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A liderar o marketing do Aldi com a ajuda de duas mascotes, Ricardo Santos, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

Após mais de uma década em agências de meios - que lhe deram uma "visão alargada" - Ricardo Santos assumiu o marketing do Aldi no final de 2019, altura "muito interessante" para o grupo.

O recurso a duas mascotes – de nome Al e Di – foi uma das formas que o Aldi encontrou para se destacar em termos de comunicação, num setor competitivo como é o do retalho, diz Ricardo Santos, managing director marketing & communication do Aldi.

“O Al e o Di nasceram como uma aposta de comunicação ibérica, surgindo em Portugal e Espanha ao mesmo tempo [nunca tinham sido lançados noutras geografias]. Tanto eu como a minha congénere de Espanha sabíamos que tínhamos aqui um bom potencial, mas que era algo novo no retalho – um retalhista assumir duas mascotes – pelo que não sabíamos como os consumidores iam absorver. A questão é que foram muito bem planeados, a decisão foi muito bem ponderada, assim como a forma como as mascotes comunicam os valores da marca, e isso fez com que conseguíssemos, de certa forma, conquistar e sobressair no meio da comunicação“, explica o responsável numa conversa com o +M.

No entanto, “o segredo acaba por ser a coerência“, entende. “Não é tanto a forma como nós comunicamos ou se temos uma campanha um pouco mais disruptiva ou criativa. É sermos coerentes naquilo que dizemos e mantermos uma identidade única. E isso penso que será uma aposta que o Aldi vai continuar a fazer. Vai manter a sua responsabilidade, o seu sentido de simplicidade e de estar ao lado das pessoas, tentando trazer aqui um ou outro apontamento que vá chamando mais a atenção”, refere.

A essência da marca passa também por ser o “verdadeiro discounter”, algo que “tem muito a ver com a forma de estar da Aldi e com o porquê de conseguir esses preços baixos”. Segundo Ricardo Santos, o ser discounter “não é mais do que uma eficiência e filosofia em termos de otimização de custos para conseguir ter sempre o preço mais baixo“. Isto é conseguido desde logo através do facto de 85% dos produtos serem de marca própria – otimizando os processos em toda a cadeia de valor e baixando os custos – mas também através de uma maior eficiência em todos os processos.

Um exemplo fácil de ser compreendido é que quando um cliente vai a uma loja Aldi costuma ver os produtos dentro de caixas, nas prateleiras. Tudo isso está pensado para ser o mais rápido possível e evitar que haja um maior tempo despendido. Temos caixas preparadas para um colaborador pegar na caixa, colocar na prateleira, abrir daquela forma específica, e estar pronto para o consumidor ter acesso aos artigos, não sendo preciso estar a colocar os produtos um a um, pois isso leva mais tempo, e mais tempo gera mais custos, e mais custos colocaria mais preço final”, explica.

A coerência, conforme referida por Ricardo Santos, é precisamente o que vai marcar o futuro da comunicação do Aldi, desde logo pela continuação da aposta nas mascotes Al e Di, que tem sido “uma aposta ganha”, pelo que “estes dois embaixadores vão continuar a aparecer”, explica Ricardo Santos.

“As duas mascotes entraram no mundo do consumidor português, têm tido uma ótima aceitação e vindo a conquistar o público português. E acaba por ser interessante, porque os dois têm perfis diferentes e esse balanço entre eles, com um discurso um bocadinho divertido e fun, acaba por ir conquistando as pessoas e dizendo de forma simples algumas mensagens importantes que temos para passar ao consumidor”, afirma.

A retalhista vai continuar também a apostar numa “comunicação gradual e constante” mantendo a mensagem de “preços sempre baixos”, na onda de outras campanhas que tem vindo a fazer como a do Stop IVA, Stop Inflação e Stop Stress.

“E isto não foi mais do que dizer às pessoas que nós estamos aqui para as apoiar nos momentos em que elas precisam. O nosso foco continuará sempre a ser esse. Ser o verdadeiro discounter, manter a qualidade e os preços baixos, e estar com as pessoas quando elas mais precisam”, acrescenta.

