Operador da Flixbus quer investir dez milhões em autocarros elétricos entre Lisboa e Porto

Operador de autocarros da Flixbus, da Carris Metropolitana e da UNIR prepara projeto de 10 milhões com autocarros da Yutong, marca sob polémica na Europa. Falta de carregadores é um constrangimento.

Gabriel Couto, presidente da Auto Viação Feirense, planeia um investimento na ordem dos dez milhões de euros para tornar a operação da Flixbus entre as duas maiores cidades portuguesas totalmente elétrica.

A Auto Viação Feirense, operador com cerca de 500 autocarros na estrada, dos quais 84 elétricos de passageiros da marca Yutong, está a planear investir dez milhões de euros para ligar Lisboa e Porto apenas com veículos elétricos. Gabriel Couto, presidente da empresa de Santa Maria da Feira, explica ao ECO/Local Online o seu plano e recusa embarcar na polémica que por estes dias recaiu sobre a Yutong, após ter sido descoberto por um operador norueguês um cartão SIM oculto em autocarros da marca chinesa.

Admitindo que para eletrificar as 64 viagens diárias necessita de um investimento na ordem dos dez milhões de euros, o empresário nem vê aí o maior constrangimento. “A maior dificuldade [para esta massificação] está nas extremidades, no Porto e em Lisboa, ter capacidade de carregamento” explica. A empresa necessitará de “megacarregadores” com potências muito superiores ao dos supercarregadores de automóveis, o que exige uma ligação especial à corrente.

O constrangimento ainda por resolver está, detalha, na necessidade de identificação de instalações perto da Gare do Oriente ou da Estação de Campanhã onde se possam instalar esses “megacarregadores”.

Estamos a preparar com a Yutong um autocarro que consegue absorver grande capacidade de energia muito rapidamente. Dão-nos uma garantia de fábrica de 1,5 milhões de quilómetros. Não consigo falar com os europeus nestes números, porque eles falam-me em 200 mil quilómetros.

Gabriel Couto

Presidente da Auto Viação Feirense

“Se queremos carregar o autocarro muito rapidamente, não podemos deslocá-lo para longe, a perder tempo. O autocarro faz quatro vezes 300 km por dia. O tempo de carregamento é o segredo”, diz. “Estamos a preparar com a Yutong um autocarro que consegue absorver grande capacidade de energia muito rapidamente. Dão-nos uma garantia de fábrica de 1,5 milhões de quilómetros”, revela. “Não consigo falar com os europeus nestes números, porque eles falam-me em 200 mil quilómetros”, lamenta.

Para lá do argumento ambiental e dos custos de exploração a favor dos elétricos, acresce a maior fiabilidade, assegura. Em contraponto está o preço de compra, de cerca de 220 mil euros para um autocarro com motor Diesel e mais de 400 mil euros para um elétrico. No deve e haver financeiro das duas opções, são os apoios europeus para descarbonização a justificar o elétrico, explica o empresário, apesar de não ver comparação no que toca à garantia de disponibilidade dos veículos ao longo da vida útil.

Tradicionalmente, “os autocarros não são fiáveis, dão muitos problemas de manutenção. As dificuldades da operação por falha dos autocarros é uma permanente. Os autocarros elétricos vieram dar um pontapé nisto. Temos menos falhas na estrada do que teríamos com os autocarros a gás ou Diesel. É uma nova era”, diz o responsável cujos autocarros elétricos estão em serviço urbano e interurbano inserido nas redes Carris Metropolitana, na Área Metropolitana (AM) de Lisboa, e UNIR, na AM do Porto, além da Flixbus na ligação Lisboa-Porto

Autocarro Yutong elétrico Carris Metropolitana
A empresa de Santa Maria da Feira opera autocarros para a Carris Metropolitana, na Grande Lisboa, e a Unir, no Grande Porto, Nestes serviços tem 82 veículos Yutong elétricos

Autocarros Yutong da Carris Metropolitana, Unir e Flixbus também têm cartões SIM

Questionado sobre a relação entre a sua Auto Viação Feirense – operadora com 84 Yutong elétricos em operação na Carris Metropolitana e Unir, a que se juntam dois na ligação da Flixbus entre Lisboa e o Porto -, e o fabricante chinês, Gabriel Couto detalha que os primeiros contactos datam do período pré-pandemia.

Nessa altura, a empresa portuguesa estava focada em tours turísticos na Europa, transportando sobretudo passageiros asiáticos. Um deles, chinês, promoveu um encontro do empresário com responsáveis da Yutong, e daí nasceu uma relação sólida.

