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A comunicação no imobiliário era cinzenta mas agora é exigido “um lado mais humano”. Joana Silva, da Savills, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

Oriunda de Palmela mas sempre com o sonho de viver e trabalhar em Lisboa, Joana Silva cumpriu o sonho a trabalhar na Savills. De gargalhada fácil, adora decoração de interiores e organizar eventos.

Há mais de 13 anos na Savills, Joana Silva, atual associate director marketing, aponta que, quando entrou na área do imobiliário, havia “muita formalidade” na comunicação, que era “muito institucional, séria, cinzenta“, algo que foi mudando com o desenrolar dos tempos.

“Claro que ainda é preciso esse cuidado em ter um lado formal e sério, porque estamos a lidar com clientes muito corporativos, e há aqui um lado muito informativo. Tentamos comunicar dessa forma, de manter os nossos clientes informados e de lhes fornecer informação que seja relevante para o negócio e para a tomada de decisão, o que requer seriedade”, enquadra em conversa com o +M.

Mas, ao mesmo tempo, “o paradigma mudou e acho que exige agora também um lado mais humano e de proximidade, e portanto diria que se calhar é necessário um equilíbrio entre o que é formal ou sério e a parte humana, que é algo que consideramos que é cada vez mais relevante e importante para conseguirmos ter uma relação de proximidade com o cliente”, afirma a responsável.

Recuando até ao início do seu percurso, Joana Silva começou por se licenciar em marketing, na Escola Superior de Ciências Empresariais (do Instituto Politécnico de Setúbal), após o que fez um estágio profissional não ligado ao marketing e mais focado na área administrativa, por volta de 2011/12. “Foi um período muito crítico porque na altura havia muito desemprego em Portugal. Estávamos com uma grande crise, grande parte dos meus colegas e amigos tiveram de ir para fora, foi um período complicado”, recorda.

Após o estágio, teve então a oportunidade de entrar para a empresa espanhola Aguirre Newman, onde ainda hoje se mantém mas já com o nome de Savills, após um processo de aquisição. Numa altura em que a Aguirre Newman, com uma presença essencialmente ibérica, tinha cerca de 400 colaboradores (sendo que Portugal conta apenas com cerca de 30 pessoas para este número), Joana Silva entrou como estagiária para o departamento de marketing da empresa, desenvolvendo “muito trabalho de atualização de base de dados, contactos telefónicos, ligando para empresas a perguntar se tinham necessidades imobiliárias”.

“Ao início era um bocadinho complicado, porque ligava para as empresas e perguntava se tinham necessidades imobiliárias e tinha que falar com o responsável da empresa mas as secretárias não passavam o telefone. Mas lá consegui dar a volta porque comecei a pedir para falar com os responsáveis das empresas como se já os conhecesse há bastante tempo“, recorda com uma gargalhada.

Com “muita vontade de trabalhar e de fazer coisas diferentes e de aprender“, Joana Silva foi pedindo cada vez mais trabalho pelo que, após seis meses, a convidaram para assistente do departamento de marketing. Esse foi assim o início do seu trabalho em marketing, e “se for comparar agora a forma de trabalhar, o marketing na altura era muito diferente“.

“Foi nessa altura que se começou a falar muito em digital. Ainda não fazíamos email marketing, enviávamos cartas por correio com ativos imobiliários a mostrar produtos, por exemplo. Foram anos de muita mudança e houve aqui esta exigência de ir acompanhando o que estava a acontecer, o que se lançava no mercado, indo acompanhando essas tendências e aplicando-as na empresa“, refere a profissional de 37 anos.

Mas foi no final de 2017, quando a Aguirre Numa foi adquirida pela Savills que houve “toda uma transformação, principalmente cultural, em que se passou de uma empresa espanhola para uma empresa inglesa, multinacional, presente em mais de 70 países e com mais de 40 mil colaboradores”. “Era uma realidade muito diferente, a de trabalhar numa multinacional. Houve aqui um processo de aprendizagem, um processo de rebranding, com a aquisição, e foi preciso comunicar e fazer toda esta transformação interna e externa da passagem da Aguirre Newman para a Savills“, diz.

Além de comunicar a marca, o departamento de marketing da empresa tinha também de desenvolver o marketing de todas as áreas de negócio da Savills, que conta com uma oferta de serviços “muito diferentes” dentro do ramo imobiliário como sejam de arquitetura, gestão de imóveis, consultoria, mediação ou de investimentos.

Mas isto sempre numa perspetiva B2B (business-to-business) até que, em 2020, a Savills lançou em Portugal a área de residencial, algo “totalmente novo”, uma vez que se passou a comunicar para um público B2C (business-to-consumer). “A forma de comunicar acaba por ser muito diferente e teve de haver uma adaptação, que também foi muito interessante e desafiante“, considera Joana Silva.

