Agência admite “debilidades crónicas” na gestão do dispositivo de combate a incêndios

  • Lusa
  • 23 Setembro 2025

Responsável da agência integrada dos fogos rurais defende que deve estar na tutela do ministro da Presidência. Incêndios consumiram quase 34 mil hectares em áreas protegidas até 22 de setembro.

O presidente da agência integrada dos fogos rurais disse esta terça-feira que “há debilidades crónicas” na gestão do dispositivo de combate, avançando que este ano o sistema não conseguiu proteger as aldeias e gerir o fogo dentro das florestas.

Na comissão parlamentar de Agricultura e Pescas, onde foi ouvido esta tarde, o presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), Tiago Oliveira, sublinhou que “era previsível” os incêndios consumirem “áreas ardidas muito grandes”, como aconteceu este ano.

“O que não era previsível era a pressão que houve nos territórios agrícolas, ou seja, o fogo escapou para muitos territórios em que o mosaico não foi aproveitado enquanto oportunidade de supressão”, disse, dando como exemplo os incêndios nos concelhos da Mêda, Penedono, Sernancelhe e na Cova da Beira onde o fogo passou por 27 aldeias e “nem todos tinham bombeiros”.

Segundo Tiago Oliveira, o sistema de combate “não teve a velocidade de antecipação e de enquadramento para dar a resposta e proteger aquelas aldeias”.

“Algumas aldeias até sobreviveram, não houve feridos e até fatalidades porque estavam preparadas pelo programa Aldeia Segura ou porque havia gente lá de férias e arregaçou as mangas e fez o seu trabalho”, frisou.

O responsável da agência que coordena os fogos rurais avançou que o sistema também não teve “capacidade de antecipação para gerir o fogo dentro da florestas e aproveitar as oportunidades de ancoragem que os incêndios foram permitindo”.

Há crónicas debilidades na gestão do dispositivo, tanto do combate como da prevenção“, afirmou, ressalvando que ainda não há uma análise ao que se passou este ano.

Agência de gestão deve estar na tutela do ministro da Presidência

Por outro lado, o responsável da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais considerou que este organismo “continua a ter um papel relevante” no sistema, defendendo que devia estar na tutela do ministro da Presidência e não do Ministério da Agricultura.

“Quer a OCDE, quer as Nações Unidas, quer nós, temos vindo a sugerir que a agência se mantenha sempre por debaixo da presidência do Conselho de Ministros, agora ministro da Presidência”, disse.

Tiago Oliveira recordou que nos governos do PS a AGIF esteve na tutela do primeiro-ministro “para ter força política para imprimir as mudanças necessárias, seguindo as recomendações da CTI”, mas no executivo liderado por Luís Montenegro passou para a alçada do Ministério da Agricultura.

“Não obstante com delegação de competências do primeiro-ministro temos feito os esforços possíveis e ao nosso limite e dentro da esfera das nossas capacidades políticas para influenciar os outros ministérios a alinhar pelos princípios que nos normam”, disse.

Tiago Oliveira disse aos deputados que a AGIF “continua a ter um papel relevante para levar a cabo o SGIFR (Sistema de Gestão Integrado de Fogos Rurais), que está “em metade do seu caminho”. Para o presidente da AGIF, esta agência “continua a fazer sentido”, existindo questões a melhorar no âmbito do sistema e outras que “foram resolvidas”.

Incêndios consumiram quase 34 mil hectares em áreas protegidas

Entre 1 de janeiro e 22 de setembro, os incêndios consumiram cerca de 34 mil hectares de áreas protegidas, com a serra da Estrela e o Douro Internacional a concentrar mais de metade da área ardida, segundo dados oficiais.

De acordo com dados provisórios do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), esta área corresponde “a 5,6% do total da superfície das áreas protegidas” que foram atingidas por fogos rurais em 2025 e “a 4,4% da área total da Rede Nacional de Áreas Protegidas (superfície terrestre)”.

As chamas afetaram principalmente o Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE) – onde arderam 9.302 hectares (ha), o correspondente a 10,4% da área protegida – e o Parque Natural do Douro Internacional – onde os incêndios consumiram 9.199 ha (10,6%). Juntos, estes dois parques concentram mais de metade da área total consumida pelo fogo na Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP).

