação não tem maioria. O IVA de 6% para a construção não teve até hoje apoio parlamentar. As alterações ao licenciamento de projetos de construção também terão de ser aprovadas na Assembleia da República.

Luís Montenegro já tinha levantado o véu sobre o novo pacote no debate quinzenal e, perante a ausência de críticas, tirou sozinho a conclusão de que a oposição não se opõe às mesmas. Não é garantido que assim seja quando tiverem de ser votadas.

As crises na habitação e na saúde têm outra coisa em comum: nenhuma deles se consegue resolver no tempo de uma legislatura. Quer formar novos médicos quer construir casas demora anos.

O país vai ter de continuar a viver com ambas, sendo certo que quanto mais tarde se tomarem as medidas necessárias, mais elas vão perdurar, contribuindo, e muito, para desviar os eleitores dos partidos do centro.

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