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A liderar a comunicação da Visabeira focada nos objetivos do grupo, Catarina Pestana, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

Chegada há mais de 12 anos ao grupo, Catarina Pestana é brand communication director da Visabeira. Cliente e criativa em simultâneo, encontra "nas barreiras formas para conseguir criar".

A comunicação é [feita] muito a par e passo com o board da Visabeira, uma empresa que assenta muito naquilo que é o crescimento orgânico, com uma estratégia de aquisição, pelo que a comunicação tem obviamente de estar muito ao lado do negócio. Não é propriamente uma comunicação centrada no cliente. Trabalhamos essencialmente para um mercado B2B [business to business] e não para o consumidor final. Temos obviamente uma definição de budget, de objetivo, mas é um fervilhar diário, com um trabalho muito próximo da administração e dos seus objetivos”.

As palavras são de Catarina Pestana, brand communication director da Visabeira, grupo que detém diversas empresas de diferentes setores, desde as telecomunicações à energia, construção, imobiliário ou cerâmica. Vista Alegre, Bordallo Pinheiro ou Constructel são algumas das suas marcas.

Segundo a responsável explica ao +M, a comunicação do grupo não é trabalhada da mesma forma que em muitas outras empresas, que “têm uma definição a 12 meses, e que por lá caminham com um à vontade muito mais distinto, ou seja, muito a pensar no produto, no consumidor, nas campanhas. Aqui é feita uma gestão mais fina, mais focada nos objetivos do grupo“.

No entanto, quando se tratam de marcas como a Bordallo Pinheiro ou a Vista Alegre, “que já são love brands“, o trabalho já é feito de uma “forma mais próxima daquilo que são estratégias a 12 meses e com um budget definido”.

Mas ainda assim tendemos a dissecar a coisa cada vez mais, até por uma questão de gestão de orçamentos. No caso da Vista Alegre, que se encontra a celebrar 200 anos, por exemplo, é uma marca que merece mundos e fundos para as celebrações, mas temos contingentes orçamentais grandes. Há muita coisa que se tem feito com esforço e sobretudo através de parcerias“, refere.

Num grupo tão grande e diversificado, o dia-a-dia de Catarina Pestana “nunca é propriamente aborrecido”, existindo sempre “novidades e desafios novos”. Embora normalmente esteja dedicada a projetos mais específicos — nesta altura encontra-s a trabalhar no livro dos 200 anos da Vista Alegre — são várias as outras iniciativas que estão a acontecer.

“O trabalho nunca é muito linear, e acho que é o normal quando se está numa estrutura muito grande, em que há oportunidades que surgem que são interessantes, imperdíveis, e que têm de ser ajustadas à dimensão dos recursos que se tem”, explica.

Em retrospetiva, Catarina Pestana considera que o seu percurso é “um bocadinho atípico”, uma vez que, embora trabalhe em comunicação e marketing, a sua origem está no design, área em que começou a trabalhar em Londres, na revista de luxo da Harvey Nichols e depois na Intersection Magazine. Esteve depois durante mais de dois anos com o designer gráfico britânico Peter Saville, que “trabalhou para todos os grandes nomes da moda”.

Esse percurso e ambiente na cidade londrina tiveram um “elevadíssimo impacto” no seu percurso, uma vez que Catarina Pestana se começou a aperceber que “a criatividade e o design permitiam fazer muitas coisas”.

Veio para Portugal, onde fundou a Dasein, a sua própria agência. “Nós aqui, num mercado mais pequeno como o nosso, temos de ter uma maior complementaridade e uma visão muito holística, ao contrário de outros mercados internacionais, onde se é contratado para ‘carregar num botão’. E eu acho que o início pelo design me permitiu isso e que o meu percurso e aquilo que eu faço hoje é muito fruto desse ecletismo“, explica.

Com a Dasein, agência que era uma “espécie de boutique de design”, trabalhou clientes como Caixa Geral de Depósitos, Central de Cervejas, Danone, Euronext Lisbon, Fundação Calouste Gulbenkian ou Vista Alegre Atlantis e Grupo Visabeira, “daí este crescimento orgânico dentro do grupo Visabeira à posteriori”.

