Comunicação

Começam os debates. Os pontos fortes e fracos da comunicação dos candidatos a primeiro-ministro

Carla Borges Ferreira,

Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos enfrentam desafios diferentes em termos de comunicação. Três especialistas apontam os pontos fortes e fracos dos candidatos e antecipam a sua prestação.

Sete de abril. A partir de hoje faltam cerca de quatro semanas para o início da campanha eleitoral ou na prática, como dirão muitos, o arranque foi logo na segunda semana de março, altura em que o chumbo da moção de confiança ditou a queda do Governo, menos de um ano após a sua entrada em funções.

Certo é que, independentemente do que venha a acontecer nas ruas — e nas redes sociais —, muito do resultado de 18 de maio se começa a jogar esta segunda-feira, com o arranque dos 28 debates televisivos que vão colocar frente a frente os líderes partidários. A comunicação, e a estratégia adotada neste campo pelos candidatos, assume aqui um papel central e os desafios são distintos para o incumbente e para o líder da oposição.

Ambos estão perante dois grandes desafios: crescer no centro e esquerda e crescer no centro-direita”, diz João Tocha sobre os líderes do PS e da AD, agora AD – Coligação PSD/CDS. “O PSD terá o desafio de recuperar eleitorado que fugiu para o Chega. O PS tem de defender o voto do eleitorado que votou PS e recuperar parte do que votou na inesperada maioria socialista e que pode estar indeciso”, concretiza o diretor-geral da consultora F5C.

José Bourbon Ribeiro acredita que o maior desafio em termos de comunicação está do lado de Pedro Nuno Santos. “A sua maior dificuldade será afirmar, de forma positiva e concreta, alternativas de políticas públicas que o diferenciem do governo atual. O caminho mais fácil — e previsível — seria o de insistir nos casos relacionados com a empresa do primeiro-ministro, mas esse terreno parece cada vez mais estéril”, aponta. Com o eleitorado a mostrar “sinais de cansaço e alguma indiferença face a esses temas”, o managing parter da Wisdom diz que esse papel terá agora de ser assumido por segundas linhas do partido, logicamente sem a mesma visibilidade pública do secretário-geral.

A emotividade e a imprevisibilidade do passado deram lugar a uma ausência de emoção no discurso, uma aparente dependência de um guião, como se o processo de ajustar o estilo de comunicação não tivesse sido concluído. O desafio principal reside, portanto, em estabelecer uma conexão emocional com o eleitorado.

Afonso Azevedo Neves

Account director da AMP Associates

O verdadeiro teste para Pedro Nuno será construir uma narrativa credível, mobilizadora e orientada para soluções. Ou seja, deixar de ser apenas oposição e começar a ser percebido como alternativa — o que exige propostas claras, consistência discursiva e, sobretudo, coerência entre o que defende hoje e o que protagonizou enquanto governante”, aponta Bourbon Ribeiro.

Também Afonso Azevedo Neves atribui a Pedro Nuno Santos o maior desafio. “A emotividade e a imprevisibilidade do passado deram lugar a uma ausência de emoção no discurso, uma aparente dependência de um guião, como se o processo de ajustar o estilo de comunicação não tivesse sido concluído. O desafio principal reside, portanto, em estabelecer uma conexão emocional com o eleitorado”, defende o account director da AMP Associates. “Se o conseguir superar, Pedro Nuno Santos transforma-se num adversário político formidável e muito difícil de derrotar”, antecipa.

João Tocha é igualmente de opinião que Pedro Nuno Santos ainda não encontrou o tom e o posicionamento adequado para progredir eleitoralmente. “Por vezes é demasiado vocal. Tem também alguma potencial negatividade devido a episódios que protagonizou enquanto governante”, descreve. Por outro lado, “pela sua atuação no governo, sabemos que é determinado, que age, que não foge aos desafios”, destaca.

Forçado pela segunda vez a antecipar o seu calendário político, como realça Bourbon Ribeiro, esse facto “pode alimentar a perceção de que ainda não está pronto para liderar um Governo, especialmente num contexto que exige estabilidade e maturidade política face ao contexto nacional e internacional”. Mesmo assim, o managing parter da Wisdom atribui a Pedro Nuno Santos, como trunfos, “uma liderança mobilizadora, discurso combativo e visão clara de país, com forte presença mediática”.

“Montenegro demonstrou liderança e dinamismo. A cadeira do poder e o seu exercício transmitiram-lhe algum carisma e segurança. (…) A reputação pessoal é afetada, mas não o potencial eleitoral de Luís Montenegro e da sua coligação.

João Tocha

Diretor-geral da F5C

Luís Montenegro, por seu turno, parte com a vantagem de ser o atual primeiro-ministro, e em Portugal as eleições tendem a beneficiar o incumbente, aponta. “Ao fim de um ano, soma pontos pela estabilidade governativa, valorização de carreiras públicas, recuperação do eleitorado mais velho e atração de investimento estrangeiro. Destaca-se ainda pela capacidade de recentrar o debate sobre imigração, influenciando até a oposição”, descreve, com uma ressalva: “É inegável que enfrenta fragilidades políticas na saúde e na habitação — sobretudo pelas expectativas temporais de resolução que criou na última campanha eleitoral.”

