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De jornalista/comentador a cabeça de lista. Sebastião Bugalho dá machadada na credibilidade do jornalismo?

Carla Borges Ferreira,

"Espero é que duelo Marta Temido vs Sebastião Bugalho faça com que a abstenção baixe. Isso sim, será um grande serviço prestado aos portugueses", defende o diretor da CMTV e da NewsNow.

“Não é a política, não é, não é”, garantia em meados de abril ao ECO Magazine Sebastião Bugalho, quando em entrevista era perguntado ao agora cabeça de lista da AD para as eleições europeias se a sua paixão era a política. “A minha vocação é a história, é a vida pública. Há uma coisa que as pessoas não perceberam e posso explicar: Eu tenho muitos amigos políticos, passo férias com políticos, almoço e janto com políticos, dou colo aos filhos dos políticos, pronto. Mas as pessoas olhavam para esta minha proximidade ao mundo da política e achavam que tinha a ver com três razões, mais ou menos: Ambições jornalísticas, ele quer fontes, ambições políticas, ele quer lugares, ambições de poder, ele quer poder”.

Sebastião Bugalho dizia ver-se como jornalista. “Eu sou jornalista, faço entrevistas, faço opinião, se me pedires para escrever uma reportagem, eu escreveria. E se me desses uma notícia para fazer, eu ia fazer a notícia. A minha profissão é o jornalismo…”, garantia o candidato pelo CDS às legislativas de 2019, em que não foi eleito. “Mas, quer dizer, na Inglaterra, os políticos foram todos jornalistas e os jornalistas foram todos políticos“, prosseguia o até ontem comentador da SIC, jornalista com a carteira profissional número 7134, e cabeça de lista pela AD às europeias.

Paulo Portas será o caso mais mediático de um ex-líder partidário e ministro que começou por construir um percurso como jornalista. Mas não é caso único. Num país no qual o Presidente da República foi cofundador do Expresso e o seu segundo diretor – tendo “entrado” durante cerca de 15 anos pela casa dos portugueses, primeiro na TVI, depois na RTP1 e de 2010 a 2015 novamente na TVI – ou onde o jornalista do Jornal de Notícias e ex-presidente do Sindicato de Jornalistas Alfredo Maia ocupa uma cadeira na Assembleia da República como deputado do Partido Comunista, os casos de comentadores que saltaram dos ecrãs para a política não são propriamente difíceis de encontrar.

Basta pensar, nos últimos anos, no antigo ministro da Cultura, então com a pasta dos media, Pedro Adão e Silva, comentador na RTP, na TSF e na Sport TV e autor de opinião no Expresso e Record, ou de André Ventura, líder do Chega, que ganhou notoriedade como comentador desportivo na CMTV, onde permaneceu de 2014 a 2020, ano no qual dispensado pelo canal.

Filho de jornalistas, Sebastião Bugalho iniciou-se no jornalismo no I e no Sol, foi comentador da TVI24 e depois na CNN Portugal, até que em agosto trocou o canal da Media Capital pela SIC e pelo Expresso. O cabeça de lista da AD, lia-se na altura, terá anunciado a saída do canal com efeitos imediatos, não participando desde logo no Crossfire, com Joana Amaral Dias… agora cabeça de lista do ADN às europeias. Segunda-feira, também foi com “efeitos imediatos” que se deu a saída da Impresa.

“Mas para quê, Sebastião? Um comentador com a tua relevância saltar diretamente de um estúdio de televisão para cabeça de lista da AD mina a relação dos portugueses com o jornalismo. É enganar os espetadores. É enganar todos nós“, escrevia na noite de segunda-feira no Público João Miguel Tavares, após ser conhecido o nome de Sebastião Bugalho como cabeça de lista da AD às próximas eleições.

Carlos Rodrigues, diretor do CMTV e do NewsNow, o novo canal da Medialivre, apresenta uma posição contrária. “Os espectadores e eleitores são muito mais inteligentes do que as pessoas pensam e sabem distinguir as coisas“, diz ao +M, apontando até algum “paternalismo ideológico de quem analisa os fenómenos” desta forma.

Amigo de Sebastião Bugalho, e feita a declaração de interesses, Carlos Rodrigues vê a escolha do jornalista e comentador como “uma jogada ousada do líder do PSD, mas que pode ser bem-sucedida“. “Até pela surpresa, vai atrair muita gente para as europeias”, diz.

O diretor editorial da Medialivre ressalva que Sebastião Bugalho, apesar do mediatismo, tem feito comentário sobretudo nos canais de informação, pelo que a “sua notoriedade ainda não é a que deve ser”, cabendo a Luís Montenegro apoiá-lo na campanha.

“É jovem, uma surpresa, tem densidade intelectual e discursiva. É uma boa notícia para a política”, resume, não a vendo com implicações negativas no jornalismo. “Altera é os pressupostos da política, oficializa uma certa dose de espetacularização, abre uma nova era”, defende, apontado a assunção de que num político já não basta a densidade, mas é essencial capacidade mediática. “Basta pensarmos nos debates, é uma nova era, no fenómeno televisivo e político“, resume.

“É uma decisão que não me deixa contente, mas que compreendo“, diz por seu turno Ricardo Costa, diretor-geral de informação da Impresa, dona da SIC e do Expresso. “Houve um convite, entendeu aceitá-lo”, comenta com o +M, explicando que a SIC foi informada a 10 minutos do início da reunião da comissão permanente e política do PSD, na qual o nome de Sebastião Bugalho foi apresentado.

Não é a primeira nem a única decisão desta natureza a que assisto“, prossegue Ricardo Costa, lembrando que em 2023 a estação que lidera perdeu Mariana Mortágua para líder do Bloco de Esquerda (BE) e Pedro Nuno Santos – que tinha iniciado recentemente o seu espaço de comentário – para líder do PS.

Já este ano, para além de Sebastião Bugalho, também Catarina Martins saltou dos ecrãs da SIC Notícias para cabeça de lista do BE às europeias. “Somos fornecedores de cabeças de lista”, aligeira. “Apostamos em pessoas que têm capacidade mediática, política e, no caso do Sebastião, também jornalística, é o que isto quer dizer”, aponta, reforçando que a estação que dirige sempre teve painel variado de comentadores. “O mais importante é o talento e qualidades de cada um”, acrescenta, reiterando que Sebastião Bugalho “foi uma escolha correta e que funcionou em pleno“.

Percebo que o tema seja discutido no espaço público e sobretudo político, mas não mina a relação [dos portugueses com o jornalismo]. O Sebastião Bugalho foi um comentador muito importante na altura do rebranding da SIC, e no período legislativo, mas a vida continua e a nossa estratégia não se altera com a sua saída”, conclui.

Avaliando também a cabeça de lista do PS, Marta Temido, como “muito bem conseguida”, Carlos Rodrigues reforça o separar de águas entre o jornalista/comentador e o candidato. “Espero é que duelo Marta Temido vs Sebastião Bugalho faça com que abstenção baixe. Isso sim, será um grande serviço prestado aos portugueses“.

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