Da moda aos fundos europeus, o perfil dos “implicados” na rede empresarial de Manuel Serrão

Saiba quem são, de onde vieram e o que fazem os principais nomes referenciados na Operação Maestro, intersetados sobretudo na gestão de fundos comunitários e na indústria têxtil e alimentar do Norte.

Manuel Serrão, o “feirante têxtil” que andou ao colo de Pinto da Costa, está no epicentro da Operação Maestro, que esta semana levou à realização de 78 buscas em vários pontos do país, suspeito de ser o principal mentor do esquema de fraude nos fundos comunitários que terá lesado o Estado português em cerca de 40 milhões de euros.

Mas a investigação, iniciada há seis anos, implica direta ou indiretamente várias outras figuras ligadas à rede empresarial do líder da Associação Selectiva Moda (ASM). Saiba quem são, de onde vieram e o que fazem os principais nomes citados no mandado de buscas e qual o envolvimento alegado pelo Ministério Público (MP) neste processo.

António de Souza-Cardoso

Sobrinho-neto de Amadeo de Souza-Cardoso, foi diretor geral da ANJE – Associação Nacional de Jovens Empresários durante 18 anos, entre 1991 e 2009, tendo estado na origem da conceção e implementação do Portugal Fashion. Licenciado em Direito na Universidade Católica Portuguesa (Porto), onde mais tarde se especializou em Economia Europeia, é atualmente o acionista maioritário e CEO da Hop Consulting, que foi participada por duas sociedades (No More e No Less) ligadas a Manuel Serrão.

A consultora fundada em 1997, com escritórios no Porto, Lisboa, Braga e Bruxelas, tem na lista de serviços a prospeção de incentivos comunitários, a preparação de candidaturas e o acompanhamento da execução desses projetos. Segundo o Ministério Público, a Hop tem como beneficiária efetiva Maria Emília Genésio, esposa de Mário Vidal Genésio (ver abaixo), e na lista de funcionários a filha de ambos, Maria Laura.

Outro cruzamento com as atividades de Serrão, nomeadamente como cliente da ASM ou da agência No More, de quem António de Souza-Cardoso foi consultor estratégico, é a AGAVI – Associação para a Promoção e Apoio da Gastronomia, Vinhos, Produtos Regionais e Biodiversidade. O empresário benfiquista tomou posse em janeiro para um novo mandato como presidente até 2028 – Luís Miguel Ribeiro (AEP) lidera a Mesa da Assembleia Geral – nesta organização que se apresenta como “ponto de encontro e interação entre diferentes parceiros e agentes económicos, visando contribuir para um maior dinamismo do setor agroalimentar”.

Antigo vice-presidente da Magellan, com escritório no Porto e em Bruxelas para ações de representação e advocacy ligando clientes nacionais às instituições europeias, dirigiu o curso de Gestão de Recursos Humanos da Universidade Lusíada e foi presidente do movimento monárquico Causa Real, que chegou a apresentar petições no Parlamento para retirar referências à República da Constituição.

É cronista do Observador – o último texto foi publicado a 20 de fevereiro e visou o Chega com o título “Direita sem (A)Venturas” – e tem dois livros editados: “Contos Consentidos” (2012); e “Por amor de Deus” (2014), que Rui Zink, coparticipante com Serrão n’ A Noite da Má Língua, diz ser “um livro puro, como só os primeiros romances sabem ser”.

António Silva

António Manuel Branco Mendes da Silva é o elemento menos conhecido entre todos os que são citados no despacho do Ministério Público, mas é apontado pelos investigadores como um dos principais cúmplices de Manuel Serrão, a par de António de Souza-Cardoso. Para ocultar a proveniência ilícita do dinheiro obtido através de um complexo esquema de fraude de fundos europeus e de fuga ao fisco, o líder da ASM terá utilizado um conjunto de contas bancárias em nome de terceiros e de várias sociedades, algumas delas controladas por este empresário, que é cunhado de Manuel Serrão e que também foi alvo de buscas na terça-feira.

