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Greve paralisa Global Media. Trabalhadores exigem pagamento do salário em atraso e contestam intenção de despedir até 200 profissionais

Rafael Ascensão, Lusa,

A greve foi aprovada unanimemente pelas redações do Jornal de Notícias, TSF, O Jogo e Diário de Notícias. TSF não está a emitir noticiários e JN e DN não sairão para as bancas na quinta-feira.

O Global Media Group (GMG) enfrenta uma paralisação conjunta dos seus títulos esta quarta-feira, com os trabalhadores do JN, DN, TSF e Jogo a realizarem uma greve convocada depois de a administração anunciar que não sabia quando iria pagar os salários de dezembro — estando já em atraso o subsídio de Natal — os quais ainda se encontram por pagar. A TSF não está a emitir noticiários, o JN e o DN não estarão nas bancas quinta-feira e os sites dos órgãos de comunicação do grupo não estão a ser atualizados.

A decisão surgiu assim depois da administração do grupo ter comunicado que não sabia quando seria possível pagar os ordenados de dezembro, tendo ainda referido que a situação financeira do grupo é “extremamente grave”. Anteriormente a administração da Global Media avançou que queria rescindir com entre 150 a 200 trabalhadores do grupo.

Ao +M, Filipe Santa Bárbara, porta-voz da comissão de trabalhadores da TSF, referiu que até ao momento a adesão à greve é total e que assim se perspetiva que aconteça ao longo do dia de quarta-feira, nos diversos turnos.

Segundo o trabalhador da TSF, “em primeiro e urgentíssimo lugar” está o pagamento de todo o dinheiro que está em atraso — como o salário de dezembro, subsídio de natal ou de trabalho suplementar — sendo esse o “ponto essencial e mais urgente de todos”.

“Há muita gente que tem de pedir dinheiro emprestado para ir trabalhar, para comer e pagar as contas. E isto enquanto trabalham”.

Filipe Santa Bárbara.

Porta-voz da comissão de trabalhadores da TSF

Há muita gente que tem de pedir dinheiro emprestado para ir trabalhar, para comer e pagar as contas. E isto enquanto trabalham“, diz Filipe Santa Bárbara.

O porta-voz da comissão de trabalhadores da TSF defendeu que é preciso “pensar no modo como se podem fazer estas marcas”, e que no caso da estação onde trabalha, é “impossível fazer um processo informativo como da TSF com menos 30 pessoas” — número de trabalhadores que o acordo de rescisão prevê dispensar da estação — adiantando que no Natal já não houve noticiários de madrugada por falta de pessoas para a escala.

O que precisamos é que nos deixem trabalhar, fazendo jornalismo livre e sem ingerências“, referiu ainda, dizendo que “não cabe a um administrador, num país democrático, dizer qual vai ser o alinhamento de um programa, fazer perguntas sobre nada editorial, é isso que queremos”.

Nada disto faz sentido, mas nada disto faz sentido há muito tempo. E aí o atual CEO tem razão. Não se trata apenas da questão do Fundo [World Opportunity Fund]. Já é do que vem de trás“, diz o jornalista, referindo que “não sabemos se há dinheiro ou não há dinheiro”, até porque a comissão de trabalhadores já pediu as contas mas que ainda não teve acesso às mesmas.

Segundo adiantou Filipe Santa-Bárbara, até determinado momento havia uma “linha de diálogo aberta com a administração”, mas nas últimas semanas esta não tem respondido à comissão de trabalhadores sobre perspetivas futuras, pelo que “não temos informação efetiva e oficial dada aos trabalhadores quanto aos pagamentos e quanto a um possível despedimento coletivo“.

Valentina Marcelino, delegada sindical do Diário de Notícias (DN), reforça que foi essencialmente a falta de pagamento do subsídio de Natal e do salário de dezembro que levou os trabalhadores do jornal a avançar para a greve, que está a ter adesão total no jornal que conta com mais de 150 anos de história.

Isto num momento do DN em que a administração decidiu contratar jornalistas, uma nova direção, e prometeu investimento, tendo em conta que “no início de 2023 tínhamos uma ‘nanoredação’ com 20 pessoas no total para fazer o jornal diário e garantir o site”, número que “ainda assim” cresceu apenas para 33 pessoas, não estando nenhuma destas integradas num eventual despedimento coletivo, conforme foi prometido pela administração do grupo, diz a delegada sindical.

