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As verdadeiras tendências e como as marcas as podem capitalizar, segundo o Publicis Groupe

Rafael Ascensão,

"Ajudar na tomada de decisões de quanto e onde uma marca deve investir em função do que tem para oferecer" é o objetivo do estudo. Conheça os 10 fenómenos analisados e as recomendações para as marcas.

Quando olhamos para um fenómeno, toda a gente o reconhece. O ponto é que consoante ele é uma tendência, um hype ou um fenómeno normalizado, a forma com as marcas se têm de posicionar é diferente“. A ideia foi avançada por Patrícia Araújo, chief strategy officer do Grupo Publicis Portugal, à margem do evento de apresentação do estudo “Trend or Hype, onde foram dados a conhecer quais os fenómenos sociais que se verificaram ser verdadeiras tendências no contexto nacional.

No evento foi apresentada a primeira edição deste estudo em Portugal, que pretende distinguir entre aquilo que é apenas uma moda passageira do que é verdadeiramente uma tendência que veio para ficar. “Todos os novos desenvolvimentos a que assistimos trazem expectativas coletivas e partilhadas do que pode vir a ser diferente, que é o que define um hype. Mas quando a expectativa se concretiza e condiciona comportamentos, estamos perante uma tendência“, explicou Patrícia Araújo na apresentação.

Segundo a responsável, o estudo recorreu a um algoritmo que atribuiu um índice de relevância (de 0 a 100 pontos), sendo que para um fenómeno ser considerado como uma verdadeira tendência, este teria de obter uma pontuação superior a 50 e que a sociedade não só falasse como agisse em relação ao tema.

Um fenómeno ser considerado uma tendência significa que “já há comportamentos associados e que este pode ser um agente de mudança importante nos comportamentos sociais“, explicou depois Patrícia Araújo ao +M. As marcas devem assim, depois, tentar perceber se têm “espaço de crescimento, de relação e de conexão para chegar a esse grupo de pessoas ou consumidores”.

O que este estudo permite é “ajudar na tomada de decisões de quanto e onde uma marca deve investir em função do que tem para oferecer, daquilo que é a sua proposta de valor e de como esta pode ser relevante junto das pessoas“, disse a responsável.

No entanto é importante que uma marca não defenda junto dos seus consumidores algo sobre a qual “não tem propriedade” e que não pertença ao seu espaço, pois isso vai “soar estranho e a falso”, alerta a chief strategy officer do Grupo Publicis Portugal. “Qualquer marca é passível de se acionar em alguns destes fenómenos. Depois depende da proposta de valor de cada marca e dos seus objetivos“, acrescenta.

A primeira edição do estudo — que vai contar com uma edição por ano — centrou a sua investigação em 10 fenómenos principais: “orgulho low cost”, “diversidade é a norma”, “tecnologia: amigo ou inimigo”, “economia da atenção”, “senior power”, “economia yolo”, “sociedade dos extremos”, “bem-me-quer mal-me-quer”, “sociedade sem tempo” e “diluição do compromisso”, sendo que apenas dois foram considerados verdadeiras tendências: o “orgulho low cost” e o “tecnologia: amigo ou inimigo”.

Orgulho low cost

A “lowcostização” (51 pontos, segundo o algoritmo do estudo) continua a ser um fenómeno popular e uma tendência relevante, com os consumidores a apostarem na compra de produtos das marcas de distribuição e com isso a ser já um motivo de orgulho.

Segundo se refere no estudo, “quando os consumidores comparam produtos ou serviços, procuram o preço mais baixo, mas também o valor que receberão em troca“. Nesse sentido, “é fundamental reconhecer que a diferenciação raramente é alcançada apenas através do preço, e nunca é uma diferença sustentável; ela é conseguida construindo valor”, sendo que para isso as marcas precisam de combinar diversos fatores como inovação, emoção ou comunicação, para “inovar com produtos ou serviços únicos que as marcas brancas não consigam igualar”.

Além disso, as marcas devem “criar conexões emocionais com os consumidores, ou seja, tocar-lhes o coração. Construir em experiência de valor. E comunicar. O conteúdo e a mensagem desempenham um papel crucial na comunicação do valor da marca e na diferenciação em relação às marcas brancas, que na maior parte das vezes não têm presença publicitária normalizada“, acrescenta-se.