Um dos circuitos financeiros que terá sido utilizado foram contas bancárias controladas por António Silva, nomeadamente da sua mãe, que serviram para canalizar e branquear o dinheiro. No documento do Ministério Público são referidos valores que terão sido pagos à No Less, controlada por Serrão com a ajuda deste familiar que surge como acionista da empresa fundada em 2008 para promover eventos, fazer consultadoria empresarial, comunicação e publicidade.

Já na Nicles, empresa que antes teve a designação “Manuel Serrão – Sociedade de Consultadoria Lda”. e dedicada à organização e consultoria de feiras, exposições, congressos e representação de produtos e marcas, António Silva surge como o principal acionista (55%), seguido de Manuel Serrão (40%) e Carlos Pires da Silva (5%).

Mário Vidal Genésio

Nos alegados esquemas de fraude e de aproveitamento de fundos europeus de Manuel Serrão, em consórcio com António de Souza-Cardoso e António Silva, o MP alega que contaram com a “colaboração essencial de pessoas da sua confiança”. É o caso de Mário Vidal Genésio, que exerce funções na Hop Consulting e que a “gere de facto”, em colaboração com o presidente da AGAVI. Surge indiciado como o responsável pela gestão material das candidaturas apresentadas pela ASM – identificação, recolha, verificação, preenchimento e submissão de documentação relevante – e por assessorar Serrão e sua equipa na avaliação das candidaturas e na obtenção de cofinanciamento das despesas a apresentar no âmbito dos projetos.

Licenciado em Engenharia Civil e mestre em Estruturas de Engenharia pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), Mário Vidal Genésio partilha com vários dos envolvidos neste caso o exercício de funções na ANJE, tendo sido membro do Conselho de Gestão do organismo sediado no Porto e atualmente liderado por Alexandre Meireles. Foi professor universitário, responsável pela área de estudos e formação da Confogen e coordenou o gabinete de estudos da divisão de apoio técnico e tecnológico à indústria da Associação Industrial Portuense (atual AEP), para a qual Serrão foi contratado em 1986 para coordenar o lançamento da Exponor.

Outro ponto em comum com os visados é a participação no Jornal T, em que Manuel Serrão se assumia como o “maestro”. Num desses artigos, em 2021, escreveu sobre as oportunidades do PRR para as empresas, lembrando que, além das verbas para a capitalização, descarbonização, digitalização, formação ou apoio à inovação, poderiam “capitalizar os produtos e serviços que [conseguissem] fornecer ao setor público”.

Júlio Magalhães

Mais conhecido do grande público é o Júlio Magalhães, outra das “pessoas de confiança” que os investigadores alegam ter colaborado nestes esquemas com Manuel Serrão, a quem comprou a casa em Matosinhos Sul antes de o principal visado nesta operação ter feito do Hotel Sheraton, na zona da Boavista, residência permanente durante oito anos, paga com fundos europeus (372 mil euros).

Ora, o MP diz que o jornalista simulou serviços que não prestou a empresas controladas pelo responsável da ASM e que seriam o pagamento por ser testa-de-ferro de alguns dos seus negócios. Figura como acionista, sócio-gerente ou beneficiário efetivo em, pelo menos, duas empresas (No Trouble e House of Learning) que, na verdade, são geridas pelos três principais suspeitos.

Nascido na cidade Invicta em 1963, onde voltou no ano a seguir à revolução após passar toda a infância com os pais em Angola, Júlio Magalhães começou a carreira aos 16 anos na secção de Desporto do extinto jornal O Comércio do Porto, onde teve Manuel Serrão como editor. Em quatro décadas na profissão passou por vários títulos, mas notabilizou-se como pivô na televisão. Trabalha atualmente na Rádio Observador e na Media Capital (TVI e CNN Portugal), onde tinha regressado em 2021 depois de quase uma década como diretor-geral do Porto Canal. Escreve ainda artigos para o Jornal T, que os investigadores dizem ser pagos com recurso a um “saco azul” recheado de verbas da União Europeia.

