“Não houve nenhuma interferência política ou pressão” na reorganização da RTP, assegura Nicolau Santos
Afirmando que António José Teixeira é um “enorme profissional", o presidente do conselho de administração disse que "não é isso que está em causa", mas antes a necessidade de iniciar um "novo ciclo".
“Não houve nenhuma interferência política, nenhuma pressão, para procedermos a esta reorganização da RTP“, assegurou Nicolau Santos, presidente do conselho de administração da RTP. Esta reorganização “é absolutamente necessária para fazer face à transição digital que todos os meios de comunicação social — em particular os públicos — estão a fazer em todo o mundo”, disse ouvido em audição parlamentar esta terça-feira, na sequência da demissão da direção de informação da televisão e da reorganização da empresa.
A audição, no âmbito de um requerimento do Livre e do PS, acontece um dia depois de a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ter dado parecer favorável à nomeação de Vítor Gonçalves para diretor de informação da RTP e à destituição de António José Teixeira.
Segundo Nicolau Santos, a RTP “atuou no seu legítimo direito de propor uma nova organização da empresa e de novos diretores para essa organização”, estando neste momento a dar cumprimento às linhas de orientação do projeto estratégico “que foram aprovadas pelo conselho geral independente [CGI] e endossadas ao conselho de administração”.
“Estamos estritamente a cumprir as linhas de orientação estratégicas que nos foram dadas pelo CGI, que é a estrutura a que temos de responder”, disse o responsável, acrescentando que esta estrutura é também a responsável por nomear ou exonerar os elementos do conselho de administração, segundo o atual modelo de organização da RTP. Este modelo foi implementado durante o Governo de Passos Coelho e criado por Miguel Poiares Maduro, “um modelo que se aproxima muito do da BBC e que visa precisamente travar qualquer tipo de influência política no funcionamento da RTP“, detalhou ainda Nicolau Santos.
Observando que António José Teixeira é um “enorme profissional”, o presidente do conselho de administração disse que “não é isso que está em causa”. “É um novo ciclo que se inicia e é um ciclo diferente que, do nosso ponto de vista, exigia uma nova visão, uma nova energia, uma nova capacidade para entender estas transformações, para trabalhar em conjunto com as diferentes áreas e proceder às modificações que consideramos serem fundamentais para salvaguardar o serviço público em Portugal tal como existe atualmente”.
E a ideia de que há uma rutura completa com a direção de informação exonerada “não é verídica”, vincou. “Vão haver pessoas que estavam nesta direção de informação e que vão passar para a próxima. Nós queremos continuar a trabalhar com o António José Teixeira, é uma cara da RTP, estará seguramente no ecrã e na rádio, e não o queremos tirar”, acrescentou.
Questionado sobre o facto de já ter apontado os resultados da RTP3 como um dos motivos para a exoneração de António José Teixeira — o qual rebateu este argumento, inclusive num artigo de opinião — Nicolau Santos disse que a avaliação foi feita de forma “global” e não só à RTP3.
No entanto, “nesta matéria não há perceções, há relatórios da GFK sobre as audiências“, disse, apontando que o último relatório mostrava que o share da RTP3 variava entre 1 e 1.1% e que a RTP3 “é o único canal que não sobe em todas as faixas, falhando o incremento na tarde, onde está estacionado nos 0,9%“. “Mas este não foi o argumento [para a exoneração], foi uma das avaliações que fizemos”, sublinhou.
O problema, na verdade, não está só na informação, defendeu Nicolau Santos, apontando que “por isso é que esta reorganização ultrapassa em muito a questão da direção de informação da RTP”. O presidente do conselho de administração deu a RTP2 como exemplo, canal que é “indispensável”, tendo em conta o espaço que dedica às artes e cultura, mas que a administração pensou que “pode dar um salto em frente”, pelo que também junto desse canal ocorreu substituição de Teresa Paixão por Gonçalo Madail, que passa a liderar a RTP2 em acumulação com a RTP Memória.