Diversidade é a norma

A diversidade (41 pontos) é uma trend que já passou, segundo o estudo, uma vez que conta com tomadas de ação mas que a discussão sobre o tema já não é tão intensa. Trata-se assim de um “fenómeno normalizado, que faz parte do dia-a-dia das pessoas, apesar de ser relativamente recente”. “Não se trata de o fenómeno não ser importante, mas sim de que este já está enraizado e integrado na rotina e deixou de ter um hype tão intenso como conceito geral”, especifica-se.

No caso deste fenómeno, a recomendação é dupla. Por um lado as marcas devem “voltar às origens”, encarando a diversidade como “uma questão social e dinâmica em constante evolução” e estando atentas “às novas formas de exclusão ou de inclusão que possam surgir, para garantir que continuam a acompanhar a evolução social”.

Além disso, “é crucial tratar o tema com naturalidade, sem dramatismos ou excessos. A diversidade, enquanto parte integrante da vida contemporânea, não precisa de ser amplificada de forma forçada. A sua normalização é, por si só, uma conquista, e agir em consonância com esta realidade será sempre bem visto”, lê-se no estudo.

Tecnologia: amigo ou inimigo

O algoritmo do estudo classifica este fenómeno efetivamente como uma trend (64 pontos) com um duplo sentido: “por um lado, as pessoas sentem-se ameaçadas, reconhecendo esta preocupação nas suas vidas, mas, por outro, são irresistivelmente fascinadas pelas possibilidades que a tecnologia oferece”.

As pessoas “não só participam ativamente nas discussões sobre o tema, abordando tanto as oportunidades como as ameaças associadas à tecnologia, como também estão a integrar cada vez mais a tecnologia nas suas rotinas diárias, através de assistentes virtuais, dispositivos inteligentes e, mais recentemente, ferramentas de inteligência artificial, que se estão a tornar rapidamente indispensáveis no quotidiano para muitos”.

O fenómeno é também impulsionado por uma “combinação de receio e curiosidade, onde o medo das potenciais consequências da tecnologia coexiste com a valorização das suas vantagens tangíveis, como a simplificação e a eficiência nas tarefas diárias”.

Segundo o estudo, a oportunidade para as marcas reside em “explorar e aproveitar os aspetos positivos da tecnologia”, enquanto facilitadora, empoderadora, simplificadora ou potenciadora.

“É essencial ajudar as pessoas a abraçar este potencial positivo, colmatando as lacunas existentes e promovendo uma abordagem mais inclusiva e humana no desenvolvimento tecnológico”, refere-se no estudo.

O foco das marcas deve assim concentrar-se em mostrar a sua proposta de valor através de ferramentas de inteligência artificial. Ou seja, o foco de ser “menos sobre se utilizam ou não uma determinada ferramenta e mais se, ao incorporarem essa ferramenta, conseguem trazer benefícios concretos para o consumidor”, explicou Patrícia Araújo ao +M.

Patrícia Araújo, chief strategy officer do Grupo Publicis Portugal.

Economia da atenção

O fenómeno da economia da atenção (43 pontos) tem-se intensificado ao longo dos anos, tornando-se uma nova realidade e uma preocupação na sociedade moderna. Mas embora seja um tema recorrente nas conversas diárias, “ainda não se pode considerar uma tendência plenamente estabelecida, em parte devido à ausência de uma resposta coletiva significativa a este fenómeno”.

No entanto, apesar das diferenças na forma como este fenómeno é encarado, “há sinais de que, mais cedo ou mais tarde, poderá consolidar-se como uma tendência mais reconhecida, à medida que as discussões sobre o seu impacto se tornam mais comuns e que se começam a procurar formas de lidar com as suas consequências”, adianta-se no estudo.

Por agora, a confluência de expectativas — com pessoas a exigirem uma adaptação à sua alta intensidade de consumo e outras a desejarem evitar uma sobrecarga e concentrarem-se apenas no que consideram realmente importante — “exige das marcas uma flexibilidade sem precedentes, desafiando-as a criar abordagens híbridas e personalizadas, capazes de capturar a atenção tanto no imediato quanto em interações mais duradouras, oferecendo valor para consumidores de perfis e necessidades tão distintos“.

“É paradoxal que, num momento de atenção limitada e oportunidades reduzidas para captar a atenção, existam conteúdos com durações cada vez maiores (como acontece na indústria do cinema). Talvez seja o momento de perceber que, se o tempo é dinheiro, a qualidade do conteúdo é valor. A eficácia das marcas pode depender da sua capacidade de criar conteúdo que não apenas capture a atenção, mas também ofereça valor real e ressoe profundamente com o público em meio de um mar de estímulos“, refere-se no Trend or Hype.