Toda esta experiência na Savills “tem sido muito rica” por ter a “responsabilidade de trabalhar a marca e uma comunicação mais institucional numa vertente B2B e outra B2C”. “Apesar de ser uma multinacional e ter obviamente algumas regras a cumprir, também houve sempre muita liberdade de fazer acontecer e de pôr em prática aquilo que eram as ideias. Claro que nem sempre trazem os resultados que pretendemos, mas há a possibilidade de testar e perceber o que funciona ou não funciona“, observa.

Fui crescendo juntamente com a empresa e isso desafiou-me e tirou-me muito da zona de conforto. Hoje em dia já é muito raro as pessoas ficarem tanto tempo numa só empresa e às vezes, quando eu comento que estou há 13 anos, as pessoas surpreendem-se. Mas a verdade é que foram experiências muito diferentes”, diz a líder de uma equipa composta por 16 pessoas em Portugal.

Embora conte com o apoio das agências SSW (em termos de paid media) e YourBranding (na escolha dos melhores canais para a marca estar presente), a Savills acaba por desenvolver a grande maioria do trabalho de forma interna. “Mas não acho mal que se trabalhe com agências. Isso é bom e é importante que aconteça de vez em quando, porque é importante irmos buscar alguma visão de fora, para também nos ajudar a evoluir“, aponta.

Oriunda de Palmela, Joana Silva mudou-se para Lisboa há cerca de oito anos, quando começou a fazer uma especialização em marketing digital. Já trabalhava em Lisboa, mas estando a realizar uma especialização durante o período noturno, sentiu essa necessidade. Além disso, sempre sonhou viver na capital, pelo que “aproveitou a deixa” para se mudar para Lisboa, onde vive com as duas filhas, Caetana e Carolina, e com o marido Gonçalo.

Sempre tive esta vontade e quando fui trabalhar para Lisboa foi espetacular, abriu-se todo um mundo, consegui criar relações fantásticas e passei, no fundo, a fazer toda a minha vida em Lisboa, já só ia mesmo a Palmela dormir. Quando, em 2017, decidi fazer a especialização, pensei que ‘não era tarde nem era cedo’ para experimentar viver em Lisboa“, relata.

“Depois já não consegui sair daqui, conheci o meu marido, ele também era aqui de Lisboa e acabei mesmo por ficar. Foi muito fácil esta adaptação, até porque acho que foi também gradual, não foi um choque de realidade. Mas quando me mudei definitivamente foi espetacular, tornei-me mais livre, porque não estava dependente de sair do trabalho e ter de apanhar transportes para ir para o outro lado [do rio] e então também se tornou mais fácil para me dedicar a outras coisas que nem sempre tinha tempo“, acrescenta.

Apaixonada por tudo o que envolve criatividade, Joana Silva é adepta confessa de decoração e design de interiores. “Passo muito tempo a pesquisar e a procurar e já tenho muitos amigos que me consultam para dar uma ajudinha. Às vezes o tempo que tenho livre gosto de pesquisar, procurar, no fundo enriquecer a minha cultura visual, que é uma área que sempre gostei muito”, diz.

Além disso, ao longo de toda a sua vida, tem sido sempre também uma “grande impulsionadora e organizadora de eventos” para a família e para os amigos. “Estou sempre à procura de espaços e de eventos e já organizo também alguns eventos para alguns amigos. Nada profissional, não é trabalho, é só uma ajuda e é uma coisa que me dá imenso gozo. Quando estou assoberbada e com muita coisa a acontecer, andar no mundo da decoração ou dos eventos é algo que me relaxa, tranquiliza e permite desanuviar“, confessa.

Considera-se também uma pessoa “extremamente social“, pelo que aprecia muito estar entre família e amigos, como seja “numa almoçarada, com bom tempo, numa praia, a beber bom vinho”.

Gosto muito de aproveitar estes momentos ao máximo porque acho que temos muito pouco tempo livre. E cada vez mais o que eu sinto é que o pouco tempo que temos tem de ser muito bem aproveitado. Isto é um pouco cliché, mas é a verdade e acho que é uma realidade que afeta toda a gente. Acho que temos mesmo que analisar o pouco tempo que temos para aquilo que é importante“, aponta.

Além disso, vê-se também como uma pessoa determinada com “muito boa energia e muita vontade de fazer acontecer“. “Detesto que me digam que algo é impossível. Se calhar só não foi tudo bem explorado. Eu sou aquela pessoa que vou primeiro explorar todas as opções e depois sim, se não for mesmo possível, procura outra alternativa, porque alguma há de haver”, diz.

