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A tentar que a Volkswagen volte a ser uma love brand, Filipe Moreira, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

Amante de bateria e de marcenaria, Filipe Moreira define-se como uma uma pessoa "muito dedicada à família". Diretor de marketing da Volkswagen, quer que a marca volte a ser uma love brand.

Com 50 anos, Filipe Moreira, diretor de marketing da Volkswagen Portugal, nasceu no mesmo ano do Volkswagen Golf, um dos modelos mais icónicos da marca automóvel alemã. Em meia década, o modelo vendeu cerca de 37 milhões de unidades, sendo neste momento o terceiro carro mais vendido no mundo em toda a história do mercado automóvel.

É só por si uma marca dentro da própria marca“, observa em conversa com o +M Filipe Moreira, diretor de marketing que tenta, também segundo as diretrizes da marca mãe, que a Volkswagen volte a ser uma love brand.

Com o fecho de fábricas na Alemanha e na China em cima da mesa, Filipe Moreira explica que a comunicação não é afetada por este cenário menos positivo. “Continuamos a manter o ritmo de lançamentos que pretendemos, nos timmings que estão definidos. Não há nenhuma relação com a comunicação. Em termos estratégicos mantemos exatamente a mesma linha. Não temos aqui nada que tenhamos de fazer de diferente em relação aos últimos dois anos em que se definiu esta estratégia de comunicação [de voltar a ser uma love brand] para a marca”, afirma.

De forma a celebrar o meio século de vida do Golf, a Volkswagen lançou um novo modelo, que é um “motivo de orgulho”. O carro foi lançado em julho e acompanhado por uma estratégia de comunicação que incluiu uma campanha que, em 60 segundos, percorre “a história daquilo que é o Golf”, desde 1974 até 2024.

Não temos feito muita comunicação do Golf porque há outras prioridades, mas sempre que fazemos alguma comunicação, mesmo que seja em digital, notamos um boom brutal. E isso é paradigmático quando olhamos para aquilo que são as visitas ao nosso website. Temos cerca de 150 mil pessoas a visitar mensalmente o nosso site e muita gente a fazer configurações de Golf. Mesmo não havendo comunicação específica para Golf, temos tido esse capital”, revela o diretor de marketing.

Mas a verdade é que as tendências de mercado acabam por ditar aquilo que são os ciclos de vida dos automóveis, sendo que a tendência de mercado tem recaído sobre os SUV, o que “acaba por descapitalizar um pouco a imagem do Golf”, entende Filipe Moreira, avançando que “existe a possibilidade de, eventualmente, este ser o último Golf” a ser produzido, “pelo menos na forma como o conhecemos até hoje”.

Em termos de comunicação, a estratégia da Volkswagen passa, desde 2023, por voltar a tentar ser uma “love brand”, desde logo por ser uma marca com muitos anos de mercado, mas também por ser responsável pelo lançamento de ícones de vendas, como o carocha (VW Typ 1), o pão de forma (VW Kombi) ou o Golf, explica Filipe Moreira.

Tivemos momentos mais complicados no passado, em termos estruturais, e temos vindo a recuperar desses momentos. O que perspetivamos é voltar a ser essa love brand que tem todo um conjunto de preceitos associados para voltar a ser uma marca emocional, mais autêntica, humana, apaixonada e apelativa e, de certa forma, voltar a ganhar a confiança dos nossos clientes e consumidores“, explica Filipe Moreira.

Em Portugal, a Volkswagen segue as “guidelines” de comunicação da própria marca na Alemanha. “No entanto, naturalmente, temos a possibilidade de adaptar toda esta comunicação ao nosso mercado e fazemo-lo com alguma regularidade, até porque temos aqui algumas condicionantes, no que respeita a legislação, que nos impedem muitas vezes de utilizar a comunicação que nos é fornecida através da Volkswagen na Alemanha”, refere o diretor de marketing.

Um exemplo passa pela necessidade de adaptação dos spots que vêm da Alemanha e que apresentam crianças, uma vez que “em Portugal não se podem utilizar crianças como personagens principais de uma comunicação, a partir do momento em que o produto não lhes é destinado”, explica.

“O nosso trabalho tem passado por tentar contornar estas dificuldades, e aproveitar o que temos e conseguir adaptar a nossa comunicação àquilo que são estas condicionantes e contingências da nossa legislação”, detalha Filipe Moreira, que lidera uma equipa composta por mais três pessoas.

Em Portugal, o território da Volkswagen tem passado também por uma aposta “muito concreta” no território da música, tendo vindo a marcar presença no festival Festas do Mar, em Cascais, onde a marca automóvel figura como o main sponsor. Foi aí, este ano, que a marca escolheu precisamente dar a conhecer o seu novo Golf, porventura o último.

Quanto às notícias sobre o encerramento de fábricas do grupo automóvel, Filipe Moreira esclarece que este é um processo “normal” na restruturação de um grande grupo: “Chegou-se a um ponto em que é preciso definir estratégias e cortar algumas eventuais ‘gorduras’ que possam estar na estrutura”, diz.