Os dados revelam, contudo, que foi a Paisagem Protegida da Serra do Açor que registou, até segunda-feira, a maior percentagem de superfície ardida. Os 351 ha consumidos pelas chamas correspondem a 93,9% daquela área protegida. Na Paisagem Protegida Regional da Serra da Gardunha, a percentagem é menor, mais ainda assim representa 41% da sua superfície. No total arderam 4.346 ha.

Ainda segundo os dados provisórios enviados à Lusa, no Parque Nacional da Peneda-Gerês arderam 5.909 ha (8,5%) e no Parque Natural do Alvão 1.700 ha (23,5%). Também foram afetados o Parque Natural da Serra de São Mamede (841 hectares), o Parque Natural Regional do Vale do Tua (783 ha), a Paisagem Protegida Regional Parque das Serras do Porto (673 ha) e o Parque Natural de Montesinho (494 ha).

Questionado sobre o impacto destes incêndios no desenvolvimento dos Programas Especiais de Áreas Protegidas (PEAP), o ICNF esclarece que, face ao incêndio que começou em Piódão e se alastrou, na noite de 17 de agosto, ao Parque Natural da Serra da Estrela, o PEAP do parque que se encontra na Fase 1 – referente ao Estabelecimento da Situação de Referência em desenvolvimento – “será atualizado para incluir os dados dos recentes incêndios”.

Segundo aquela entidade, o incêndio que atingiu o Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE) entre os dias 16 e 25 de agosto “afetou comunidades vegetais de relevância ecológica”.

A área ardida, que incluiu 41% de pinhais de pinheiro-bravo, levou à necessidade de priorizar a intervenção nestas áreas de pinhal para auxiliar na estabilização dos solos e de outros materiais e noutras de “máxima relevância ecológica” como “áreas de carvalhal, salgueirais, medronhal, zimbral, cervunais, piornais e matos de urzes higrófilas, por tratar de áreas de máxima relevância ecológica, algumas únicas e com valor identitário do território afetado”.

Relativamente ao Parque Nacional da Peneda-Gerês, não se prevê que o fogo de julho afete a conclusão do Programa Especial (prevista para este ano ainda), uma vez que a problemática já está identificada como uma das “principais condicionantes” no seu planeamento.

No entanto, está a ser ponderada a criação de uma área de intervenção específica, “a exemplo do que foi considerado para o caso da Mata do Mezio, ardida anteriormente, que estabeleça um conjunto de ações específicas para recuperação e restauro dos habitats afetados”.

Segundo o ICNF, os mais recentes incêndios “não afetaram a execução dos outros PEAP, na medida em que estes se encontram em fase de elaboração do processo de recondução a programa especial”.

No entanto, considerando o impacto dos fogos rurais nos territórios afetados, especialmente no Parque Natural do Alvão e no Parque Natural do Douro Internacional, aquela entidade admite “vir a ser ponderada a inclusão de Áreas de Intervenção Especifica, direcionadas à promoção de ações de recuperação e restauro de habitats”.

Na Paisagem Protegida da Serra do Açor, onde 93,9% da área protegida ardeu, o recente incêndio será considerado na proposta de Programa de Execução, que já inclui medidas de recuperação e restauro de habitats e de prevenção estrutural. Também neste caso, não se perspetivam alterações significativas na proposta de Programa Especial.

Em agosto, três dos quatro programas especiais para áreas naturais protegidas, a cargo do ICNF e que em 2023 estavam em “estado avançado de elaboração”, continuavam por concluir e apenas um aguardava aprovação.

Também a passagem de 20 dos 25 Planos de Ordenamento de Áreas Protegidas (POAP) a Programas Especiais, em curso desde 2023, se encontrava, à data, em fase de elaboração da proposta preliminar, a meses do fim do prazo determinado em concurso.

Os POAP estabelecem a política de salvaguarda e conservação que se pretende instituir na Rede Nacional de Áreas Protegidas do continente, integrada por 51 áreas, entre as quais um parque nacional, 13 parques naturais, nove reservas naturais, duas paisagens protegidas e sete monumentos naturais. Vinte e cinco têm POAP em vigor.

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