Da psicologia clínica para o marketing e comunicação, Andreia Paulo, da JCDecaux, na primeira pessoa
Andreia Paulo preferiu a "dinâmica" do marketing à psicologia. O desporto, as viagens e a música são três das suas paixões.
Há três anos a liderar o marketing e comunicação da JCDecaux, Andreia Paulo iniciou o seu percurso numa área bastante distinta: o da psicologia. Embora sempre tenha “achado muita graça” à publicidade, os seus primeiros passos a nível profissional foram dados na área da psicologia clínica.
Quando era ainda criança, Andreia Paulo adorava desenhar e fazer bandas desenhadas. Lembra-se também de reconhecerem em si uma pessoa “um tanto ou quanto criativa”. Além disso, gostava de publicidade. Inclusive, acompanhava sempre na RTP o programa de José Nuno Martins, sobre publicidade, numa altura em que o marketing “não estava tanto na moda”, e brincava a inventar campanhas.
Essa linha mais criativa e relacionada com a comunicação e marketing sempre existiu, mas depois de terminar o ensino secundário na área das ciências, acabou por tirar psicologia. Ainda com o gosto da publicidade a pulsar, pensou em enveredar pelo ramo de psicologia do consumidor, mas acabou por se “apaixonar” pela psicologia clínica, na vertente psicodinâmica ou freudiana.
“Acabei o curso nessa vertente clínica e ainda pratiquei clínica e fiz parte de uma série de projetos dentro da área da saúde mental. Fiz alguma investigação e ainda iniciei o mestrado na psicologia clínica. Mas depois houve uma altura, já como profissional, em que estava um bocadinho mais dispersa numa série de coisas“, recorda em conversa com o +M.
Andreia Paulo apercebeu-se que, pelo menos naquela altura da sua vida, preferia enveredar por uma área “um bocadinho mais dinâmica”. Tendo sempre gostado muito de viajar, receou também que a psicologia e os casos que acompanhasse, a deixassem “mais agarrada”, enquanto no mundo empresarial teria mais facilidade em partir para as suas viagens.
“Eu tinha a sensação que ficava um bocadinho presa aos pacientes e aos seus processos, às pessoas, às equipas. Acho que se calhar houve uma série de condições que se conciliaram e que me fizeram passar para o lado do marketing“, refere.
Foi nessa altura que decidiu então voltar a “experimentar” algo na área a que sempre “achou graça”, pelo que tirou uma pós-graduação em Marketing e Comunicação. Foi durante o curso que um colega, mais velho, a convidou a dar apoio na sua agência de comunicação, pelo que acabou por fazer uma transição “algo progressiva” entre as duas áreas.
Terminada a pós-graduação acabou mesmo por ir trabalhar para essa agência, a Resnova, embora ainda a fazer seguimento de alguns casos clínicos e a dar apoio em alguns dos projetos. Entretanto foi convidada a juntar-se à antiga Portugal Telecom (PT), para trabalhar publicidade digital, quando estava ainda estava no início em Portugal. “Também eu não sabia o que era aquilo, fui para o Sapo e fui fazendo o phase out das atividades que ainda tinha como psicóloga. Quando dei por mim, estava all-in na publicidade digital, que foi a área onde de forma mais substancial comecei a trabalhar“, recorda.
O seu percurso na área do marketing e comunicação foi sempre numa abordam digital, juntando-se no início de 2016 ao jornal Público, para ajudar a digitalizar o seu negócio, nomeadamente no que dizia respeito à sua vertente publicitária.
Seis anos mais tarde juntou-se então à JCDecaux, numa altura em que “a marca se estava a transformar e a digitalizar” e onde foi encontrar um desafio “incrível e interessante”. “É associar o mindset digital com o outdoor, que acreditamos que deve ser o meio mais antigo e que é aquele que se está a transformar mais tarde, mas a uma velocidade alucinante“, diz.
“Eu estava muito virada para o digital e de repente venho para o mundo físico que tem um poder brutal. O out of home é o meio mais experiencial, existe, é tangível e é capaz de promover experiências na rua. E depois é cruzar isso com todas as features digitais que fazem parte do DNA do meu percurso. É nesse sentido que é um desafio muito giro e que tenho gostado bastante“, acrescenta.
Em relação à JCDecaux e apesar de a sua comunicação assentar fundamentalmente numa lógica B2B, Andreia Paulo sublinha que esta é uma marca que está “constantemente em contacto com o consumidor comum”.
