Municípios portugueses com contas sólidas. Imobiliário e turismo contribuem cada vez mais

Anuário Financeiro da OCC revela que são já 33 os concelhos que cobram taxa turítica, uma multiplicação em mais de cinco vezes face ao que acontecia há um par de anos.

A solidez financeira dos municípios portugueses não foi afetada pela aceleração de projetos no ano pré-eleitoral de 2024, com 190 dos 308 concelhos do país a apresentarem contas em que a receita liquidada supera a despesa comprometida. Este número significa um reforço de 39 municípios no lado das “contas certas”. No total, regista-se um saldo positivo de 399 milhões de euros, apesar de os passivos financeiros (novos empréstimos) sofrerem um ligeiro aumento de 69,3 milhões, para 373 milhões, o valor mais elevado desde 2022.

As conclusões estão no Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses 2024, realizado pelo Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA) para a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC). No horizonte analisado, desde 2014, apenas em 2015 a despesa tinha superado a receita, ao passo que, em 2022, se verificara um excedente superior a 600 milhões, valor mais alto neste horizonte temporal.

Maria José Fernandes, responsável pelo estudo, salienta “a estabilidade e a solidez das contas das autarquias. Há um crescimento da despesa compensado pelo crescimento da receita, o que é de todo positivo”, destaca a também presidente do IPCA.

Há um crescimento da despesa compensado pelo crescimento da receita, o que é de todo positivo.

Maria José Fernandes

Presidente do IPCA

Neste 21.º Anuário Financeiro apurou-se uma ligeira diminuição da independência financeira global dos municípios, nota o estudo: menos dois pontos percentuais, para 33,7%. O tipo de território interfere nessa capacidade de gerar receitas próprias, destacou. Nos grandes municípios, 57,5% do total de receitas são geradas pela própria câmara. Já nos pequenos, só 24,6% das receitas são próprias. Note-se que só quando as receitas próprias representam pelo menos metade do total obtido pela autarquia se considera que esta atingiu o patamar da independência financeira.

Quanto ao equilíbrio orçamental – “fundamental na análise das contas globais”, nota a coordenadora do estudo – princípio que considera a despesa e a receita à luz da Lei 73/2013 (regime financeiro das autarquias), os autores verificaram 279 municípios com as contas no “verde”.

Já os municípios com desequilíbrio orçamental baixaram de 33 para 29. Destes, nove estão “fora dos parâmetros da sustentabilidade admitida pelo artigo 40 da Lei das Finanças Locais”, notou a presidente do IPCA.

Por outro lado, no que concerne ao saldo global orçamental – o que se gasta e se recebe efetivamente, uma análise obrigatória na discussão do contributo das autarquias para o défice público –, 196 municípios apresentaram excedente, com isso permitindo-se executar investimentos com fundos próprios. Outros 112 mostraram-se no “vermelho”. No caso destes mais de 100 com saldo negativo, significa a necessidade de recorrerem a financiamento externo, destacam os autores.

No conjunto dos 308 municípios houve um saldo global positivo pelo décimo ano consecutivo, agora em 375 milhões de euros, valor que, contudo, representa uma redução de 213 milhões face a 2023. No horizonte analisado no Anuário, apenas em 2014, último ano da troika em Portugal, houve um saldo global negativo no cômputo geral dos 308 municípios (-207 milhões). De lá para cá, as contas ficaram sempre no “verde”, mas, se excetuarmos 2021, a margem positiva de 2024 foi a mais baixa numa década.

• Em 2024, 61 municípios ( -7 que em 2023) apresentaram independência financeira igual ou superior a 50%. Destes, 20 foram municípios de grande dimensão, 32 de média dimensão e nove de pequena dimensão;
• 74 municípios (mais 12 que em 2023), todos municípios de pequena dimensão, tiveram receitas próprias com níveis inferiores a 20% das receitas totais;
• 57 municípios (mais 11 que em 2023), todos de pequena dimensão, têm dependência das transferências acima de 80% das receitas totais;
• Em 2024 houve 165 municípios que não recorreram a empréstimos bancários, mais um que no ano transato. Nesta situação estiveram 106 municípios de pequena dimensão, 11 municípios de grande dimensão e 48 municípios de média dimensão.

Outras das conclusões remete para as transferências de verbas a partir do Terreiro do Paço. Em 2024, o Estado central assegurou 82% do total das transferências. No período analisado, iniciado em 2014, significa uma subida para mais do dobro da verba atribuída aos municípios, para cinco mil milhões de euros. Face a 2019, quando iniciou a transferência de competências para municípios e entidades intermunicipais, o valor subiu de 2,93 mil milhões para os 5,1 mil milhões do ano passado. Em relação a 2023, a subida representou quase 20% mais.

