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“O combate à desinformação é um dos maiores desafios de um profissional de comunicação”. Filipa Raposo de Almeida, da Uber, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

A gestão de crise é uma área na comunicação que alicia Filipa Raposo de Almeida. Diretora de comunicação da Uber há dois anos, encontrou no fit boxing o desporto mais parecido com a dança, que adora.

O combate à desinformação é, efetivamente, um dos maiores desafios com que um profissional de comunicação se pode defrontar“, entende Filipa Raposo de Almeida, diretora de comunicação da Uber e Uber Eats.

Por coincidência, desde a altura em que Filipa Raposo de Almeida assumiu a direção da comunicação da empresa há cerca de dois anos, a Uber — assim como os outros players do setor — tem enfrentado uma questão reputacional, com o surgimento de “histórias e rumores nas redes sociais que acabam por influenciar a opinião de várias pessoas”.

O setor começou a ser alvo de uma forte vaga de fake news que viralizaram nas redes sociais e que giravam à volta de uma história com sprays. Falei com uns colegas do Brasil para perceber a origem, uma vez que lá também se colocava este tema, e foi possível perceber esta foi uma história que surgiu no Brasil em 2021 e que se importou para Portugal“, começa por contextualizar numa conversa com o +M.

“Já há uma série de artigos de meios de comunicação social brasileiros a desmistificar e a desmontar esta história dos cheirinhos, a provar que é falsa. Em Portugal também já tem vindo a ser feito trabalho neste sentido, tanto pelas autoridades, dizendo que realmente não houve casos nenhuns com sprays, como por alguns jornalistas que expõem estas fake news”.

“Contudo estas continuam a estar na ordem do dia. Continuam a surgir novas histórias, novos rumores e isto acaba por ser realmente um desafio para a comunicação e para a reputação da marca e do setor“, diz.

“Na altura, os testemunhos existentes eram de pessoas que na sua viagem já estavam tão em pânico pelo que leram nas redes sociais, que ao estranharem um cheiro no carro — que podia ser o perfume do motorista, o cheiro do carro ou qualquer outra coisa –, entravam em pânico, pediam para parar o carro de imediato e saíam”, diz Filipa Raposo de Almeida.

No entanto, há de facto uma questão de perceção de segurança que se instalou e que é “muito difícil de combater”. “Acredito que vamos lá chegar, principalmente com o apoio das autoridades, porque é sempre diferente ser a PSP ou a PJ, que dispõem dos dados, a mostrarem-no e não a própria marca a dizer que está tudo bem e que todos podem estar tranquilos”.

Embora já dispusesse de mais de 20 ferramentas de segurança ainda antes do surgimento destas histórias, as mesmas ajudam também no combate desta “falsa perceção”. “Se pensarmos bem, a Uber é, sem dúvida, a plataforma de mobilidade mais segura”, afirma a diretora de comunicação, observando que não há outro meio de transporte que permita ao utilizador acompanhar, através de um sistema GPS, o seu trajeto em tempo real, receber de antemão todos os dados sobre o veículo e o motorista, partilhar o estado da sua viagem em tempo real com contactos de confiança ou ter acesso a um botão de pânico.

A gestão de crise, na verdade, é uma parte da comunicação que Filipa Raposo de Almeida aprecia. Também quando trabalhava na CUF e foi liderar a comunicação da parceria público-privada (PPP) do Hospital de Vila Franca de Xira, trabalhou uma das crises “mais intensas” da sua carreira, relacionada com o surto de Legionella.

“O segundo maior surto de Legionella a nível mundial teve ‘epicentro’ no hospital de Vila Franca de Xira e constituímos logo um gabinete de crise em conjunto com o Ministério da Saúde. Naqueles dez dias tivemos jornalistas constantemente à porta do hospital, as televisões sempre a querer entrar em direto… era uma correria de receber e reunir informação, de tentar perceber o que estava a acontecer, se a causa era ou não exterior ao hospital, decidir o que é que íamos passar para fora e a que horas. Foi uma crise muito interessante de gerir, em que o telefone não parava, literalmente, de manhã à noite“, recorda.