João Tocha aponta como ponto forte de Luís Montenegro a agenda de iniciativas e projetos que o Executivo protagonizou em várias áreas, nomeadamente ao nível de infraestruturas. “Montenegro demonstrou liderança e dinamismo. A cadeira do poder e o seu exercício transmitiram-lhe algum carisma e segurança”, resume. Como ponto fraco, o episódio com a sua empresa, agora dos seus filhos, que poderá afetar a sua credibilidade. “Não é líquido que este episódio coloque em causa a sua base de apoio e a manutenção ou mesmo crescimento eleitoral, salvo se forem tornadas públicas novas informações controversas graves”, acredita o diretor-geral da F5C. Em suma, “a reputação pessoal é afetada, mas não o potencial eleitoral de Luís Montenegro e da sua coligação”.

Espera-se que os debates ultrapassem o ruído tático e se centrem nas escolhas de fundo que o país tem de fazer. Precisamos de confronto de ideias, não de troca de acusações; de propostas concretas, não de slogans.

José Bourbon Ribeiro

Managing partner da Wisdom

A vantagem inerente ao cargo é apontada também por Afonso Azevedo Neves como um ponto a favor de Luís Montenegro. “Como comunicador político, reúne muitas das qualidades que se adquirem nas juventudes dos partidos, nomeadamente foco, agilidade e assertividade. De facto, o primeiro-ministro em funções demonstra um elevado grau de concentração e assertividade nas mensagens que pretende transmitir, não demonstrando inclinação a evitar o que foi determinado.”

Mas, há um ‘mas’. “Esta conduta resulta frequentemente numa crítica comum, com a qual concordo, que aponta para a agressividade inerente ao estilo de comunicação do primeiro-ministro, em que palavras e gestos não são congruentes”, diz o especialista em comunicação.

Perante este cenário, e com a sondagem da última quinta-feira a apontar para um empate técnico, João Tocha antecipa que Luís Montenegro adote nos debates “uma postura de estadista, de fazedor e de alguém que pede que o deixem continuar a governar”. Pedro Nuno Santos tem “a equação mais difícil”, ou seja, “procurar retirar o capital de confiança do líder do PSD sem cair em exageros que fariam Montenegro vitimizar-se”. Por outro lado, acrescenta Tocha, caberá a Pedro Nuno Santos “demonstrar que este Governo viveu mais de anúncios do que de realizações e que o que inaugurou foram projetos e obras deixadas pelo Governo do PS”.

De Pedro Nuno Santos, exige-se mais do que combate: é necessário apresentar alternativas estruturadas, realistas e compatíveis com os compromissos europeus e orçamentais, para que o seu discurso não se esgote na crítica”, acrescenta José Bourbon Ribeiro.

Já de Luís Montenegro, “espera-se clareza na explicação do rumo iniciado e coragem para assumir as áreas onde ainda há muito por fazer, demonstrando visão de médio prazo”.

“Espera-se que os debates ultrapassem o ruído tático e se centrem nas escolhas de fundo que o país tem de fazer. Precisamos de confronto de ideias, não de troca de acusações; de propostas concretas, não de slogans” reforça o managing parter da Wisdom.

Com o Conselho de Ministros da última quarta-feira, no Mercado do Bolhão, já a confundir-se com uma ação de campanha, os três especialistas em comunicação ouvidos pelo +M desvalorizam o episódio.

O que aconteceu no Mercado do Bolhão é absolutamente normal, legítimo e até habitual na vida política portuguesa. Todos os primeiros-ministros o fizeram”, afirma José Bourbon Ribeiro, lembrando a técnica de António Costa, que tirava a gravata para sinalizar quando falava como secretário-geral do PS ou como primeiro-ministro.

“A questão essencial não está na presença em iniciativas públicas, mas sim na utilização de recursos do Estado — carros, motoristas, meios logísticos — em ações claramente de campanha. É aí que deve existir uma separação rigorosa”, conclui.

A delimitação da fronteira em causa é muito difícil de estabelecer e, apesar das recorrentes queixas à CNE, nunca houve grande vontade de a definir por parte de ninguém”, acrescenta Afonso Azevedo Neves.

João Tocha vai mais longe. “Os políticos deveriam sentar-se e reformular parte da legislação eleitoral disparatada que criaram, aprovaram e que os torna vítimas dos atos legislativos que viabilizaram, bem como de interpretações de quem as aplica. Em matéria eleitoral há uma série de impedimentos legais que não fazem sentido. São inúteis e não conduzem aos resultados pretendidos. Os atores políticos devem poder comunicar e demonstrar a sua atividade livremente”, defende o diretor-geral da F5C. “Não há separação possível, nem pode haver sem falácia, entre candidatos e titulares de cargos políticos. O julgamento eleitoral resulta dessa dualidade”, resume.

O account director da AMP Associates deixa ainda um outro alerta. O maior desafio na comunicação, seja ela política ou empresarial, reside na capacidade de transmitir autenticidade. “A capacidade de transmitir autenticidade é indissociável da própria autenticidade, uma exigência que não deve ser descurada”, reforça.

“Os políticos nacionais que alcançaram maior sucesso foram e continuam a ser, acima de tudo, autênticos. No entanto, a autenticidade não implica necessariamente a presença de atributos como a simpatia ou a empatia. Mário Soares, Cavaco Silva, Marcelo Rebelo de Sousa, José Sócrates, Passos Coelho ou António Costa são políticos com abordagens de comunicação muito diversas, mas todos eles — independentemente das preferências políticas de cada um de nós — foram e são autênticos na forma como comunicam. Esta característica constitui o elemento fundamental do seu sucesso”, dá como exemplos.

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