Nicolau Santos foi questionado precisamente sobre a criação de “super direções”, uma vez que, com a sua nova organização, a RTP passa a ter 23 diretores (com cinco direções em acumulação), que comparam com os atuais 30 diretores e diretores adjuntos. “Antes éramos acusados de termos muitos diretores, e penso que tínhamos demasiados diretores. E entendemos que enxugar a empresa, até tendo em conta os constrangimentos financeiros, fazia sentido“, afirmou.
Também na semana passada foi ouvido o diretor de informação exonerado, António José Teixeira, sobre o mesmo tema. “Nunca saberei se calhar completamente todas as razões que possam estar nas circunstâncias por detrás da decisão. A razão que me foi apresentada, de renovação, é uma que eu obviamente devo considerar como motivo para o que aconteceu. Se houve algo mais, eu não consigo responder, mas é uma pergunta que obviamente é legítima”, disse na audição parlamentar.
“Sou jornalista há bastantes anos e tenho feito algum exercício de análise política. Poderia até correr o risco de tentar fazê-lo, de alguma forma em causa própria, mas não acho que isso seja obviamente adequado. E portanto deixo para outros a avaliação do que entenderem em relação ao contexto, ao timing, etc“, afirmou também.
A direção de informação da RTP foi demitida a 24 junho pela administração, que anunciou o jornalista Vítor Gonçalves como novo diretor de informação da RTP. A alteração aconteceu na mesma altura em que a gestão anunciou uma reorganização interna, enquadrada nos objetivos do novo Projeto Estratégico para o triénio 2024-2026.
Sobre a nomeação de Vítor Gonçalves, Nicolau Santos defendeu que este tem um currículo “impressionante, relativamente ao trabalho que desenvolve há 33 anos na RTP”. “No quadro das pessoas que estariam disponíveis para assumir a mudança na RTP, com uma visão de futuro, ele era obviamente a pessoa indicada”, justificou.
Com a reestruturação anunciada, o organograma da RTP passa a estar organizado em quatro grandes áreas de atividade e será subdividido em 28 direções, em vez das 39 atuais: corporativa (10), operações (quatro), conteúdos temáticos (sete) e conteúdos programáticos (sete).
“Temos claramente a consciência que as pessoas estão a ver muito mais os conteúdos nos tablets e telemóveis e menos na televisão linear. Há mudanças que têm de ser feitas e formas de trabalhar dentro da RTP que têm de ser alteradas. Tem de haver uma colaboração muito maior entre os profissionais da rádio, televisão e digital e esta organização tem a ver com uma resposta a isso”, justificou Nicolau Santos na audição.
No âmbito da renovação e qualificação dos trabalhadores, o plano elegia também como fatores críticos de sucesso o lançamento de um plano de saídas e novas contratações “com competências digitais”, a realização de um programa de formação “multiplataforma, inteligência artificial e funções técnicas” e manutenção da paz social, com “maior participação, mecanismos de motivação e maior transparência na comunicação”.
Recorde-se que a primeira fase do plano de saídas voluntárias da RTP, cujas candidaturas terminaram a 18 de abril, contou com mais de 130 candidatos, um número que se situou “acima do previsto”. O custo previsto para esta fase situava-se na ordem dos 5,5 milhões de euros. Uma segunda fase de saídas voluntárias está prevista para o final do ano, mas dependerá de financiamento.
Além do plano de rescisões, a empresa tem em curso investimentos de cerca de 16 milhões na remodelação de instalações, nomeadamente os estúdios, e na compra de material. Nicolau Santos refere que foi pedido – e já autorizado pelo Governo – um financiamento de 40 milhões de euros. Em 2025, a RTP deverá ter um prejuízo de 18,2 milhões de euros, interrompendo 15 anos consecutivos de lucros, estima o presidente. O regresso aos lucros deverá acontecer em 2027.
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