Para qualquer gestão de crise, em termos de comunicação, a atual diretora de comunicação da Uber considera que é muito importante, em primeiro lugar, conhecer-se bem a empresa que se está a trabalhar. “Conhecer bem a operação, os profissionais, os sistemas, tudo… porque em caso de crise, temos que dominar bem o negócio, para perceber o que se está a passar, qual é o problema, e agir de forma rápida e transparente, com verdade e com ética“, explica.

Mas é também “sem dúvida” essencial que exista uma “forte ligação à gestão de topo“, para se conseguir perceber “para onde é que o negócio está a ir, que temas é que eventualmente podem surgir, para ser possível antecipar as crises“. “É muito importante esta parte de antecipação”, entende a diretora de comunicação da Uber que conta no seu trabalho com o apoio da agência Lift, que acaba por funcionar como a “extensão” da sua equipa, que se resume a si mesma.

Licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto, a diretora de comunicação que está prestes a completar 37 anos fez depois um mestrado na Universidade do Minho em Publicidade e Relações Públicas, que incluiu um estágio, através do qual foi para a CUF do Porto, numa altura em que o hospital tinha acabado de abrir. “Foi muito interessante participar quase na abertura do hospital no Porto, porque era uma marca que ainda não era conhecida no Porto efetivamente. Foi giro todo este trabalho de implementação da marca, de a dar a conhecer e de trabalhar também a relação com a comunidade, foi bastante interessante“, relata.

Relevante para o seu crescimento e aprendizagem foi também o facto de a responsável pela comunicação da CUF no Porto ter saído pouco depois da sua entrada. “Ou seja, logo no meu primeiro trabalho, ainda muito jovem, acabei por ter muita autonomia, porque fiquei responsável pela comunicação interna e externa da CUF no Porto, reportando diretamente à diretora de comunicação do Grupo”, diz.

Foi então que, três anos depois, lhe propuseram que fosse para a zona de Lisboa para ficar responsável pela comunicação da PPP do Hospital de Vila Franca de Xira. Não hesitou, fez as malas e foi para a capital para poder desempenhar este novo cargo que achou muito interessante desde logo pela “responsabilidade acrescida” de se tratar da comunicação de uma PPP, que “recebe muita atenção mediática, por entrar toda a componente política, com partidos que são a favor e contra estas parcerias”.

Passados cinco anos, e com a perda da PPP em Vila Franca de Xira, o grupo CUF realocou alguns trabalhadores, pelo que Filipa Raposo de Almeida foi para a sede, em Carnaxide, onde não ficou durante muito tempo. Foi contactada pela McDonald’s com uma proposta de um novo desafio, para o qual também não hesitou, uma vez que achou que era uma marca que lhe podia “abrir muitos horizontes”.

Além da comunicação, trabalhou também a publicidade da McDonald’s, ao integrar a direção de marketing e comunicação, tendo apanhado a comemoração dos 30 anos da marca em Portugal. Depois de três anos “muito intensos” de McDonald’s, foi então contactada pela Uber, para assumir a comunicação tanto da Uber como da Uber Eats, encontrando-se na empresa há quase dois anos.

Estou muito satisfeita de estar onde estou. Apesar de serem duas marcas dentro da mesma marca, são dois negócios bastante diferentes, ambos muito pautados pela inovação, que é algo muito interessante e que eu valorizo muito“, refere.

“Em termos de comunicação, trabalhamos muito em ações que possam gerar buzz a nível de PR e de social media. Mas também muito o lado corporate, com temas que vão desde as propostas para revisão à lei dos TVDE até aos casos relacionados com a lei laboral e os estafetas“, aponta.

