Como se recuperam os fundos já pagos a Manuel Serrão?

Caso não seja possível recuperar os 30 milhões junto dos beneficiários terá de ser o Estado a repor as verbas em falta, o que pode ser significar o recurso a dinheiro público.

A ação de controlo da Agência para o Desenvolvimento & Coesão (AD&C) identificou situações de “apropriação indevida” de fundos europeus nos projetos investigados no âmbito da Operação Maestro, cujo principal mentor foi, segundo o Ministério Público, Manuel Serrão. As “insuficiências” de gestão vão obrigar à devolução de 30 milhões de euros de fundos europeus já pagos.

“O Governo tem uma posição de tolerância zero para a fraude. Impõe-se recuperar o dinheiro indevidamente recebido e sancionar os infratores”, disse o ministro Adjunto e da Coesão em comunicado esta terça-feira, dia em que o Tribunal de Contas Europeu publicou um relatório no qual identifica Portugal como o segundo país com mais erros no cumprimento das regras (não em casos de fraude) da aplicação dos fundos de Coesão.

Mas como se devolvem fundos já pagos?

O ECO falou com especialistas em fundos europeus para tentar responder à questão. O primeiro passo é abater a despesa associada a estes projetos considerada irregular à despesa que Portugal declarou à Comissão Europeia. Uma competência que cabe à autoridade de certificação que é a AD&C. Como a despesa já foi paga teria de ser descontada na transferência posterior de fundos da União Europeia para Portugal.

Mas este caso, em particular, tem uma dificuldade acrescida. Os incentivos foram atribuídos no âmbito do Portugal 2020, um quadro comunitário que já está em processo de encerramento e, segundo as autoridades nacionais, executado a 100%. Assim, os 30 milhões de euros terão se ser efetivamente ressarcidos.

É aí que entram as autoridades de gestão, às quais compete recuperar o valor de fundo irregular junto do beneficiário. Como sublinhava o comunicado do Ministério da Coesão, “Compete 2030, Norte 2030 e Lisboa 2030 devem desencadear todos os procedimentos adequados, conducentes à recuperação das despesas indevidamente objeto de apoio”. A designação é 2030 porque já está em vigor o novo quadro comunitário, com as respetivas autoridades de gestão.

Caso o dinheiro atribuído ao promotor não seja recuperado seria considerada uma ajuda de Estado irregular, por não ter obedecido a nenhuma base legal. Esta recuperação pode ser feita por duas vias.

Num primeiro momento o beneficiário é notificado para repor o dinheiro. Tem 30 dias para aceitar ou não, sendo que pode pagar a prestações, no prazo de um ano. Mas esta opção implica o pagamento de juros.

Se não aceitar, não responder ou reclamar da decisão, a autoridade de gestão pode requerer a correção por via de execução fiscal. E se o beneficiário não tiver património, chega-se às situações limite – mais por princípio da autoridade do Estado do que pela efetiva recuperação do dinheiro – de penhorar até um terço dos salários, reformas, penhorar carros, etc. Situações limite que, na verdade, não permitem que o Estado seja ressarcido, o que se traduz num prejuízo objetivo e material.

Essa poderá ser a hipótese mais provável no caso da Operação Maestro, porque quem acompanha este tipo de processo admite que a proficiência no uso indevido dos fundos europeus leva a crer que terá sido gizado também um cenário de crise, caso o alegado esquema fraudulento fosse descoberto.

Perante uma situação destas, Portugal poderia não executar o programa operacional na totalidade para encaixar estas verbas e o Estado não ter de injetar na AD&C o montante devido. No entanto, o Portugal 2020 é, há muito, dado como executado a 100%, por isso vai faltar dinheiro. Será o Estado que terá de avançar com esse dinheiro, havendo assim um prejuízo efetivo de dinheiro público.

Até 31 de julho deste ano, os beneficiários do PT2020 ainda podem apresentar pedidos de reembolso às autoridades de gestão, após as alterações introduzidas já por este Executivo para garantir a total execução das verbas comunitárias. Estas, por sua vez, ainda podem fazer verificações de gestão, validar despesas e pagá-las e, finalmente, endereçar o último pedido de pagamento à Comissão Europeia.

De acordo com as regras europeias, o encerramento final do PT2020 só acontecerá a 31 de maio de 2025 já depois da realização de auditorias e relatórios finais e será definida a taxa final de execução do Portugal 2020.

A última monitorização do PT2020 revela que, até março, foram transferidos 24.816 milhões de euros Comissão Europeia para Portugal. Ou seja, Portugal ainda poderia jogar com os últimos dois mil milhões que falta transferir. Mas como todos os PO estão executados a 100%, descontar os 30 milhões ao saldo final significaria que alguns projetos nesse valor não seriam financiados, o que não é possível porque Portugal é um Estado de Direito.

Por isso terá sempre de ser o Estado a repor as verbas em falta, ainda que isso não signifique que sejam necessariamente os contribuintes. Uma opção é usar os reembolsos de quadros comunitários anteriores ou, tendo em conta que já está a decorrer o Portugal 2030 com as respetivas transferências da Comissão, em nome do princípio da unidade de tesouraria, a AD&C poderia ir devolvendo a Bruxelas, ainda que, no final, o problema se manteria, ainda que talvez numa menor dimensão.

O ECO questionou oficialmente a AD&C sobre esta questão, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.

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