Aumento de freguesias é um “erro crasso que o país pagará caro”, alerta Miguel Relvas

  • Alexandre Batista
  • 15:51

Reforma produzida em 2013 não se limitou a municípios, tendo contemplado as CIM, por exemplo. PS, PSD e até Luís Montenegro já defenderam a redução de freguesias, assinala Miguel Relvas.

“É um erro crasso e um retrocesso político, que o país vai pagar caro”, diz Miguel Relvas, em declarações ao ECO/Local Online, após a aprovação da desagregação de freguesias na Assembleia da República, esta sexta-feira. A votação, que permite a criação de 302 novas freguesias onde outrora havia 135 uniões de freguesias, sinaliza o “clientelismo” dos partidos políticos, considera.

Miguel Relvas recorda que Luís Montenegro, à data do Governo de Passos Coelho líder parlamentar do PSD, nunca manifestou discordância desta medida e, por isso, acusa os partidos que aprovaram a medida de “clientelismo”.

Num regresso ao início da década passada, o ex-ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares assume sem hesitação a ‘paternidade’ da reforma de 2013 e assegura que aquilo que o Executivo de Sócrates assinou com a troika era vago e não estabelecia metas para uma redução no poder local.

A reforma que veio a surgir em 2013 é mérito do Governo de Passos Coelho, defende. Foi muito para lá da reformulação do mapa de freguesias, nela se incluindo também medidas como a designada “Lei dos compromissos”, que veio limitar as despesas das autarquias às receitas geradas, e a criação das Comunidades Intermunicipais (CIM), com as quais se garantiu ganho de escala pelo país todo, e não apenas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, defende.

“Daqui a 20 ou 30 anos, quando se voltar a olhar para esta matéria, vai-se lamentar o tempo perdido”, considera o ex-ministro e assumido ‘pai’ da Lei 11-A 2013. Relvas não isenta o seu partido de críticas e recorda que o atual primeiro-ministro e presidente do PSD, Luís Montenegro, líder parlamentar dos social-democratas à data da governação de Passos Coelho, foi defensor público da reforma. Dele, Relvas nunca ouviu oposição à medida tomada em 2013, assegura ao ECO/Local Online, recordando o voto favorável na votação parlamentar da Lei 11-A 2013, tal como ocorreu com Hugo Soares, hoje secretário-geral do PSD.

Daqui a 20 ou 30 anos, quando se voltar a olhar para esta matéria, vai-se lamentar o tempo perdido.

Miguel Relvas

Ex-ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares

Segundo Relvas escreveu no livro “O outro lado da governação – a reforma da Administração Local”, o atual primeiro-ministro afirmou, em fevereiro de 2012, “não ser viável a manutenção das freguesias com menos de 150 habitantes”, que à data seriam cerca de 280.

Para o ex-ministro, o que o país necessitava agora não era de voltar atrás na concentração, mas sim de trabalhar no reforço do número de uniões de freguesias, e até de juntar câmaras municipais — hipótese que chegou a estar em cima da mesa em 2012 e que, assegura no seu livro, mereceu mesmo uma reunião entre os autarcas de Alcoutim, Castro Marim e Vila Real de Santo António na qual terão debatido a possibilidade de criarem um novo município, unido pelo Guadiana.

Miguel Relvas no lançamento do livro “O outro lado da governação”, em julho de 2015MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Uniões de freguesia para caberem todos os nomes

Relvas recorda a decisão de utilizar a designação ‘união de freguesias’ como forma de manter o nome de todas as freguesias extintas e assim respeitar as populações. Ainda assim, reconhece que o processo “foi muito duro”, como se verificou quando cerca de 200 mil pessoas protestaram nas ruas, diz.

Miguel Relvas assinala o quase consenso surgido nesta sexta-feira no Parlamento, ironizando com a diferença para a situação habitual de tensão política na Assembleia, e assinala esta aproximação de posições da esquerda à direita (excetuando a Iniciativa Liberal, que votou contra, e o Chega, que se absteve na votação em plenário) como prova da procura por cargos. Mas mesmo a abstenção do Chega, um habitual crítico dos gastos políticos que agora não se opõe a mais freguesias e governantes locais, merece a sua crítica.

Em algumas situações, considera Miguel Relvas, é a própria câmara municipal a desejar a desagregação das uniões de freguesias, uma forma de poder somar presidentes de junta, que têm lugar na Assembleia Municipal ao lado dos deputados municipais efetivamente eleitos para aquele órgão das câmaras.

Por que razão são os municípios com menos recursos e de interior, não aqueles como Lisboa, Porto, Oeiras e Cascais, que procuraram regressar ao pré-2013, pergunta o ex-ministro, que recorda a redução de freguesias efetuada em Lisboa, era edil António Costa. Em 2011, foi aprovada a passagem de 53 para 24 freguesias na capital, como forma de “reforço das competências das freguesias” e “reforço dos meios e condições para que as juntas possam exercer melhor as suas funções”.

Apesar de não alinhar com as declarações da deputada Olga Freire, do PSD, que, na votação em plenário da AR nesta sexta-feira atribuiu responsabilidade pela agregação de freguesias ao Governo de José Sócrates, Relvas assegura que o então líder da oposição, António José Seguro, chegou a trabalhar lado a lado com o PSD no novo mapa de freguesias, em que a redução de freguesias não seria num número de quase 1.700, como preconizava o Executivo, mas abaixo das 1.200, respeitando os critérios que o PS aceitava.

Tal como já defendera no livro co-assinado com o ex-secretário de Estado Paulo Núncio, o memorando de entendimento não referia especificamente freguesias, mas sim a redução do número de órgãos autárquicos, e em lado nenhum havia menção a um número concreto de freguesias a extinguir. No memorando da troika, “a maior redução ocorreria nas freguesias urbanas mais populosas e o compromisso assumido pelo Governo do PS não a quantificou, apenas previa ‘reduzir significativamente o número de autarquias’”.

A troika não fazia ideia se o país tinha três mil e tal freguesias, ou 300 e tal municípios”, afirma agora Relvas. E, reforça, além das freguesias, também as empresas municipais foram alvo de racionalização por parte do Governo que as integrou na reforma, seja com fusões, seja com extinções.

A concentração surgiu por “necessidade de escala”, que ficará em causa com o passo tomado nesta sexta-feira, defende o ex-governante, na conversa com o ECO/Local Online. Somam-se questões que surgirão no próprio território, como a decisão de quem ficará com os veículos ou com as máquinas, por exemplo.

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