Foi em 2012 que ingressou então no grupo Visabeira como responsável de comunicação institucional. Dentro do grupo encontrou “um mundo completamente gigante, multissetorial e com uma multiplicidade de marcas, desde marcas B2B a B2C, nacionais, internacionais, com posicionamentos completamente distintos”.

É um grupo onde sinto que tenho imensas profissões, não apenas pela característica da função que desempenho, mas também pelos diferentes cenários do grupo onde há uma coisa muito interessante, que é a sinergia entre marcas e que acaba por permitir ainda outros cenários, outras parcerias. É uma coisa muito vasta, muito rica“, diz.

De responsável de comunicação institucional passou depois para a direção de marketing e comunicação. No grupo, “a questão é que as coisas têm evoluído imenso e funcionado muito por estratégia de aquisição. E portanto as funções dentro do grupo também têm mudado consoante as escalas e as necessidades“, refere.

Em 2017 fundou a Bang Bang Agency, uma agência interna do grupo Visabeira que tinha como objetivo responder às necessidades criativas das marcas internas. No entanto, esta agência trabalhava ainda com marcas externas ao grupo, pelo que também trabalhou com a Control, Chicco, Fox Movies, ERA Imobiliária, Casino Lisboa e Casino Estoril, Jerónimo Martins ou Izidoro.

Na altura da pandemia, e tendo em conta que o grupo “começou também a articular as coisas de outra maneira”, a decisão passou por manter a Bang Bang Agency ativa mas apenas para clientes internos, situação que se mantém até hoje, “mesmo também por uma questão de otimização de recursos”. No entanto, o grupo também recorre a outras agências externas para algumas situações pontuais.

Aos 44 anos, a atual brand communication director é também professora. A experiência enquanto docente — da qual tem “gostado imenso” — começou por altura da pandemia, dando aulas atualmente no IADE e, sobretudo, na Universidade Católica.

“Tem sido muito giro. Era uma coisa que há uns anos seria impensável, mas é uma maneira muito gira de nos mantermos próximos do mercado. Dou aulas a executivos, e portanto são pessoas que estão no mercado de trabalho, são colegas. E eu também tenho uma maneira muito informal de me dar com as pessoas e acaba por ser uma forma de estar muito próxima do que são as novidades do mercado, de estudar, que é uma coisa que sempre gostei imenso“, refere.

Gosto mesmo muito de estudar, de refletir sobre as coisas, de investigar. E acho que isso aliado à minha atuação profissional, que é um fervilhar de coisas, ajuda-me bastante a estruturar as ideias”, refere. Nesta lógica, está até a pensar “aventurar-se por aí fora em termos académicos”, ou seja, tirar um doutoramento.

Atualmente, Catarina Pestana vive na zona de Alvalade, Lisboa, com o marido e as duas filhas, uma com três e outra com cinco anos, sendo que estas representam “um grande desafio”. Lisboeta de gema, nas veias corre-lhe uma “mistura de sangues” de outros locais, nomeadamente da Madeira, de Espanha e do Alentejo.

Recordando os seus momentos de infância e adolescência, confidencia — entre risos — que o seu “pior medo” é que as filhas lhe deem “um ínfimo” dos problemas que deu durante a sua fase de adolescente.

Foi esta rebeldia que levou os seus avós, por quem foi educada — sendo que o avô era oficial do exército — a acharem que o Instituto de Odivelas, colégio interno tutelado pelo exército, seria o sítio indicado para desenvolver os seus estudos, pelo teve uma “vivência lisboeta muito atípica, uma vez que só saía ao fim de semana”.

Tendo estudado no Instituto de Odivelas entre os nove e os 17 anos, Catarina Pestana tem “mixed feelings” em relação a esse período. “Não foi propriamente o que mais gostei, de estar interna, porque sempre apreciei muito a liberdade. Mas tenho amigas para toda a vida“, refere.

Foram tremendos anos de rebeldia. Custou a crescer. Foi um misto entre o ter de estar num sítio muito estereotipado, muito direito, muito militar, com muitas regras, e o crescer normal de alguém que se está a definir e a tentar encontrar“, recorda.