Gilda Mendes

Foi precisamente nesta publicação especializada na indústria têxtil e do vestuário que Júlio Magalhães assinou um perfil de Gilda Alexandra Cerqueira Mendes, em que salientava a sua passagem pelo Portugal Fashion – foi project manager deste evento de moda entre 1998 e 2006 –, o facto de ter sido uma das fundadoras da “inovadora” concept store Muuda – espaço aberto na Rua do Rosário e integrado no circuito cultural de Miguel Bombarda, no Porto, que fechou portas em 2015 – e o seu gosto pela “boa mesa e bons vinhos” e o sonho de “poder viajar sem parar”.

Formada pela Escola Superior de Jornalismo do Porto, Gilda Mendes, que no tempo em que passou pela ANJE coordenou também outros projetos especiais, como os “Sabores de Portugal”, é desde outubro de 2008 a CEO da agência matosinhense No More, dedicada à promoção e produção de eventos, branding, ativação de marca, consultoria de comunicação, assessoria de imprensa e relações públicas. Pela lista de clientes já passaram a própria ASM, a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), a Exponor, a AEP, o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) ou o Porto Canal, além das autarquias de Matosinhos, Vila Nova Gaia, Aveiro ou Bragança.

“A nossa realidade e a da têxtil têm toda a ligação facilitada”, reconheceu Gilda Mendes, num artigo jornal T. Mas o Ministério Público desconfia de uma ligação mais fraudulenta do que aquela a que a gestora de 51 anos se queria referir. A agência é detida pela No Less, que faturou 1,4 milhões de euros em 2022, e ela surge formalmente como administradora única. No entanto, os investigadores revelam indícios de que “a gerência de facto [da empresa], nomeadamente ao nível financeiro, em sede de emissão de faturação e pagamentos, é também assegurada por Manuel Serrão, com a colaboração de Gilda Mendes”.

João Costa

Embora Manuel Serrão seja “o único decisor da gestão diária e financeira da ASM, instruindo e dirigindo a atuação das colaboradoras, determinando os pagamentos às entidades fornecedoras, designadamente no âmbito de projetos cofinanciados”, formalmente ele é “apenas” vogal da direção. No papel, pelo menos, o presidente da direção é o famalicense João Costa, que tal como Paulo Vaz (ver em baixo), outro membro da direção e amigo de Serrão, “subscreveram os termos de aceitação das operações em que aquela associação figura como promotora”.

Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) dois anos após ter concluído em 1982 o curso de Solicitador, tornou-se conhecido no meio empresarial nortenho sobretudo pelo seu percurso associativo. Entre outros cargos, entre 2000 e 2003 foi membro da direção da APIM – Associação Portuguesa da Indústria de Malhas, que desapareceu por fusão na atual ATP, de que se tornou vice-presidente até 2008 e depois presidente até 2016.

João Costa acabou por passar o testemunho a Paulo Melo (grupo Somelos), que depois em 2019 o entregou a Mário Jorge Machado (em representação da Adalberto Estampados). Reeleito em 2022, ainda ocupa o cargo de responsável máximo dos industriais têxteis e é agora citado pelo MP por liderar esta associação que, nos projetos conjuntos titulados pela ASM, “figurou sempre como entidade promotora líder, sendo copromotora em cada uma das candidaturas”.

Em termos de percurso profissional, o atual membro do conselho consultivo da ATP e administrador da Modatex (centro profissional do setor) fez os primeiros dez anos de carreira na Companhia de Seguros Bonança e teve uma breve passagem pela direção administrativa e financeira dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento da Póvoa de Varzim. Até que em 1986 torna-se empresário ao fundar a Romatex, uma indústria de malhas para vestuário sediada em Barcelos. Em 2008 vende a empresa ao vizinho Manuel Ferreira, dono da Mercomalha.

