“Um jovem de 16 anos até pode decidir casar ou mudar de género, mas quase não pode decidir o que come”, diz Teresa Burnay
Aumentar a notoriedade da Auto Regulação Publicitária é um dos objetivos de Teresa Burnay, a nova presidente. Em entrevista, a diretora de media da Unilever comenta também o fim do Playce.

Acompanhar o aumento da regulação na comunicação publicitária e dar formação a anunciantes e agências no sentido de acomodar as alterações legislativas, é um dos desafios da Auto Regulação Publicitária (ARP), organismo que junta anunciantes, agências e meios liderado, desde o início de abril, por Teresa Burnay.
O setor bancário, com nova regulação, ou setor de detergentes e cosmética, “que nos próximos anos vai ter também uma evolução grande em termos de legislação”, são dois dos exemplos dados presidente da ARP em entrevista ao +M.
“Há sempre uma tendência na Europa para termos uma legislação bastante menos liberal do que no resto do mundo, ou nos EUA. As intenções são boas, depois as consequências nem sempre são as melhores, porque acabamos por nos tornar menos competitivos”, comenta a também membro da direção da Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN) e diretora das unidades de Home Care, Personal Care and Beauty & Wellbeing da Unilever.
As marcas deixaram de comunicar, canais como o Canal Panda praticamente desapareceram. Às tantas, chegamos aqui a um exagero em que um jovem de 16 anos até pode decidir casar ou mudar de género, mas quase não pode decidir o que come.
“Se a implementação for feita de uma forma razoável, as intenções são boas e é para evitar também que agora, de repente, todo o ‘gato e sapato’ se apresente como ecológico”, observa. A questão, é “quando se quer ser mais papista do que o Papa”, diz, dando como exemplo a Lei 30/2019, que restringe a publicidade de alimentos e bebidas consideradas não saudáveis a menores de 16 anos.
“A intenção é ótima, mas às tantas chegamos a um ponto em que deixamos de ter praticamente comunicação de produtos alimentares para jovens abaixo dos 16 anos”, targets que, de resto, não são definidos desta forma em media. “As marcas deixaram de comunicar, canais como o Canal Panda praticamente desapareceram. Às tantas, chegamos aqui a um exagero em que um jovem de 16 anos até pode decidir casar ou mudar de género, mas quase não pode decidir o que come”, diz.
Ou seja, “sofrem os meios mais tradicionais, sofrem os anunciantes que não conseguem comunicar nesses meios, mas a implementação não é viável”, prossegue, dando como exemplo a comunicação digital, na qual algumas das restrições “não se conseguem controlar”.
Sucedendo a Nuno Pinto de Magalhães, que exerceu nos últimos dez anos a presidência da ARP, Teresa Burnay começa por referir, sobre as novas funções, ter “big shoes to fill”, pelo que não chega ao organismo que reúne anunciantes, agências e meios com “uma postura disruptiva ou a querer fazer tudo diferente”.
Assim, e em linha com o que já vinha a ser feito, um dos objetivos é “trazer para a autorregulação tudo o que é a área de marketing digital”.
O marketing de influência é outra das prioridades. Neste campo, “estamos melhor, mas acho que ainda há muito para evoluir, especialmente quando comparamos com outros meios. Ainda há muitas irregularidades”, admite a responsável. Dar formação, “em toda a linha” e “aumentar a notoriedade” do próprio organismo são também objetivos do mandato de Teresa Burnay, detalhados em entrevista.
Fim do Playce: “Os anunciantes são os principais lesados”
O fim do Playce, na sequência de uma nota de ilicitude da Autoridade da Concorrência, é outro dos temas abordados na conversa. A também diretora de media da Unilever — e é apenas nessa qualidade que comenta o assunto, não vinculando as suas respostas a APAN — conta que na companhia ficaram “perplexos”.
O Playce “foi uma inovação tecnológica que veio adicionar imenso valor ao mercado, a nós anunciantes. Mesmo os meios de televisão linear estão completamente saturados em termos de oferta, já não têm espaço. O Playce dava-lhes mais uma possibilidade de oferta e de tirar a discussão do preço puro, do CPR (Custo por Resultado), permitindo-nos a nós fazer um bocadinho aquilo que já se faz há muitos anos em digital, que é comunicação targetizada: comprar audiências em vez de comprar o meio X ou meio Y, fazer uma comunicação muito mais eficiente. E fazer isso em televisão, onde temos uma cobertura bastante maior”, começa por enquadrar.
“Perder isto é uma pena. Acho que os anunciantes, claramente, são os principais lesados, são os mais prejudicados”, aponta. Teresa Burnay, já transmitiu a sua “preocupação” à APAN e acredita que mais anunciantes o farão. “Com isso, a direção da APAN, obviamente, tomará ou não uma posição”, antecipa.
O Playce “foi uma inovação tecnológica que veio adicionar imenso valor ao mercado, a nós anunciantes.
Embora não conhecendo “a fundo” o processo, mas “conhecendo pessoalmente toda a gente neste mercado”, a também diretora das unidades de Home Care, Personal Care and Beauty & Wellbeing da Unilever diz ter a certeza que “todos agiram de boa-fé e a querer o melhor para o mercado”.
“Para as [operadoras de] telecomunicações, isto representa um pedacinho muito pequeno, não é o seu core business. Tiveram um trabalho imenso, mas não perdem assim tanto. É muito maior o risco de coima que teriam”, reforça a responsável. Já no caso das televisões, “mesmo para as televisões lineares, era uma forma de diversificar a sua oferta, portanto vai ser uma perda também”, descreve.
E quem ganha com a decisão? “Os meios digitais nacionais também perdem, provavelmente. Aqueles meios que fazem muito programmatic, e que são principalmente internacionais, são provavelmente quem mais vai ganhar”, antecipa a também membro da direção da APAN.
“Os anunciantes que querem fazer comunicação targetizada, que querem comprar audiências, só conseguirão fazê-lo viaprogrammatic. E a compra programática, que é feita em digital, é fornecida através do DV360 da Google ou da Trade Desk”, resume.
Pode assistir à entrevista completa aqui:
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