No entanto, esse período de internato e de regras deu-lhe também uma “ambivalência” em termos criativos. “Tenho um cérebro bastante criativo — digo isto como característica e não como qualidade — e também é verdade que a Visabeira se calhar não é o sítio mais esperado para uma pessoa tão artística. Mas é porque eu tenho esta ambivalência: preciso de saber exatamente quais são as regras e diretrizes, mesmo que seja para discordar delas“, explica.

Foi o facto de ter estudado no estrangeiro, em Londres, que depois lhe deu uma “noção de vida completamente diferente“. “Acho que Londres deu aquela noção de multiculturalidade que eu precisava para respirar. Acho que foi um ponto importantíssimo no meu crescimento”, refere. A ida para Londres deu-se porque na altura tinha um namorado que foi trabalhar para Londres, tendo resolvido ir com ele, pelo que mudou de faculdade, trocando a Faculdade de Belas-Artes pelo Chelsea College of Arts.

Entre as suas “imensas” áreas de interesse, encontra-se uma que está relacionada “com a criatividade, nas diferentes formas que isso possa ter”. “Acho que a criatividade, muitas das vezes, ainda está muito ligada a esta questão artística. Mas a criatividade a mim interessa-me muito no mundo da comunicação — que é onde atuo –, mas também sob outras formas, nomeadamente naquilo que é a construção do cérebro ou a maneira como vamos lidando com a nossa inteligência emocional“, diz, explicando a razão pela qual lê muitos livros relacionados com o tema.

Ainda no campo da literatura, tem-se dedicado ultimamente a ler as obras das 17 mulheres que já conquistaram um prémio Nobel da Literatura, até porque se diz uma “feminista convicta”. “Dá-me muito prazer ler mulheres e é engraçado que tenho descoberto que há muitas mulheres e homens que estão a querer ler mulheres. Esta é uma das questões da minha atualidade”, refere.

Além disso, é também “viciada” em teatro, tanto em termos de assistir a peças como de participar em aulas. “O teatro para mim é respirar. São momentos únicos, onde uma sala está em silêncio, onde se aplaude ao vivo uma coisa que está ou acabou de acontecer. É algo que acontece naquele momento, ao contrário do mundo do digital, em que podemos sempre gravar ou recuar. E eu acho que me estou a tornar muito numa pessoa do momento, em sentir o momento. O teatro traz-nos uma componente humana e uma história ao vivo. Ir ao teatro é sentir-me viva“, afirma.

Enquanto profissional, considera-se uma pessoa “super flexível”. “Acho que estou mesmo treinada para me adaptar a contextos, meios, cenários, porque eu própria preciso disso para criar as minhas próprias regras, barreiras, defesas. Sou sempre aquela pessoa que está à procura do briefing, para o destruir, construir, reconstruir. Procuro isso e tenho uma grande elasticidade nos meus processos e modo de atuação profissional“, refere.

Enquanto pessoa, considera também que não será “muito diferente disso”. “Eu fui sempre sobrevivente em contextos. E isso acho que sempre ativou a minha criatividade. Muitas vezes as pessoas dizem que precisam de liberdade para criar. Pouca gente estimará mais a liberdade do que eu, mas encontro nas barreiras formas para conseguir criar“.

Outro termo que costuma dar para se definir em termos profissionais é a de ser “não binária”. “Muitas das vezes, em contextos profissionais, ora estou como jurada em prémios de criatividade ou estou do outro lado, do cliente. E é giro porque no meio das agências eu sou sempre a que está do lado do cliente, e quando estou do lado do cliente, sou sempre a criativa. Portanto digo sempre que sou não binária”, refere.

Catarina Pestana em discurso direto

1 – Qual é a decisão mais difícil para um responsável de comunicação?

Há que esclarecer a definição de ‘’comunicação’’ primeiro. No meu caso, atuando na comunicação de marketing, o maior desafio que enfrento é a dinâmica eficaz entre a realidade entre as marcas que trabalho e o mercado onde elas se inserem. Estamos numa realidade acelerada com o desenvolvimento da inteligência artificial e do digital que afunilam, cada vez mais, as necessidades permanentes do cliente.