As fábricas que vão encerrar são de menor dimensão – “o que é sempre um problema, porque são postos de trabalho que estão em risco” – mas, comparativamente com o que é a globalidade do grupo, representam uma pequena escala, detalha. O diretor de marketing esclarece ainda que a Autoeuropa Portugal é uma unidade de produção independente e que esta restruturação feita a nível internacional não tem qualquer tipo de impacto no país.

“Continuamos em Portugal como Volkswagen Autoeuropa, que é uma das fábricas mais importantes da Volkswagen a nível internacional e uma das mais reconhecidas, e por isso parece-me que em Portugal estamos perfeitamente tranquilos no que respeita a esta matéria“, afirma.

A comunicação e o marketing, nem sempre foram uma certeza na vida de Filipe Moreira, tendo surgido numa altura da sua vida em que este andava “um pouco perdido”. Enquanto tirava a licenciatura em Gestão de Empresas, Filipe Moreira não sabia efetivamente que rumo queria dar à sua vida profissional. Foi só no quarto ano da licenciatura (pré-Bolonha, ou seja, de cinco anos), quando teve uma cadeira de marketing — “o marketing da altura não era o marketing de hoje” –, que aquelas “matérias novas” o atraíram e despertaram a atenção “mais do que todas as outras cadeiras do curso”.

Quando terminou a faculdade, ficou claro que era um percurso profissional ligado ao marketing aquele que queria seguir. Mas “as coisas nem sempre acontecem como se gostaria”, pelo que, pese embora a “felicidade” de um mês depois de ter acabado os estudos já estar no mercado de trabalho, Filipe Moreira não estava a fazer o que gostaria.

Depois de iniciar a sua carreira na Mafre, passou por outra empresa também ligada à área seguradora — a AdvanceCare — ainda sem ser no marketing. Ciente do que queria fazer, e de forma a especializar-se na área, fez uma pós-graduação em Marketing e isso foi um “ponto de viragem“, porque teve a oportunidade de conhecer algumas pessoas do mercado.

Foi, na verdade, através de um colega do curso de pós-graduação que teve a oportunidade de entrar numa empresa em 2002 — a Würth — onde esteve durante dois anos como gestor de produtos.

“Foi a minha primeira experiência profissional a nível de marketing e acho que foi efetivamente ali que comecei a trabalhar à séria. Isto porque o trabalho era muito exigente. A função de gestor de produto permitiu-me conhecer aquilo que era o mercado e não estar só sentado a uma secretária, até porque por uma questão de estratégia e de cultura da empresa, tinha que ir todos os meses visitar clientes. E não há melhor forma de perceber o mercado do que indo ter com os clientes e perceber quais são as suas necessidades, preocupações e dificuldades”, explica.

Em 2004, achou que estava na altura de constituir família mas o trabalho “exigente” na Würth dificultava essa ambição, o que o motivou a procurar outro desafio. Foi nessa altura que teve a oportunidade de ingressar na SIVA-PHS (importadora e distribuidora em Portugal das marcas do grupo Volkswagen) como responsável de uma das áreas de pós-venda de peças e acessórios. Depois de ter também desempenhado a função de sales manager da Volkswagen entre 2014 e 2021, assumiu então a direção de marketing da marca, função que mantém até hoje.

A viver em Mafra – que é para si “o melhor lugar do mundo” e onde pode desfrutar do campo e da praia, que privilegia – Filipe Moreira é casado há 22 anos e tem uma filha de 18, que entrou este ano para a universidade. Trata-se novidade familiar e de “alteração de vida”, considerando-se Filipe Moreira um “pai muito presente” e uma pessoa “muito dedicada à família”, pois “só assim faz sentido”.

Amante de música e utilizador do Spotify em boa parte do seu — seja em momentos de trabalho que requerem maior concentração ou nas viagens de carro que faz entre Mafra e Azambuja –, na sua playlist não falta o heavy metal, género musical que começou a ouvir aos 15 anos.

Atrás da paixão pela música surgiu outra, pela bateria, que se definiu muito cedo. É que o seu pai trabalhou nos antigos estúdios da RTP, no Lumiar (Lisboa), e enquanto frequentou a primária, Filipe Moreira, depois da escola, assistia à gravação dos programas, que contavam na sua maior parte com música ao vivo.

“Ficava completamente fascinado a olhar, não tanto para o que estava a acontecer no estúdio, mas para a bateria, e sempre tive aquele bichinho de um dia querer ter uma bateria e saber tocar”, diz. Mas foi só aos 36 anos, já numa moradia em Mafra, que comprou uma bateria e começou a tocar, hobbie que o tem acompanhado até hoje e que consiste num “excelente antistress muito libertador”.

Graças a um workshop que fez durante a pandemia descobriu também uma outra paixão, a da marcenaria. Hoje em dia faz alguns trabalhos na pequena oficina que tem na garagem, um hobbie que gosta de encarar como “herança”, ou não tivesse o seu próprio avô sido marceneiro.