Nascida em Braga, Filipa Raposo de Almeida foi ainda bebé para o Porto, onde viveu “toda” a sua vida, até que o percurso profissional a fez então rumar para a capital, onde vive com o marido e com o filho de dois anos.

Uma coisa que valorizou bastante a nível pessoal com a transição mais para sul no país foi a oferta cultural mais ampla que encontrou em Lisboa. “Em Lisboa realmente passa-se tudo, a nível cultural é realmente um mundo diferente e com muito mais opções do que o Porto”, refere, apontando que o mesmo acontece também a nível laboral. “Curiosamente, as várias etapas que eu tenho tido no meu percurso profissional foram propostas que me chegaram, mas é realmente notório que acaba por haver muito mais trabalho, nomeadamente nesta área da comunicação, em Lisboa que no Porto“.

Mas Filipa Raposo de Almeida encontra também diferenças na forma de ser e de estar nas pessoas do Norte, as quais considera serem “mais abertas, mais próximas e que mais rapidamente abrem a porta da sua casa”.

“É aquela situação muitas vezes partilhada de que no Norte, quando se pede indicações, a pessoa não só nos indica o local como até nos leva lá. Isto em Lisboa não acontece, ou é muito raro. Acho que em Lisboa parece que as pessoas vivem talvez de forma mais apressada ou mais focada no trabalho. Não diria menos humana, acho que não é isso, mas acho que no Porto acaba por haver mais este espírito de entreajuda e de abertura“.

A atual diretora de comunicação da Uber é, desde pequena, muito apaixonada pelas artes, dentro de vários géneros, mas sobretudo pela dança, tendo começado a dançar aos três anos e praticado vários tipos de dança. Durante a faculdade, e para sua “grande tristeza”, viu-se obrigada a abandonar a prática. “Eu tinha treinos de dança todos os dias mas depois também tinha os exames da faculdade e às tantas a minha professora fez-me um ‘ultimato’ para me obrigar a escolher entre os treinos de dança e a faculdade. Mas eu já tinha percebido desde cedo que não ia ser bailarina e queria tirar o curso, ter boas notas e andar com a minha vida para a frente, pelo que acabei por escolher o curso e deixei a dança”, recorda.

Desde que abandonou a dança, tentou entrar noutras atividades desportivas, “mas sempre sem grande sucesso”. Experimentou ténis, natação e muitos outros desportos, mas só a dança é que a “satisfazia realmente”.

No entanto, encontrou recentemente no fit boxing um desporto que aprecia e que tem praticado, uma vez que o mesmo a faz lembrar a dança. “Primeiro temos treino funcional e depois é calçar as luvas e bater num saco, com murros e pontapés, só que ao ritmo da música, com uma espécie de coreografia. Acho que é por isso que eu gosto. Na prática, acaba por ser dançar, de alguma forma“, aponta.

Filipa Raposo de Almeida gosta também muito de viajar. Depois de ter feito Erasmus em Roma, já voltou muitas vezes a Itália, mas visitou também muitos outros países europeus como França ou Croácia. “Gosto muito de visitar capitais europeias e deste turismo mais cultural, mas também gosto muito da parte de praia e de não fazer nada“, refere, o que também a já levou a visitar outros destino como Bali, Tailândia ou Caraíbas.

Atualmente, o seu maior desafio passa por tentar não se distanciar tanto dos amigos e família mais afastada, uma vez que considera muito importante a componente social e estar com as pessoas de quem gosta. “Não se trata daquele ‘work-life balance’, como se costuma dizer, isso até acho que consigo gerir muito bem“, esclarece.

Mas acho que o dia-a-dia é cheio de tantas coisas, que às vezes o desafio passa por não deixar para trás amigos, família… acho que hoje em dia temos muitas tendência para isso. Pomos um bocado a carreira e a família próxima como prioridades e acabamos por ser engolidos pelas coisas que temos a fazer no dia a dia. Parece que as pessoas com o passar dos anos se afastam, entramos todos no mundo do trabalho e no mundo da família e parece que, naturalmente e estupidamente, a meu ver, acabamos por nos afastar“, reflete.

