Comunicação

“Se a ideia era afastar os eleitores da política, parabéns aos envolvidos. Missão cumprida com distinção”

Carla Borges Ferreira,

O +M pediu a Edson Athayde e José Bourbon Ribeiro uma avaliação do debate "todos contra Montenegro" e, em simultâneo, uma antecipação do que será a campanha. As respostas são dadas na primeira pessoa.

A noite de domingo ficou marcada pelo frente a frente entre os líderes de todos os partidos com assento parlamentar. Transmitido pela RTP1, com um share de 13,8% e uma audiência de 6,9%, o debate foi acompanhado por cerca de 610 mil pessoas, sendo apenas o 11º programa mais visto do dia. Ao fim de quase duas horas e meia de discussão, no debate “todos contra Montenegro” e no qual a Spinumviva e a imigração transpiraram do arranque da campanha, só os liberais mostraram abertura para conferir estabilidade governativa à AD.

“O debate “todos contra todos” tem, por norma, um efeito quase ritualista para quem ocupa o cargo de primeiro-ministro ou lidera a governação: transforma-se numa espécie de “corredor polaco”, essa prática iniciática – usada em vários desportos, mas agressiva – em que o alvo atravessa duas fileiras de adversários que, a cada passo, o fustigam com ‘calduços’ ou pontapés”, descreve José Bourbon Ribeiro, managing partner da Wisdom.

O tempo foi quase todo gasto numa espécie de pingue-pongue mal jogado: “A culpa é tua”, “não, é tua”, “o teu amigo fez isto”, “e o teu fez aquilo”. Faltou só aparecerem com pastas de arquivo e dizerem: “Tenho aqui a prova de que em 2004 tu disseste que ias baixar o IVA e não baixaste”, acrescenta Edson Athayde, CEO e COO da FCB.

O certo é que está dado o arranque para a campanha, que já está na estrada, e no dia 18 os portugueses vão às urnas. Com este pano de fundo, o +M pediu aos dois especialistas em comunicação uma avaliação do debate e, em simultâneo, uma antecipação do que será a campanha. As respostas são dadas, na primeira pessoa, por Edson Athayde e José Bourbon Ribeiro.

“Se a ideia era afastar os eleitores da política, parabéns aos envolvidos. Missão cumprida com distinção”

Edson Athayde, CEO e CCO da FCB e Rodrigo Viana de Freitas, CEO da Central de Informação, em entrevista ao ECO/+M - 26FEV25
Edson Athayde, CEO e CCO da FCBHugo Amaral/ECO

Cansado e cansativo: eis o resumo possível daquilo a que assistimos domingo à noite, sob a alcunha de debate. Lamentável, sobretudo porque ainda há muita campanha pela frente e nós, teimosos cidadãos, ainda nutrimos a esperança ingénua de ouvir qualquer coisa parecida com ideias. De preferência novas. E boas. Mas não.

O tempo foi quase todo gasto numa espécie de pingue-pongue mal jogado: “A culpa é tua”, “não, é tua”, “o teu amigo fez isto”, “e o teu fez aquilo”. Faltou só aparecerem com pastas de arquivo e dizerem: “Tenho aqui a prova de que em 2004 tu disseste que ias baixar o IVA e não baixaste”.

Entre quem causou estas eleições e quem comprou o quê com o dinheiro de quem, ou quem gosta menos de imigrantes, houve pouco ou nenhum espaço para o que realmente importa: saúde, habitação, salários, educação, Europa, guerra, a economia mundial pós-Trump… Coisas assim sem importância.

Se a ideia era afastar os eleitores da política, parabéns aos envolvidos. Missão cumprida com distinção. Ficámos a saber tudo sobre as tricas, intrigas e pequenas mágoas da nossa elite política. Faltou só alguém dizer “vou-me embora, não estou para isto”.

Entre quem causou estas eleições e quem comprou o quê com o dinheiro de quem, ou quem gosta menos de imigrantes, houve pouco ou nenhum espaço para o que realmente importa: saúde, habitação, salários, educação, Europa, guerra, a economia mundial pós-Trump… Coisas assim sem importância.