“E é engraçado que as pessoas não têm a noção que conhecem a marca, mas quando a veem pensam que a conhecem de algum lado, o que é normal uma vez que está em toda a cidade. As pessoas crescem a ver o nosso logo mas nós, efetivamente, não comunicamos para o consumidor final”, diz Andreia Paulo.
A lógica de comunicação da marca passa assim por uma vertente B2B, sendo dotada de um “peso institucional grande” e de uma “robustez proporcionada por uma posição muito forte no mercado e de liderança”.
“É uma marca que já está em Portugal há mais de 50 anos, que tem um peso grande, mas que ao mesmo tempo goza de um dinamismo e de uma flexibilidade, pelo tipo de equipa que tem, onde se juntam pessoas com uma grande antiguidade com um rejuvenescimento da equipa. E isto leva a um conjunto muito engraçado de visões e de experiências, que fazem com que o output daquilo que nós aqui fazemos seja muito rico”, explica a responsável, que conta com outras 12 pessoas na sua equipa.
Sobre a recente polémica relacionada com a instalação de painéis de publicidade digital de grande formato em Lisboa — que levou inclusive a que alguns painéis tivessem de ser desligados após o tribunal dar razão a uma providência cautelar do Automóvel Club de Portugal contra a Câmara Municipal de Lisboa e as empresas JCDecaux e MOP — Andreia Paulo reconhece que se tratou de uma crise “no sentido em que teve impacto no negócio”, mas onde “não havia grande volta a dar”, nomeadamente em termos de comunicação.
“A JCDecaux funciona muito by the book, segue os processos ou os procedimentos que estão previstos. Tudo o que nós tínhamos feito, tinha sido aprovado e, portanto, estávamos a dar continuidade aos processos como era suposto. Houve uma terceira entidade que entrou [no processo] e que levou a que nos mandassem parar e nós parámos. Não houve tema”, diz.
“Foi mais uma questão de ir gerindo a questão, da forma o mais transparente possível, com todos os nossos stakeholders. Foi mais uma gestão de expectativas, nossas, dos clientes e do grupo. Foi uma crise, sem dúvida, mas que foi sendo gerida dia a dia, até porque as mensagens não deviam ser nossas, porque a mensagem da JCDecaux é aquela que sempre deu: estávamos a fazer o que estava previsto e parámos quando nos mandaram parar“.
“Não eram mensagens interessantes para passar, que fizessem grande diferença ou que trouxessem mais valor a uma história que teve o seu palco, os seus episódios e que foi seguindo o curso natural com todos os envolvidos. Felizmente, depois chegou a um fim em que voltámos a ligar [os outdoors] e aí pudemos comunicar, com muita alegria, que tínhamos voltado a ligar e a dar continuidade ao processo que tinha sido interrompido”, acrescenta.
Andreia Paulo vive atualmente num “bairrinho muito familiar e simpático”, em Alvalade, Lisboa, mas cresceu no Estoril, ao qual continua a ter uma “ligação muito próxima”, até porque se considera uma “inveterada apaixonada pela praia e por tudo o que diz respeito ao mar“.
A praia tem também um papel a desempenhar numa das suas paixões, que passa pelo desporto, uma vez que aproveita quando vai à praia para jogar voleibol, o seu “desporto base” que pratica desde que tinha dez anos.
Além disso, também corre e joga padel, desporto que pratica inclusive de forma federada. O desporto representa mesmo uma “parte fundamental” na vida de Andreia Paulo, nomeadamente para o seu equilíbrio pessoal e saúde física e mental. No entanto, gosta de desportos que tenham um objetivo, pelo que odeia ginásio onde não encontra “graça, objetivo, animação ou jogo”.
As viagens são outra paixão da diretora de comunicação e marketing que começou a viajar sozinha “relativamente cedo”, com 16 anos, numa “altura em que não era tão fácil como agora”. Desde então nunca parou de viajar, apostando em conhecer “o mais diferente do mundo” porque considera que “o mais parecido será mais fácil de conhecer quando for mais velhinha”. Já visitou países como Myanmar, Camboja, Bolívia, Omã, Japão, Argentina ou Tanzânia. “Quando tiver 90 anos” irá então a outros pontos do globo como Suécia ou Dinamarca, países mais organizados e onde é “mais fácil” ir.