Filipe Moreira, em discurso direto

1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?

A nível nacional considero que a campanha “Tou xim”, da Telecel, foi um marco na história da publicidade em Portugal. Estávamos em 1995 e a campanha teve uma notoriedade incrível, sendo que ainda hoje é recordada por muitos. Uma ideia aparentemente simples, com um copy curtíssimo e com impacto extraordinário. Foi de facto, brilhante!

A nível internacional não posso deixar de mencionar a campanha de 2024 do Volkswagen Golf, que celebra, simultaneamente, um novo modelo e os 50 anos de vida. A campanha incorpora todos os valores da marca, com principal foco na sua universalidade, humanidade, tradição, herança e também evolução e inovação. O storytelling baseia-se naquilo que poderia ser a história de qualquer um de nós, com a “vida” do Golf ao longo das suas oito gerações e que acompanha uma família ao longo de 3 gerações. O claim “Feito pela vida. Feito para vida” traduz precisamente a iconicidade do Golf. Não fui eu quem a aprovou mas tive o privilégio de a trabalhar para o nosso mercado.

2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?

Eu diria que existem várias decisões difíceis com as quais nos podemos deparar. Declinar uma proposta criativa que teria tudo para ser um enorme sucesso mas que poderia correr o risco de alterar a estratégia e posicionamento da marca. No mesmo sentido, e com a mesma proposta criativa de exceção, ter de a declinar por limitação de budget.

3 – No (seu) top of mind está sempre?

Acima de tudo a família. Profissionalmente, é fundamental acompanhar se a nossa estratégia de produto e comunicação está ter impacto no mercado, que por sua vez se traduz na performance de vendas.

4 – O briefing ideal deve…

Curto, objetivo e exequível. Tal como esta resposta.

5 – E a agência ideal é aquela que…

Conhece bem a essência da marca, a sua missão, visão e valores assim como o mercado onde se insere e que está alinhada com a sua estratégia. É a que tem a flexibilidade necessária para se adaptar a potenciais alterações de plano por parte do cliente. É a que aceita desafios e também desafia o próprio cliente a crescer. É a que entrega o “extra mile” quando o cliente não está à espera. E como as agências são feitas de pessoas, é fundamental que exista uma relação de empatia e cumplicidade entre ambas as partes.

6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Creio que depende muito do mercado onde a marca se movimenta. Existem mercados mais progressistas onde a margem de manobra para arriscar é enorme e outros mais conservadores onde o espaço para arriscar pode ser mínimo.

No mercado automóvel, onde nos inserimos, sou da opinião que a estratégia passa por um equilíbrio entre ambos. Cada vez mais vivemos em tempos de mercados dinâmicos em que os targets mais jovens não reagem da mesma forma à publicidade que os targets mais experientes, pelo que se jogarmos sempre pelo seguro corremos o risco da “fórmula” usada já não ser eficaz nem para uns nem para outros. Por outro lado, já tivemos campanhas disruptivas e que não foram bem recebidas pelo mercado. Acredito que arriscar é uma forma de evoluir e aos poucos vamos experimentando novas “fórmulas”. É este equilíbrio que procuramos, sempre tendo como linha orientadora a estratégia e posicionamento da marca.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Diria que a probabilidade de me sair o “Euromilhões” seria maior. Em 99,99% das organizações seria utópico falar em orçamentos ilimitados. Sou da opinião que temos sempre de ter um objetivo que rege a nossa atividade. A definição de um budget, independentemente da sua dimensão, cria foco e evita a dispersão. No entanto, se tivesse um budget mais generoso, avançava com campanhas fantásticas que já tive de declinar, desenvolveria mais conteúdos locais que têm uma excelente aceitação no nosso mercado, e acima de tudo um bom conjunto de ativações, que estão em standby, para que possamos estar mais próximos dos nossos clientes, potenciando notoriedade da marca.

8 – A publicidade em Portugal, numa frase?

Em constante evolução. Temos excelentes criativos, mas temos a eterna questão da economia de escala e limitações orçamentais que muitas das vezes não permitem dar vida às muitas das boas ideias que por cá surgem.

9 – Construção de marca é?

É um longo caminho de definição da missão, visão, valores e estratégias, passando pela identidade e posicionamento no mercado, garantindo uma consistência e coerência das suas ações, gerando reputação e assegurando a confiança dos seus clientes.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?

Desde os 21 anos que sabia o que queria fazer na vida. Tenho o privilégio de ter conseguido concretizar esse objetivo, mas caso assim não fosse talvez tivesse sido arquiteto. Tenho o fascínio pela arquitetura contemporânea, onde cada linha de um projeto pode ter um propósito específico, a descoberta de novos materiais e como as evoluções tecnológicas ajudam a garantir a sustentabilidade dos projetos. É fantástico como a partir de simples traços num papel nascem obras estupendas.

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