2 – No (seu) top of mind está sempre?

Marcas, sempre!

3 – O briefing ideal deve…

Ser consistente entre os restantes pedidos. Um briefing nunca deve ser isolado entre aquele que é o alinhamento da marca. Deve ser consciente quanto aos seus objetivos e olhando sempre também ao contexto externo – faz, ou não, sentido entre a concorrência, nos setores onde determinada marca se insere – e, finalmente, no discurso onde as diferentes pessoas internamente estabelecem o tom da marca. Tom esse que é impactado pelo consumidor mas que deve ser bem definido a nível interno de forma integrada e trabalhado omnicanal.

4 – E a agência ideal é aquela que…

Surpreende. Claro que tudo depende das necessidades de determinada marca. Mas, na verdade, e apesar de não ser a primeira resposta (sexy) que surge, qualquer marca precisa da agência que ‘’safe’’ em timings, volume, etc. A verdade é que a agência que consegue antecipar e inovar, é aquela que, conjuntamente com a estratégia da marca, permite que a marca vá desbravando o caminho naquela que é a comunicação inovadora de determinada marca antecipando a atenção do(s) consumidor(es).

5 – Em comunicação é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Gostaria muito de poder dizer ‘’arriscar’’. É a resposta que ficaria bem numa entrevista. Contudo… ‘’depende’’. Existe sempre uma participação de compromisso naquela que é a comunicação, e a base disso é a razoabilidade dos contextos (internos/externos), naquele que é o objetivo central. Independentemente da postura, do posicionamento de determinada marca, a avaliação sobre o modus operandi deve ser sempre fruto de uma avaliação consistente e sem impulsos gratuitos – isto, dito por mim, que gosto de fazer ‘’all in’’, mas que, fruto da experiência, sei também que o tempo e a consistência nos permitem resultados, tal como no poker, mais gratificantes. Em suma, arriscar de vez em quando, mas sendo fiel à consistência, permite-nos um bom ritmo na comunicação.

6 – Como um profissional de comunicação deve lidar e gerir crises?

Acima de tudo, gerir pela antecipação. Um pouco como as pessoas que têm receio de andar de avião. Estatisticamente, é raro haver acidentes. Isto porque o planeamento e a avaliação prévia nos obrigam à verificação global. E, claro, em havendo acidentes (crise), essa antecipação permite-nos atuar no timing correto por força da reação à incorporação de cenário prévios que nos permitem atuar com sangue frio. Isto, sempre, aliado à experiência. A senioridade traz-nos experiência, diria.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Isso não existe. Internamente, na Visabeira, e nas suas marcas, brincamos com isso. Mesmo as marcas que têm, supostamente, ‘’budgets ilimitados’’ têm sempre limitações impostas. Parece estranho, certo? Mas a verdade é que nada é ilimitado e é essa limitação que faz com que tenhamos de usar a ferramenta da criatividade para contornarmos as nossas contingências – que nem sempre serão as de budget –, que, em boa verdade, existem sempre.

8 – A comunicação em Portugal, numa frase?

Humana, autêntica, sempre numa permanente busca entre a tradição e a inovação que é isso com que nós, portugueses, nos identificamos.

9 – Construção de marca é?

Criação de valor. E não falo apenas para o consumidor, evidentemente. Para todos os que com ela lidam. Nem tão pouco de produto ou serviços apenas. Falo da construção permanente e contínua de experiência(s) que permite(m) que os diferentes interlocutores ajam em permanência entre as ideias, as potencialidades, as reações, a consistência que permite que os consumidores tenham determinada marca como top of mind, pelas boas razões, claro.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em comunicação?

Tenho a sorte de ter uma profissão que me permite ter muitas profissões. Isto é, quando se trabalha em comunicação somos criativos, somos produtores, somos estrategas, somos marketers, somos agentes de determinada marca. No meu caso, de várias. Se a marca é uma construção, somos a adição de tudo isso naquela que é a sua construção diária. Mas falando sobre outras profissões, diria que a direção de arte ligada ao teatro ou ao cinema, fariam de mim uma pessoa, igualmente, muito feliz!

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