A música também sempre a acompanhou, tendo começado a estudar música e guitarra desde cedo. “Hoje em dia, infelizmente, não tenho tanto tempo, mas vai dando para matar o bichinho. Toco guitarra, brinco com o piano, vou fazendo umas coisas quando posso”, diz.
O seu “eu” profissional é uma continuidade daquilo que é na sua vida particular e privada. De “gargalhada fácil”, Andreia Paulo é “aquela pessoa que chora a rir com muita facilidade” mas é também exigente e combativa, segundo a própria.
Além disso, é frontal. “Essa frontalidade é uma das características que me acompanha nestes dois lados da minha vida, particular e profissional. Provavelmente seria uma péssima diplomata, até porque a minha cara normalmente diz tudo, mas acho que isso ajuda a que haja transparência, para as pessoas saberem com o que contam, mas também para a minha própria expectativa de saber com o que conto das pessoas. É saber evitar filtros que podem funcionar como pedrinhas na engrenagem do bom funcionamento das relações, das equipas, do trabalho”, explica.
A profissional de 46 anos considera ainda que o grande desafio da sua vida passa por “fazer coisas com propósito”. “É garantir que não se perde o propósito, nas diferentes frentes, em tudo aquilo que se faz, e isso é um desafio. Todos os propósitos podem ser válidos, mas eles têm que existir. E esse é um desafio gigantesco”, afirma.
Andreia Paulo em discurso direto
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1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?
A nível internacional destaco “Find Your Summer” da Magnum. Tem rasgo criativo, inovação, um insight poderoso e resultados concretos – tudo o que uma grande campanha deve ter. Além disso, é um exemplo brilhante de como o OOH pode ser muito mais do que um meio de exposição – pode ser um gatilho para experiências reais, usando dados meteorológicos em tempo real, tecnologia e criatividade para transformar a perceção de um produto sazonal.
Já em termos nacionais, “Histórias da Nossa Geração”, da EDP. Não só usou dados de forma brilhante, como trouxe emoção, autenticidade e impacto real, ligando tecnologia e storytelling de forma poderosa.
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2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?
Dizer não a uma ideia que tem potencial criativo, mas que não se alinha com a marca ou os objetivos do negócio. Criatividade sem propósito é entretenimento, não marketing.
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3 – No (seu) top of mind está sempre?
Pessoas. O que move as pessoas, o que as inspira, o que as faz agir. Todas as iniciativas de marketing e comunicação devem ser sempre orientadas por um propósito e, no final, devem conseguir mudar comportamentos.
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4 – O briefing ideal deve…
Focar-se naquilo que realmente importa. Qual o problema que queremos resolver? O que nos diferencia? Como podemos criar impacto? E, acima de tudo, dar espaço para a agência surpreender.
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5 – E a agência ideal é aquela que…
Não tem medo de desafiar o cliente. O melhor trabalho criativo nasce do desconforto, de uma boa fricção estratégica.
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6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Arriscar sempre – mas com inteligência. O risco sem propósito é ruído. A inovação acontece quando dados, insights e criatividade se encontram para criar algo que ninguém estava à espera, mas que faz todo o sentido.
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7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Criaria soluções que transformam a vida das pessoas, não só campanhas. A publicidade pode ser um motor para a mudança social e cultural. Se os dados nos dão essa capacidade, por que não usá-los para algo maior?
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8 – A publicidade em Portugal, numa frase?
Brilhante, mas ainda com medo de voar mais alto. Temos talento para estar no topo do mundo – falta-nos, às vezes, a coragem de acreditar nisso.
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9 – Construção de marca é?
Criar cultura. Se uma marca desaparece amanhã e ninguém sente falta, então não era uma marca – era só um produto.
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10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?
O marketing surgiu um pouco em rutura com a minha trajetória profissional, ainda que o gosto pela publicidade tivesse acompanhado toda a minha vida, desde tenra idade, a ver o programa do José Nuno Martins na RTP. Se não trabalhasse nesta área, seria provavelmente a psicóloga clínica que já fui, sem nunca ter interrompido a prática nem os projetos na área da saúde mental, que continuam a captar o meu interesse e a ocupar um lugar especial no meu coração. O fascínio pelo comportamento humano e a forma como as pessoas tomam decisões sempre esteve presente – apenas encontrei um novo espaço para aplicá-lo.
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