De gargalhada “super fácil e alta”, confessa-se também adepta do risco e da experimentação, sempre com uma forte orientação para os resultados, pois dá-lhe “gozo olhar para os números e perceber o impacto” do que faz.

Joana Silva em discurso direto

1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?

Das mais recentes em Portugal, destaco a campanha “Bock”, da Super Bock. O tom emocional e forma genuína como aborda a realidade de que nem sempre estamos bem, nem sempre estamos “super”, é um sentimento com que todos nos identificamos. É raro uma marca, de cerveja menos ainda, associar-se a estes “moods”. Ousado também, é brincar com a identidade da marca e retirar o “Super” no produto, materializando a ideia principal da campanha: nem sempre estamos super, mas nada que amigos e uma Super Bock não resolvam

No panorama internacional, apesar de já ter uns anos, lembro-me da campanha “Retratos de Beleza”, da Dove. A campanha toca num tema fundamental: a autoestima e a forma como nos percecionamos versus a forma como somos percecionados. Embora aprecie campanhas que me fazem soltar uma gargalhada, esta campanha tão original e emocional, impactou-me imenso. Pela autenticidade, pela identificação e reconhecimento.

2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?

A decisão mais difícil é resistir à pressão do “efeito manada”. Muitas vezes existe uma certa tendência ou pressão em replicar o que muitos fazem só porque se tornou norma no mercado. Acredito que o grande desafio é manter o foco naquilo que realmente faz sentido para a marca e não nos deixarmos desvirtuar mesmo quando o contexto nos empurra noutra direção. Isso exige clareza, confiança e visão estratégica.

3 – No (seu) top of mind está sempre?

Como posso criar valor? Seja para a marca, para o negócio e, acima de tudo, para as pessoas. Esta é a grande premissa que, cada vez mais, me acompanha e desafia. Vivemos num contexto saturado de estímulos, em que o consumidor é constantemente impactado por uma enorme quantidade de informação. A única forma de realmente chegar até ao mesmo é com relevância, e a relevância só se conquista criando valor.

4 – O briefing ideal deve…

O briefing ideal deve dar origem à campanha ideal. Sem falhas, 100% eficiente! Mas como a perfeição não existe e raras são as coisas que ficam bem à primeira, acredito que o briefing mais próximo do ideal, é consciente e cúmplice, fala a mesma linguagem de quem o vai receber. Transmite claramente as expectativas, os objetivos e a audiência que queremos impactar, deixando espaço para o original e criativo brilharem.

5 – E a agência ideal é aquela que…

A agência ideal é aquela que cria valor connosco, que conhece a nossa marca a fundo, se envolve, aconselha e trabalha em parceria connosco, como uma verdadeira extensão da nossa equipa.

6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Prefiro arriscar. Acredito que a ousadia para fazer algo diferente gera maior impacto e conexão. Creio que as pessoas estão saturadas de ver “mais do mesmo” e do que é politicamente correto e, por isso, é cada vez mais necessário inovar para captar a atenção.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Acredito que não é pelo facto de se ter um orçamento ilimitado que se deve fazer ações por fazer, sem estratégia. Isso não é garantia de sucesso. É fundamental escolher as iniciativas com cuidado, alinhadas com o posicionamento da marca. No entanto, com um orçamento ilimitado, apostaria em ações que exigem investimentos mais elevados, focando em aumentar o brand awareness de forma diversificada, multicanal e integrada. Apostaria também, e sobretudo, em proporcionar experiências únicas e diferenciadas ao cliente, pois acredito que o futuro do marketing passa por criar experiências personalizadas que provoquem sensações e conexões.

8 – A publicidade em Portugal, numa frase?

Cada vez mais ousada e ‘on time’. Acho muito português “a necessidade aguça o engenho”, penso que a nossa criatividade nasce dessa condição, apesar das aparentes limitações que começam logo na dimensão reduzida do nosso mercado, Portugal sempre exportou ideias e já “importou” algum reconhecimento internacional, prova disso são os prémios que vamos ganhando como os Young Lions.

9 – Construção de marca é?

A construção de marca é um verdadeiro desafio e exige tempo. Trata-se de um processo estratégico que visa comunicar e refletir a verdadeira identidade e os valores da marca, de forma a ser corretamente percecionada. É um caminho longo, que se percorre com consistência, para criar uma ligação de confiança e reconhecimento junto do nosso público.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?

Provavelmente continuaria numa profissão onde a criatividade tivesse também um papel central, como designer de interiores ou designer de produto.

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