Edson Athayde

CEO e CCO da FCB

No fundo, não foi um debate. Foi uma conversa de elevador em que ninguém carrega no botão do andar para que a coisa se mova dali. E nós lá dentro, com o oxigénio a acabar, à espera que alguém diga qualquer coisa que faça sentido.

Não parece que o resto da campanha vá ser diferente. Para que fosse, era preciso que eles quisessem pensar, fazer e falar de forma distinta. Mas não querem. Porque, no fundo, todos acham que já ganharam. Ou já perderam. Como uma vez disse Dilma Rousseff, ex-Presidente do Brasil, com a sua lucidez poética, numa língua muito parecida com o português: “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”.

Pela Negativa: Todos os participantes, incluindo o moderador que, ao optar abrir o debate com o tema da empresa de Montenegro, acabou por imprimir ao debate um tom caceteiro.

Pela Positiva: a equipa de produção da RTP. Conseguiram entregar boas imagens do grupo, nomeadamente quando deixavam vazar a imagem de algum candidato que não estava a falar. Jamais esquecei a cara de tédio da Mortágua ao ouvir os seus companheiros de show.

“Um debate menos sereno, mais caótico – e, por isso mesmo, mais confuso. Foi esse, aliás, o tom do debate deste ano”

José Bourbon Ribeiro, managing partner da Wisdom

O debate “todos contra todos” tem, por norma, um efeito quase ritualista para quem ocupa o cargo de primeiro-ministro ou lidera a governação: transforma-se numa espécie de “corredor polaco”, essa prática iniciática – usada em vários desportos, mas agressiva – em que o alvo atravessa duas fileiras de adversários que, a cada passo, o fustigam com calduços ou pontapés.

Nesse formato, os desafiantes, dos mais relevantes aos mais periféricos, procuram destacar-se através de intervenções mais enfáticas e incisivas, marcando terreno e procurando diferenciar-se. O resultado tende a ser um debate menos sereno, mais caótico – e, por isso mesmo, mais confuso. Foi esse, aliás, o tom do debate deste ano.

Luís Montenegro fez aquilo que, na sua posição, lhe era mais sensato: falou pouco, defendeu a governação dos últimos 12 meses e manteve-se impávido e sereno perante múltiplas provocações, oriundas de todos os seus oponentes. A postura contida que tanto o prejudicou na gestão do caso Spinumviva revelou-se, neste contexto, a sua maior aliada. A sua serenidade, num debate dominado pela agitação, acabou por se destacar.

Terá servido para mobilizar as hostes da AD, que, embaladas pelos sinais positivos das últimas sondagens, viram em Luís Montenegro um líder sereno, com domínio dos dossiers e, nesta noite, um vencedor.

José Bourbon Ribeiro

Managing partner da Wisdom

Outro vencedor da noite foi Paulo Raimundo. A sua prestação assentou numa intervenção clara, no respeito pelo tempo e pela vez dos outros, e numa linguagem acessível, dirigida a todos os que o viam e ouviam em casa. Reforçou, neste formato mais tumultuoso, a boa performance que já havia demonstrado nos debates a dois.

Pedro Nuno Santos, que revelara preparação e assertividade nos confrontos anteriores, viu-se encurralado pelo fardo que carrega: os anos de governação de António Costa. Da esquerda à direita, quase todos os adversários – Montenegro, Ventura, Raimundo, Mortágua e Rui Rocha – aproveitaram a oportunidade para o associar ao estado atual do SNS e à crise na Habitação. O líder socialista não escondeu a irritação e não apresentou uma resposta politicamente eficaz que pudesse ressoar junto do eleitorado.

É pouco provável que este debate em particular, pelo formato e duração, altere significativamente as escolhas dos eleitores. No entanto, terá servido para mobilizar as hostes da AD que, embaladas pelos sinais positivos das últimas sondagens, viram em Luís Montenegro um líder sereno, com domínio dos dossiers e, nesta noite, um vencedor.

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