Senior Power

Embora o senior power (25 pontos) — onde o comportamento dos seniores parece desafiar a ideia tradicional de reforma — tenha vindo a ganhar visibilidade e relevância nos últimos anos, o mesmo “ainda não se configura como uma tendência generalizada, mas sim como um fenómeno de nicho”, ou seja, apenas precisamente junto das pessoas mais velhas, na situação de reforma ou pré-reforma.

No entanto, embora este fenómeno seja restrito a um grupo etário específico, “é importante notar que o grupo sénior está a crescer na população portuguesa, que é uma das mais envelhecidas do mundo”, destaca-se no estudo, além de ser uma franja da população que dispõe de uma boa capacidade económica e tempo livre.

“Além disso, na era da diversidade, o conceito de idadismo começa a ganhar relevância entre este grupo, que se sente injustamente discriminado pela sociedade, pelas empresas e pelas marcas”, refere-se.

Neste contexto, o estudo sugere que “as marcas que conseguirem compreender e empatizar verdadeiramente com esta geração terão um acesso privilegiado a um público com poder de compra, desejo de viver intensamente e de se sentir incluído“. Assim, é importante que as marcas evitem cair em estereótipos e que se conectem “genuinamente” com este grupo de pessoas, não bastando para tal selecionar pessoas mais velhas nos castings.

Economia YOLO

Viver o momento sem pensar demasiado no futuro (YOLO – “you only live once“) tornou-se num fenómeno com grande presença nas conversas, mas com menor tradução em comportamentos reais.

“As pessoas falam muito sobre isso, mas a sua tradução a nível comportamental, não é tão evidente quanto parece, pelo menos de uma forma transversal”, refere-se no estudo, pelo que a preferência por “aproveitar enquanto se pode” parece ser mais uma expressão de desejo do que uma prática amplamente adotada, pelo que a economia YOLO (41 pontos) tem-se revelado “um hype que reflete mais uma forma de lidar com a frustração do que uma transformação real nos estilos de vida”.

Perante este cenário, as marcas têm uma “boa oportunidade” à sua disposição, estando bem posicionadas para “explorar o prazer imediato que caracteriza o fenómeno YOLO”. “Aproveitar esta mentalidade pode ser uma poderosa alavanca para se conectar com os consumidores, oferecendo-lhes experiências e produtos que ressoem com o seu desejo de viver intensamente o presente, transformando a incerteza em uma oportunidade de inovação e engagement“, refere-se no estudo.

Sociedade dos extremos

Longe de ser uma novidade ou algo em fase de hype, o fenómeno de uma sociedade de extremos (48 pontos) já se tornou parte integrante e normalizada da sociedade. “Não estamos mais a lidar com um fenómeno passageiro, mas sim com uma realidade que já não se pode ignorar. É algo que, com o tempo, se foi consolidando, e deixou de ser apenas um tema de debate para se transformar numa experiência diária, onde as escolhas e atitudes de cada indivíduo refletem esta divisão crescente”, refere-se no estudo.

Este posicionamento da sociedade afeta inclusive o modo de consumir, tendo os consumidores passado a ver as marcas como “reflexo das suas próprias identidades, alinhadas ou em oposição aos seus valores”. Já as marcas, por sua vez, “correm o risco, quer por ação ou por omissão, de ser entendidas e percecionas com base nas suas posturas e valores”.

“Quanto à tomada de posição, as marcas parecem ter uma ideia relativamente clara. Sem cair em extremismos, optam pela cautela: reconhecem o fenómeno e a sua relevância na sociedade, mas a curto-médio prazo, poucas tomam medidas concretas para integrá-lo nas suas estratégias”, avança-se no estudo.

Na verdade, “não tomar uma posição é, por si só, uma postura”, acrescenta-se, mas essa não tem de ser a única. “Estar de um lado ou do outro de qualquer divisão, ou até ser quem a identifica, expõe e trabalha para a atenuar são oportunidades claras para se tornarem relevantes para as pessoas. Adotar uma posição pode trazer relevância, empatia e uma conexão emocional com alguns… mas corre o risco de alienar ou ofender outros”, lê-se no Trend or Hype.

O dilema está lançado: não ter uma postura é, em si, uma postura. Ser explícito pode ofender, mas permanecer em silêncio também. Ter um posicionamento claro e atuar com consistência e autenticidade pode não servir para todos, mas assegura relações e conexões sólidas entre marcas e consumidores“, acrescenta-se.