Foi no início de 2010 que João Costa voltou a ser “patrão” no setor que liderava, ao ficar com uma posição acionista de 10,2% na Red Oak depois de participar no aumento de capital, na altura de 1,7 para 4,9 milhões de euros, operado por esta empresa que tinha sido criada dois anos antes. Porém, a experiência foi breve. A marca de vestuário, que chegou a ter 18 lojas espalhadas pelo país, acabou por falir em 2014 com dívidas da ordem dos 10 milhões de euros, com o também falido Banco Espírito Santo (BES) como maior credor, seguido pelo Estado (Fisco e Segurança Social).

Percebo que isto seja suscetível de gerar dúvidas para quem faça algum tipo de investigação ou queira validar a utilização dos fundos públicos, nacionais ou comunitários.

João Costa

Presidente da Associação Selectiva Moda e ex-líder da ATP

Em declarações ao ECO na manhã em que a Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ estava a conduzir as buscas por todo o país e que passaram também pela sede do Compete, João Costa mostrou-se “surpreendido” com a operação e garantiu que a atribuição dos apoios às empresas “sempre foi transparente”. Ainda assim, o presidente da ASM disse “[perceber] que isto seja suscetível de gerar dúvidas para quem faça algum tipo de investigação ou queira validar a utilização dos fundos públicos, nacionais ou comunitários”.

“Com tantas feiras anuais e com tantas empresas a participar, ao longo de tantos anos e com situações que não são facilmente definíveis em termos de limites – o que é cada operação, o que representa, o que custa, depois quem fornece os serviços –, percebo que os contornos em torno destas realizações não sejam assim tão fáceis de perceber para quem tem de fazer a análise de qualquer situação no que respeita à utilização de incentivos”, resumiu o empresário de Famalicão, que também foi membro da direção e do Conselho Geral da CIP entre 2011 e 2017.

Paulo Vaz

O outro membro da direção da ASM que “subscreveu os termos de aceitação das operações” promovidas por Manuel Serrão trabalha atualmente na Associação Empresarial de Portugal (AEP) – o edifício de serviços deste organismo patronal, onde funciona a redação do Jornal T também foi alvo de buscas na terça-feira. Chama-se Paulo Vaz e é administrador da AEP, tendo a cargo as áreas de negócios, internacionalização, competitividade, inovação e formação. O mandado de buscas refere que a associação com sede em Leça da Palmeira (Matosinhos), “de cujo conselho de administração é membro executivo, figura, em simultâneo, como uma das principais clientes e fornecedoras da No Less, importando apurar os circuitos de faturação entre aquelas”.

Natural de Bragança, onde nasceu a 7 de março de 1962, Paulo Vaz é um histórico dirigente da indústria portuguesa do têxtil e do vestuário. Saiu da ATP em janeiro de 2020, ao fim de quase 32 anos ligado ao setor. Ocupou o cargo de diretor-geral desde a criação da ATP em 2003, por fusão da APT e da APIM (malha e confeção), a que pertencia. Numa nota divulgada nessa altura, assinalou que se tratava de “uma separação amigável, a ponto de continuar a prosseguir a colaboração como consultor externo, enquanto a associação e quem a dirige entenderem ser útil”.

Tal como Manuel Serrão, é formado em Direito pela Universidade Católica e no início da vida profissional também foi jornalista (O Primeiro de Janeiro) e produtor de televisão (RTP Porto). Entra em 1986 no setor têxtil, onde foi administrador da Têxtil Nortenha e do grupo Mindelo. Casado e pai de duas filhas, este portista não resiste a um prato de alheira com arroz branco e grelos e tem a pintura e as antiguidades como paixões. É professor convidado da Universidade Lusófona, cônsul honorário da Roménia no Porto e Norte de Portugal, e Cavaleiro da Orden del Camino de Santiago (Espanha). Foi fundador e editor do Jornal T e também vice-presidente da AGAVI, que é ainda liderada por António de Souza-Cardoso.

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