Na sua estratégia de marketing e comunicação, o Aldi trabalha com a Uzina (agência criativa), a Wavemaker (agência de meios), a Innovagency (agência digital) e a YoungNetwork Group (agência de comunicação).

Após uma licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, o percurso de Ricardo Santos começou a ser trilhado no setor das agências de meios, dentro do grupo Omnicom, onde trabalhou com algumas marcas de diversas áreas, como do retalho, telecomunicações, automóveis ou banca, até ter surgido a oportunidade de ingressar no Aldi, em 2019.

Ter trabalhado mais de uma década em agências trouxe-lhe a “vantagem de conseguir ter uma visão muito alargada de vários setores”. “No meu percurso trabalhei com clientes mais focados em performance e digital, outros em comunicação mais tradicional, marcas com mais concorrência e outras com menos, e portanto existiram vários desafios e marcas que fizeram com que crescesse e tivesse oportunidade de ter conhecimento de vários media, vários tipos de performance, e de estar up to date com tudo o que são alterações digitais“, explica.

“É uma constante mudança, e foi essa a base que me veio trazer. Não só o conhecimento de marcas, mas também a perspetiva e dinamismo do mercado e o contacto com os vários meios. Isso possibilitou que tivesse um elevado leque de conhecimento – tanto do lado dos media, como do lado das marcas – background que, ao vir trabalhar para o Aldi, acabou por facilitar algumas abordagens”, acrescenta.

A entrada na marca retalhista aconteceu numa “altura muito interessante para o grupo”, em que o grande objetivo em termos de marketing era aumentar a notoriedade. “Conseguimos não só esse feito – porque atualmente o awareness da marca é bastante interessante, comparativamente com essa altura – como temos continuado a fazer o nosso caminho“, refere o managing director marketing & communication.

“Conseguimos colocar pela primeira vez uma campanha nacional em televisão, o que na altura foi quase um achievement para a marca e que movimentou um pouco o meio interno e a cultura empresarial portuguesa, que percebeu que havia mais um retalhista e uma nova marca a aparecer. Atualmente já temos uma presença mais contínua e constante e já não há dúvida de quem é o Aldi, que retalhista é esta. É efetivamente uma nova marca conhecida e estamos a fazer o nosso caminho“, acrescenta.

Um dos episódios que o marcou no seu percurso aconteceu no início da pandemia, a propósito da iniciativa do Aldi em abrir num horário especial para pessoas de setores que estivessem na linha da frente, como saúde ou segurança. “De forma a comunicar essa iniciativa, optei por enviar uma mensagem às instituições de proteção civil nacionais, a indicar todas essas medidas e os novos horários, deixando o meu contacto para alguma dúvida que pudesse surgir”, começa por explicar Ricardo Santos.

“O que aconteceu foi que essa mensagem e o meu contacto foram passados a todas as instituições, pelo que durante uma semana o meu telemóvel ganhou vida. Cerca de 15 minutos depois de ter enviado a mensagem fui contactado por um polícia, sendo que de início me sobressaltei a pensar o que é que podia ter acontecido para ser contactado pela polícia. A partir daí, de cinco em cinco minutos, o meu telemóvel estava a tocar. Recebi também imensas mensagens, algumas delas muito interessantes e que ainda hoje guardo e que eram verdadeiros exemplos de vida”, relata.

A viver na fronteira entre o Lumiar e Alvalade há cerca de sete anos, Ricardo Santos separou-se há dois, pelo que partilha a guarda de “dois pequenos pestinhas” – um filho (de 11 anos) e uma filha (cinco). Antes de se estabelecer no centro de Lisboa, morou alguns anos na zona do Seixal. Já os tempos de infância e juventude foram vividos em Bucelas, no concelho de Loures, onde desfrutou de uma “infância tradicional dos anos 80/90″.

