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O dia em que a rádio ganhou

Rafael Ascensão,

O apagão demonstrou a importância da rádio em emergências, com os portugueses a tirarem das gavetas os seus aparelhos a pilhas. Associação reclama apoio na aquisição de geradores nas rádios.

A rádio foi, talvez, o sistema de comunicação mais resiliente. Voltámos ao passado“. As palavras são de Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas, quando explicava como o Governo apostou essencialmente neste meio para comunicar, uma vez que “as redes de telecomunicações estavam em baixo”.

O apagão que assolou o país esta segunda-feira levou a situações um tanto caricatas e a imagens que já há muito tempo não se viam: famílias e grupos de pessoas à escuta em volta de pequenos rádios a pilhas – que esgotaram em diversas superfícies comerciais – ou a circundarem um automóvel para conseguir captar as informações que as emissões de rádio continuavam a levar até si, quando as televisões, a internet e tudo o resto falhava.

“Mais uma vez se mostrou a importância da rádio em FM. A rádio é decisiva uma vez que, com geradores em funcionamento nas rádios e com a Proteção Civil a garantir o seu funcionamento através do fornecimento de gasóleo, permite que qualquer pessoa em qualquer ponto do país consiga ouvir as emissões desde que tenha um rádio a pilhas ou um autorádio, sendo essa a única forma de conseguir aceder a informação credível“, diz Luís Mendonça, presidente da Associação Portuguesa de Radiodifusão, ao +M.

A ideia é secundada por Nuno Galopim, diretor da Antena 1, segundo quem o dia do apagão ilustrou a ideia de que a rádio “liga Portugal”. “No momento em que ficámos privados de eletricidade, não podendo recorrer a outras fontes de informação e com os acessos à internet também muito afetados, a rádio manteve a sua capacidade de informar as pessoas, não só sobre o que estava a acontecer mas também sugerindo informações úteis sobre aquilo que deveria ou não cada um fazer“, refere.

Luís Mendonça reforça também que as rádios “foram o foco de estabilidade e de confiança” que permitiram a transmissão de informação credível. “As pessoas que foram a correr para os supermercados, como depois se viram algumas imagens, foram as que se informaram pelas redes sociais e que foram alarmadas pelas falsas notícias, pela desinformação, que não foi o que feito na rádio. E aqui se comprovou também mais uma vez a diferença entre fontes credíveis e fontes desestabilizadoras“, aponta.

Depois de se dar conta da dimensão do apagão, a Antena 1, que se manteve operacional através de geradores – os quais permitiram o funcionamento não só dos seus centros de emissão em Lisboa e no Porto, mas também dos próprios emissores, “que não registaram nenhuma quebra ao longo de todo o dia” – optou por “desformatar imediatamente” a emissão e iniciar uma “emissão especial”.

Nesta emissão em contínuo e que se prolongou durante cerca de 12 horas, até que a luz começasse a regressar a grande parte do país, a estação espalhou a sua equipa por escolas, hospitais ou zonas de trânsito trânsito, para dar uma imagem do que estava a acontecer no país.

“E foi isso o que fizemos, acompanhando este trabalho da emissão com a criação de alguns conteúdos e informações úteis para as plataformas digitais, nomeadamente as redes sociais e o próprio site, e direcionando depois cada um para a escuta da rádio“, que se afirmou como a solução mais fiável, refere Nuno Galopim.

Ao início da tarde, já se encontrava no site da Antena 1 esse direcionamento para a rádio: “Devido a uma falha de energia na rede europeia, está a ocorrer um apagão. Atualizações em direto na Antena 1. Ligue o seu rádio (a pilhas) ou escute a emissão no carro”.

Também o Correio da Manhã, por exemplo, incentivava à escuta da sua rádio, meio a que chegou em novembro passado. “Um corte de energia elétrica afetou Portugal Continental e Espanha, esta segunda-feira. O apagão está a afetar igualmente algumas comunicações telefónicas. Acompanhe todas as informações ao segundo na Correio da Manhã Rádio. A CMR está disponível nas frequências 90.4 em Lisboa e 94.8 no Porto”, lia-se no site do jornal.

Outra decisão da Antena 1 passou pela aposta numa emissão em simultâneo em todas as rádios da RTP, pelo que a partir das 16 horas a Antena 1, Antena 2, Antena 3, RDP África, RDP Internacional, Antena 1 Madeira e Antena 1 Açores, passaram a transmitir uma emissão em comum com a “missão de dar a conhecer o que estava a acontecer no país”.

No entanto, à exceção das rádios nacionais, a maioria das rádios de todo o país ficaram sem emissão no dia de ontem por falta de geradores, questão para a qual a Associação Portuguesa de Radiodifusão alerta desde o início dos anos 2000, altura em que levantou a questão de que numa situação de catástrofe as rádios seriam o único elo de ligação às populações.

Na altura, foi explicado ao Governo que a única forma de garantir essa ligação seria com a ajuda na aquisição de geradores, para que quando houvesse uma eventual catástrofe, as rádios estivessem preparadas com geradores permitindo o seu funcionamento, recorda Luís Mendonça. E esse processo de colocação de geradores nas rádios até começou por ser implementando, com o apoio na aquisição destes equipamentos de forma faseada mas, após uma substituição governativa, não foi dada continuidade ao processo.

“E o que acontece hoje em dia é que a maior parte das rádios portuguesas, não têm, neste momento, sistemas com geradores. Algumas delas têm sistemas UPS (Uninterruptible Power Supply) mas estes duram algumas horas, no máximo três, não dando para situações como a que foi vivida esta segunda-feira“, diz o presidente da Associação Portuguesa de Radiodifusão.

E isto acontece apesar de o Estado português ter protocolado, através da Proteção Civil, que as rádios são um meio essencial, pelo que “terá de fazer tudo – tal como acontece, por exemplo, com os hospitais – para que estas não deixem de transmitir, garantindo o seu funcionamento”, diz Luís Mendonça.

Neste sentido, “quando tomar posse o novo governo vamos insistir que é importante que as rádios continuem a fazer parte deste plano para emergências, mas também que haja, por parte do Estado, um apoio para a aquisição de geradores, porque as rádios também estão interessadas e disponíveis para dar esse contributo em nome da proteção civil de todos“, acrescenta.

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