No entanto, o DN não deve sair para as bancas na quinta-feira, ou pelo menos “foi esse o compromisso que fizemos no online e no papel, e acreditamos que seja também o da direção”, refere Valentina Marcelino, adiantando que acredita não haja ninguém do jornal interessado no acordo de rescisão movido pela administração da Global Media, até porque o “desaconselhamos porque não é satisfatório para os trabalhadores“.

“Nunca falhámos ao jornal, embora com uma redação dizimada. Compete-lhes [à administração do grupo] garantir-nos as condições de trabalho para o continuarmos a fazer”.

Valentina Marcelino

Delegada sindical do Diário de Notícias

Nunca falhámos ao jornal, embora com uma redação dizimada. Compete-lhes [à administração do grupo] garantir-nos as condições de trabalho para o continuarmos a fazer“, diz ainda Valentina Marcelino ao +M, acrescentando que o diálogo tem sido possível mas que “ainda há muitas perguntas que continuam sem resposta, incluindo o grau de previsibilidade [para o futuro]”.

Recorde-se que a redação do JN já tinha realizado uma greve de dois dias no início de dezembro, o que levou a que o jornal não chegasse às bancas pela pela primeira vez em 135 anos de história. A TSF também realizou uma greve de 24 horas em setembro, tendo a estação desligado os seus microfones pela primeira vez em 35 anos.

A realização desta greve de 10 de janeiro – dia em que termina o prazo de adesão às rescisões voluntárias no Global Media Group – foi aprovada por unanimidade pelas redações do Jornal de Notícias, TSF, O Jogo e Diário de Notícias. “Somos imunes à básica estratégica de dividir para reinar. A luta de cada um de nós é a luta de todos. Estamos unidos na defesa dos nossos direitos, do jornalismo e da democracia”, referia-se no comunicado assinado pelos delegados sindicais Ivete Carneiro, Rita Salcedas, Maria Augusta Casaca, Ana Luísa Magalhães, Frederico Bártolo, Isaura Almeida e Valentina Marcelino.

No Porto, os trabalhadores concentram-se a partir das 9h30, junto à atual sede do Jornal de Notícias, e, a partir das 14h00, junto à histórica e simbólica sede do JN. De seguida, os trabalhadores seguem para a praça General Humberto Delgado, onde se vão concentrar em frente ao edifício da Câmara Municipal do Porto.

Já em Lisboa, os trabalhadores concentram-se a partir das 9h00 na escadaria da Assembleia da República, enquanto o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, com a tutela da Comunicação Social, presta esclarecimentos na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, a partir das 10h00. Após a saída do ministro, jornalistas, técnicos e demais trabalhadores deslocam-se para as Torres de Lisboa para se concentrarem e manifestarem, a partir das 14h00, junto à sede do GMG.

O Sindicato dos Jornalistas apelou à participação de todos os jornalistas no protesto, em solidariedade com os profissionais do grupo, entre as 14h00 e as 15h00 desta quarta-feira.

“Para que a sociedade civil, o poder político e as empresas de media nunca se esqueçam que sem jornalistas com condições dignas de trabalho não há liberdade de imprensa, o Sindicato dos Jornalistas apela a todos para que se juntem ao protesto da Global Media Group, que cumpre um dia de greve pela defesa dos postos de trabalho, do salário em dívida e do jornalismo”, lê-se no comunicado do SJ divulgado esta terça-feira.

Respondendo a este apelo, alguns membros das redações da SIC, RTP, Antena 1, Expresso, Jornal de Negócios e do Observador aderiram à greve de uma hora, segundo o jornal Público, assim como o Sul Informação, entre os jornais regionais. A agência Lusa também parou às 14h07.

“Perante as ameaças que pairam sobre muitos jornalistas portugueses – e que se têm agravado nos últimos tempos”, as direções de informação da RTP e da Antena 1 também vieram manifestar publicamente a sua preocupação e “solidarizam-se com os profissionais que veem o seu trabalho posto em causa ao mesmo tempo que se empobrece o pluralismo e a democracia”, lê-se num comunicado.

Esta terça-feira, José Paulo Fafe, CEO da Global Media, foi ouvido na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, onde garantiu que não se demitia e referiu que todas as decisões do grupo foram “aprovadas por unanimidade, sem que na comissão executiva conste nenhum voto contra ou mesmo abstenção”. A comissão executiva é formada por Felipe Nascimento, Paulo Lima de Carvalho e Marco Galinha.

Também na terça-feira, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, garantiu no parlamento, que a Segurança Social está preparada para acionar o fundo de garantia salarial para os trabalhadores do grupo Global Media, caso as empresas recorram ao mecanismo.

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