“Vivia numa zona onde toda a gente se conhecia e onde estávamos sempre na rua a andar de bicicleta e a jogar à bola. Não havia telemóveis, pegávamos na bicicleta de manhã e chegávamos ao final do dia, sem problemas nenhuns. E depois tinha uma ligação à zona da Beira Baixa – os meus pais são da zona da Sertã – onde ia também muitas vezes e onde acabava por ter também muito aquela vida de rua. Quem é da geração de 80 percebe essa vida de rua, de bicicleta, de chegar a casa com os joelhos esfolados e sem essa ligação aos smartphones”, diz.

No entanto, sublinha que não é “anti smartphone”. “Acho que a tecnologia e a evolução têm o seu lugar e as coisas evoluem. Da mesma maneira que os nossos pais diziam que não brincavam tanto como nós, agora nós dizemos que os nossos filhos só estão no telemóvel e que nós não tínhamos telemóvel. São evoluções naturais da sociedade, não sou um duro opositor dos ecrãs, acredito que tem sempre de haver um balanço, alinhado com a evolução da sociedade“, explica.

Mas, mesmo mais velho, a bicicleta e a bola que o acompanhavam em miúdo mantiveram-se presentes em fases mais avançadas da sua vida, uma vez que foi participando em grupos de BTT e de futebol. “Ou seja, sempre mantive uma presença no desporto e em grupos mas nunca numa vertente de competição“, diz.

Para lá disso, e das atividades que tenta proporcionar aos filhos, gosta de música, cinema e sair com os amigos. Em termos musicais destaca Pearl Jam e Nirvana como bandas que nunca largou, mas sente muita dificuldade em dizer qual o seu filme preferido, uma vez que se “produz muito bem”.

Para “descontrair e desligar do mundo profissional”, tem feito boxe. Não pratica “boxe de luta”, esclarece, mas frequenta uma academia que dá a possibilidade de “ir descarregar contra um saco”. “A vantagem é que ao misturarmos uma sequência de movimentos, com força e técnica, naquele momento conseguimos desligar completamente e não pensar em mais nada, e isso tem-me ajudado de certa forma a desligar um bocadinho para voltar no dia seguinte“, diz.

Ricardo Santos em discurso direto

1. Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?

A nível nacional, a campanha da Frize com o Pedro Tochas, “Tou que nem posso”, é um caso emblemático. Embora já tenham passado quase 20 anos, esta campanha inovou ao apostar num humorista e num anúncio pouco convencional para a época. O sucesso foi imediato, tanto em termos de reconhecimento como de vendas, e a expressão “Tou que nem posso” tornou-se parte do vocabulário quotidiano. Ainda hoje muitos recordam e utilizam essa expressão, o que demonstra o impacto duradouro desta campanha.
A nível internacional, a “campanha” que mais me marcou, pela sua história e pelo debate que gerou, foi uma não oficial da Adidas, intitulada “Break Free”. Criada por Eugen Merher, um jovem estudante de 26 anos, que, de forma espontânea, enviou o vídeo promocional à marca. Sem obter resposta, decidiu publicá-lo no YouTube, onde rapidamente se tornou viral. O vídeo conta a história de um idoso num lar que, ao ver os seus antigos ténis, sonha em voltar a correr livremente. Apesar dos esforços dos enfermeiros para o impedir, os seus companheiros ajudam-no a realizar o seu desejo. Este filme não só tocou profundamente o público pela sua mensagem de perseverança e liberdade, como também se destacou pela forma inusitada como surgiu e pelas discussões geradas sobre as diferentes interpretações possíveis da história.

2. Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?

A decisão mais desafiante para um marketeer não é necessariamente a mais difícil, mas sim aquela que sabemos que vai “agitar as águas”, especialmente no contexto de lançamento de uma campanha. Não a definiria como a mais difícil, mas sim como a que traz uma adrenalina única e que nos pode tirar o sono na véspera. Acredito que muitos marketeers já tenham passado por essa experiência. Quando temos nas mãos a responsabilidade da imagem de uma marca, estamos cientes de que essa decisão impacta não só a empresa e os colaboradores, mas também o futuro do negócio. Ao mesmo tempo, sabemos que uma marca precisa de seguir o seu propósito, destacar-se e conquistar um lugar na vida das pessoas. Para atingir esse objetivo, por vezes, é necessário sair da norma e quebrar com o tradicional. Essas decisões são sempre cuidadosamente ponderadas, com bases sólidas e uma mensagem na qual acreditamos profundamente. Contudo, são também aquelas que aceleram o coração nas horas que antecedem o lançamento, devido à incerteza do impacto que terão.