Filipa Raposo de Almeida, em discurso direto

1 – Qual é a decisão mais difícil para um responsável de comunicação?

Num contexto de crise, talvez a decisão mais delicada seja traçar a linha entre o que podemos e não podemos divulgar, sobretudo quando lidamos com informação confidencial. É o caso, por exemplo, de acusações infundadas de negligência médica, que implicariam a exposição de um caso clínico, ou da propagação de fake news relacionadas com insegurança, cuja forma mais direta de desmentir passaria pela partilha de dados que não podemos divulgar. O combate à desinformação, sem comprometer princípios éticos e legais, é um dos maiores desafios que um profissional de comunicação enfrenta.

2 – No (seu) top of mind está sempre?

Reputação, diferenciação e empatia. Tentar ver a perceção da reputação e de tudo o que diz respeito à marca do ponto de vista do consumidor e, a partir daí, trabalhá-la, procurando sempre acrescentar valor e diferenciar a marca. A diferenciação, para mim, é fulcral.

3 – O briefing ideal deve…

Ser claro, curto e conciso. Sou fã do one page brief, mas reconheço a necessidade de ser acompanhado de uma conversa de esclarecimento para garantir que estamos ambos na mesma página.

4 – E a agência ideal é aquela que…

É a extensão da equipa e sente-se como tal, procurando acrescentar valor e não apenas executar.

5 – Em comunicação é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Arriscar. Inovar e arriscar é essencial para uma marca se manter relevante, evoluir e surpreender o consumidor.

6 – Como um profissional de comunicação deve lidar e gerir crises?

Antes de mais, deve procurar evitá-las, antecipando-as e, para tal, precisa de dominar o negócio e de um forte alinhamento com a gestão de topo e equipa. Em caso de crise, deve inteirar-se completamente da situação e compreendê-la em detalhe, por forma a poder antever eventuais impactos e, então, partir para a definição da estratégia, na qual não pode nunca faltar ética, transparência, celeridade e proximidade. Por mais complexos que os temas sejam, devemos procurar simplificá-los e ser claros na mensagem a passar.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Fazer muito com pouco é um desafio excelente para alguém como eu, que valoriza poder ser criativa e inovar. Recentemente criámos o programa Experiências Exclusivas para membros Uber One, proporcionando experiências verdadeiramente únicas e inesquecíveis, como mais nenhuma marca oferece no nosso país. Investiria na criação de mais iniciativas diferenciadoras como esta, por forma a continuar a surpreender e superar as expectativas do consumidor, e, assim, fomentar a relação com o mesmo.

8 – A comunicação em Portugal, numa frase?

Privilegia a relação com os diversos públicos, por forma a conquistar a sua confiança, com transparência, coerência e verdade.

9 – Construção de marca é?

Cada passo que damos. É a soma de todas as experiências que criamos — do contacto mais funcional à emoção mais inesperada. Construir uma marca é construir uma relação que se quer próxima, coerente, com propósito e com uma cultura de serviço que se sente em cada detalhe. Mais do que comunicar, trata-se de encantar. Só assim garantimos fidelização e relevância a longo prazo. As marcas que ficam na memória são aquelas que conseguem surpreender e ligar-se ao nosso emocional de forma consistente, com experiências que nos tocam, inovadoras e genuínas — marcas que ouvem, evoluem e se tornam parte da vida das pessoas. No fundo, não é só sobre o que fazemos, mas como fazemos sentir.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em comunicação?

Sinto-me muito realizada nesta área e, nomeadamente, na Uber. Se tivesse de escolher outra área, teria de ser algo que me permitisse criar, inovar e poder ser disruptiva, acrescendo a possibilidade de resolver desafios complexos. Talvez não me afastasse muito e ficasse pelo marketing e publicidade.

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