Patrícia Araújo, chief strategy officer do Grupo Publicis Portugal.

Bem-me-quer, mal-me-quer

A tensão entre a autoaceitação e a aprovação social é um fenómeno que não passa despercebido, no entanto “o discurso social sobre a beleza da autoaceitação não tem sido acompanhado por ações concretas que o sustentem”.

Este fenómeno (33 pontos) continua a ser um hype precisamente porque “expressa uma contradição não resolvida: as pessoas sentem-se divididas entre o desejo de autenticidade e a imposição de uma perfeição inatingível”, sendo este um fenómeno que permanece mais ao nível da conversa do que da prática.

Assim, hoje surge uma nova oportunidade para as marcas se conectarem com o consumidor, ajudando-o a defender as suas aspirações e a sentir-se bem consigo próprio. Nesta ótica, as marcas devem evitar estigmatizar, promover a ideia de que qualquer forma de ser é válida e valiosa e agir concretamente nesse sentido: as marcas “devem focar-se mais nas ações que realizam do que nas intenções que manifestam“, lê-se no estudo.

A sociedade sem tempo

A falta de tempo é uma tensão social de grande relevância e um tema “sobre o qual todos falam, mas do qual poucos sabem escapar”. É um fenómeno que domina as conversas mas, apesar da sua visibilidade, “ainda não desencadeou uma mobilização social significativa”.

Neste sentido, este fenómeno (52 pontos) é um hype que capta a atenção mediática e individual, mas que “não reflete uma transformação social consolidada”. “As pessoas procuram simplificar as suas vidas… mas uma sociedade que se mede pela produtividade tangível não facilita”, lê-se no estudo.

Neste sentido, “ser a primeira marca numa lista mental é uma forma clara de agregar valor, pois poupa tempo ao consumidor“. Além disso, “se o tempo é ouro, o tempo que uma pessoa dedica a uma marca é ainda mais valioso, seja ao visualizar a sua publicidade, seja ao escolhê-la na prateleira. Portanto, devemos assegurar que esse tempo seja bem aproveitado e de valor real”, aconselha-se no estudo.

As marcas que se empenharem em otimizar, conciliar e proporcionar mais tempo de lazer ou qualidade de vida terão uma vantagem significativa junto dos consumidores. Empresas como a Apple, Google ou Amazon, que incorporam a simplicidade de uso e a rapidez dos resultados como parte fundamental da sua proposta de valor, entendem bem esta necessidade”, acrescenta-se.

A diluição do compromisso

Numa altura em que as pessoas estão a redefinir o que significa comprometer-se, eliminando a rigidez associada ao conceito, o compromisso tornou-se mais flexível, mais fluído e mais adaptado às circunstâncias e às necessidades momentâneas, pelo que a diluição do compromisso é um fenómeno (26 pontos) com baixa relevância, mas ao qual é importante estar alerta.

Afinal, “se procuramos compromissos mais leves e abertos com as pessoas, porque haveríamos de ser diferentes na relação com as marcas?”, questiona-se no estudo, onde se refere que a “oferta esmagadora” de escolhas faz com que o comprometimento com uma única marca “pareça limitador”.

“Observamos que os consumidores não só mudam de marca com facilidade, como também as utilizam de forma simultânea, conforme as suas necessidades e desejos. Até o próprio ato de fazer compras mudou radicalmente. Já não existe o cliente fiel que faz todas as suas compras num único lugar”, lê-se.

“Neste cenário, o verdadeiro valor está na capacidade de se reinventar, emocionar e conquistar de dia para dia. A adaptação e inovação constantes permitirão que os consumidores continuem a escolher-nos, mesmo quando as opções são infinitas. O desafio não é apenas conquistar, mas manter o interesse aceso, cultivando uma relação intensa e duradoura“, acrescenta-se ainda.

Estudo pretende oferecer “lente diferenciada”

Num “contexto global saturado por informações incessantes e mudanças constantes”, o Trend or Hype procura assim “oferecer uma lente diferenciada para as marcas entenderem profundamente quais fenómenos sociais são sustentáveis a longo prazo e relevantes na sociedade, e quais são apenas modas passageiras, trazendo mais clareza para a tomada de decisões estratégicas”, refere-se em nota de imprensa.

O estudo, que já conta com duas edições em Espanha, foi agora apresentado pela primeira vez em Portugal, numa edição que contou com a parceria da Scopen.

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