3. No seu top of mind está sempre?

Os consumidores. O foco deve estar inteiramente neles: nas suas necessidades, nos seus hábitos de consumo e nas mudanças sociais. Só ouvindo atentamente os consumidores é que podemos criar marcas que realmente façam a diferença nas suas vidas.

4. O briefing ideal deve…

Incluir alguns elementos essenciais: uma definição clara dos objetivos, a mensagem principal a transmitir, o período da campanha e um orçamento realista. Além disso, deve proporcionar espaço para a liberdade criativa. Em resumo, num bom briefing, os papéis precisam de estar bem definidos: o marketeer deve concentrar-se na estratégia, enquanto o criativo deve ter a liberdade para inovar e explorar novas ideias.

5. E a agência ideal é aquela que…

Compreende profundamente a marca com a qual trabalha, interessando-se não só pelos seus desafios, mas também pelas dinâmicas do mercado que influenciam a sua atividade. Uma agência que esteja atenta ao contexto e atue como um verdadeiro parceiro é capaz de identificar as mensagens mais relevantes e definir o caminho certo a seguir.

6. Em publicidade, é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Um bom marketeer e publicitário não “arrisca” no sentido tradicional. Arriscar implica agir sem preparação, como num jogo de sorte ou numa competição sem treino. Em publicidade, uma campanha bem-sucedida nasce de uma base sólida: há um objetivo claro, uma análise detalhada do público-alvo e muitas horas de trabalho e decisões fundamentadas. Em vez de “arriscar”, podemos falar em escolher entre uma abordagem mais conservadora ou uma mais inovadora e desafiante. É neste espaço de inovação que as marcas se destacam, conquistam o seu lugar e evoluem. Manter-se sempre na mesma linha pode condenar uma marca a ser ultrapassada no futuro.

7. O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Uma das principais responsabilidades de uma marca é o seu contributo para a sociedade e o impacto que gera na comunidade à sua volta. Muitas vezes, essa ideia está apenas associada a patrocínios, apoios ou doações a instituições. No entanto, o marketing pode e deve estar cada vez mais ligado ao desenvolvimento social, criando uma conexão direta entre a marca e a comunidade em que se insere. Com um orçamento ilimitado, seria possível ampliar esse envolvimento do marketing com o desenvolvimento de entidades e causas sociais.

8. A publicidade em Portugal, numa frase?

Em Portugal, onde muitas vezes se ouve dizer que “não temos escala”, a frase que melhor descreve a publicidade é: “não importa a dimensão”. Ano após ano, assistimos a produções portuguesas de grande qualidade, com exemplos de marcas multinacionais cujas campanhas nacionais se destacam, muitas vezes superando as de outros países. Portugal prova que ser um país de menor dimensão não é sinónimo de uma publicidade “pequena”.

9. Construção de marca é?

Construção de marca é, em primeiro lugar, entender a sua essência, o propósito que a orienta e o valor acrescentado que traz à sociedade. Com esses elementos bem definidos, é fundamental criar uma identidade, determinar o público-alvo, definir a forma de comunicação, as áreas de atuação e as emoções que a marca deseja transmitir. Criar uma marca não é uma fórmula matemática; é um processo que depende de diversos fatores. Começa internamente, com uma cultura empresarial sólida e todos os departamentos alinhados ao propósito da marca. Além disso, exige um foco constante no consumidor, pois é ele quem dá vida à marca.

10. Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?

Na verdade, não me imagino a trabalhar noutra área que não seja marketing e publicidade. A adrenalina que este setor proporciona, as constantes inovações e o equilíbrio entre resultados financeiros e a criação de ligações emocionais entre marcas e consumidores fazem com que eu tenha uma paixão profunda e uma forte conexão com este mundo.

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