Do lado dos fundos comunitários, em que se verificou um acréscimo de 12%, o encerramento do quadro comunitário do PT2020 elevou a fasquia dos dinheiros provenientes de Bruxelas para 738 milhões, valor igualmente recorde desde 2014.

Também no capítulo de “outras transferências e fundos autónomos” os municípios atingiram novo recorde em dez anos, para 361 milhões de euros.

Imobiliário e Turismo a acelerar receitas

Em 2024, cresceu significativamente a receita cobrada pelos municípios, cerca de 1,3 mil milhões de euros mais, para 13,1 mil milhões. As transferências representaram 47% do total, num aumento contínuo desde 2016, agora para 6,2 mil milhões, mais 16% do que em 2023, “muito fruto da transferência de competências”, explica Maria José Fernandes.

Também nos impostos o bolo continua a aumentar. Em 2024 foram quatro mil milhões de euros só nos diretos: 43% de IMT, 37% de IMI, 12% derrama e 8% IUC. “Pelo terceiro ano consecutivo, o valor cobrado do IMT ultrapassou o do IMI, situação que se verificou pela primeira vez em 2021”, frisa a responsável pelo estudo. As subidas de 2021 e 2022 atingiram variações de 38% e 26%, em 2024 o valor do IMT praticamente estagnou, crescendo 14 milhões de euros para 1,73 mil milhões. No caso do IMI houve uma ligeiríssima redução de quatro milhões, para 1.500 milhões.

Mas se no imposto pago anualmente no imobiliário as autarquias mantêm desde 2014 um valor sustentado entre os 1,47 mil milhões e um máximo de 1,51 mil milhões obtidos em 2018, já na cobrança feita pelas Finanças no ato da escritura, em sede de IMT, mais que triplicou a parte que cabe aos cofres das autarquias. Em 2014 eram 488 milhões, em 2018 tocaram nos mil milhões, e desde 2022 que rondam os 1,7 mil milhões.

Daqui se pode depreender que entre crescimento de transações e aumento do preço do imobiliário há um claro reforço financeiro para a gestão local.

Em termos relativos, coube à derrama, tributação sobre empresas, o maior reforço face a 2023, mais 14%, para 481 milhões.

Além do imobiliário, também o turismo vai fazendo o seu caminho na folha de cálculo da tesouraria municipal. No caso da taxa turística, são já 33 os concelhos que a cobram, uma multiplicação em mais de cinco vezes face ao que acontecia há um par de anos. Em 12 destes municípios, a taxa turística já supera 1% da receita total da câmara. O maior contributo ocorre em Santa Cruz, na Madeira (6,1%), seguindo-se Porto (5,7%), Lisboa (4,7%), Lagoa, no Algarve (4,4%) e Portimão (4%). Com 2,7% e 1,8%, respetivamente, estão mais dois concelhos do Algarve, Vila Real de Santo António e Faro – entre estes 12, conta-se mais um algarvio, Olhão.

Já do lado da despesa, o maior crescimento (tanto relativo como absoluto) ocorreu na aquisição de bens e serviços, que subiu mais de 400 milhões para 3,45 mil milhões de euros. Ainda assim, continua abaixo da despesa com pessoal, que totalizou no ano passado 3,97 mil milhões de euros, um acréscimo que desde a pandemia já supera os mil milhões. Em parte, os 269 milhões de euros pagos a mais do que em 2023 devem-se ao descongelamento de carreiras, destacam os autores do estudo, salientando que quatro municípios baixaram a despesa com pessoal.

No balanço final, a receita cresceu 1,3 mil milhões e a despesa 901 milhões.

Ponto relevante para estas contas é o grau de execução orçamental, no qual se olham as receitas cobradas e a despesa paga, face ao inicialmente previsto. E se apenas 35 dos 308 concelhos cobraram menos de 80%, já os que executaram menos de 80% dos pagamentos totalizaram 198 municípios. Destes dois não chegaram a pagar metade do devido. No lado das contas mais certas, só 11 pagaram entre 90% e os 100% do esperado.

Apesar de estar pronto desde setembro, a apresentação do anuário foi remetido para agora para “evitar criar ruído nas eleições autárquicas”, afirmou a responsável pelo estudo. Maria José Fernandes destaca a necessidade de “aprovação da figura do contabilista público e serem contabilistas públicos a assinar as contas das autarquias e de toda a administração pública”, o que implica revisão de legislação em vigor.

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