Logo em 2018, viajou até à fábrica, onde se deslumbrou com as instalações da dimensão de “uma cidade dentro da cidade”, cerca de 20 mil trabalhadores e autocarros autónomos a circularem no perímetro das instalações.

Hoje, o proprietário desta empresa com cerca de 500 autocarros e 70 milhões de euros de faturação anual, é, para lá de detentor de 84 autocarros elétricos e algumas unidades Diesel e a gás natural da Yutong, também o interlocutor entre o fabricante chineses e potenciais clientes em Portugal. Em troca da intermediação no contacto, desvenda ao ECO/Local Online, tem acesso a descontos especiais em componentes e peças de substituição.

Yutong Mundial Qatar 2022
Gabriel Couto interessou-se pela compra dos Yutong elétricos que serviram durante breves meses no Mundial de Futebol no Qatar, em 2022, de modo a aproveitar os descontos consideráveis em unidades com escassa utilização. Percebeu então que as especificações europeias são distintas e o negócio borregou. Esta é, defende, prova de que os autocarros que chegam à Europa cumprem com normas rigorosas. Um argumento contra a hipótese de haver dispositivos escondidos nos autocarros para controlo remoto pela Yutong.

A ligação entre Porto e Lisboa com uma operação 100% elétrica na transportadora Flixbus (a quem a empresa de Santa Maria da Feira fornece o serviço, tal como faz com as operadoras de serviço público nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto), funcionará como “projeto piloto” para a Yutong. Um tubo de ensaio já antes ocorrido nos autocarros interurbanos em que o interior está disposto numa configuração interior similar à dos veículos de longa distância. Nesse caso, a operação da Carris Metropolitana que inclui a transposição da Ponte Vasco da Gama exige, por imposição legal, que todos os passageiros viajem sentados, contrariamente às carreiras urbanas, onde há menos lugares sentados e espaço para viagem de pé. O primeiro destino do autocarro elétrico Yutong com essa configuração foi precisamente esta carreira.

Sobre a polémica espoletada na Noruega, já com ecos em outros países, designadamente no Reino Unido, onde a investigação envolve a agência de cibersegurança, e também em Portugal, o empresário reage “com estranheza”. Assumindo como explicação para a polémica potenciais efeitos das disputas comerciais entre Europa e China — desde logo na mobilidade elétrica –, considera: “estão a utilizar os autocarros como uma ferramenta numa guerra que não é nossa”.

Os fabricantes de autocarros, não só a Yutong, a Mercedes-Benz com os Diesel que fazem a Flixbus, por exemplo, dão-nos informações sobre o estado do autocarro. A pressão dos pneus, temperatura do motor, velocidade, quantos quilómetros tem, etc. A forma de transmitir, tradicional, é via cartão SIM. Os autocarros têm um cartão SIM que comunicam connosco.

Gabriel Couto

Presidente da Auto Viação Feirense

Sobre o cartão SIM nos veículos, detetado na Noruega por um operador rodoviário daquele país, diz entender a sua presença. “O cartão SIM é utilizado para comunicações. Nós, na Carris Metropolitana e na Unir, comunicamos com os autocarros e com a autoridade, a TMP e a TML. Os autocarros dão informações, em Lisboa do número de passageiros e das rotas, no Porto só das rotas, um sem número de informações, às autoridades metropolitanas sobre o que cada um dos autocarros está a fazer. Consigo saber quantos passageiros transportei até esta hora, ou quantos estão a transportar neste momento”.

Através destes cartões SIM, o operador recebe um sinal de seis em seis segundos. “Os fabricantes de autocarros, não só a Yutong, a Mercedes-Benz com os Diesel que fazem a Flixbus, por exemplo, dão-nos informações sobre o estado do autocarro. A pressão dos pneus, temperatura do motor, velocidade, quantos quilómetros tem, etc. A forma de transmitir, tradicional, é via cartão SIM. Os autocarros têm um cartão SIM que comunicam connosco”.

Referindo-se às funcionalidades da aplicação da Yutong disponibilizada ao operador dos autocarros (como é o seu caso), Gabriel Couto assegura que “não há qualquer tipo de controlo” sobre a condução ou a abertura e fecho de portas, por exemplo.

Como fundamento para a sua crença de que não existe, a partir da China, possibilidade de comandar, de forma remota, a viatura – ao contrário do que alguns temem, designadamente a Iniciativa Liberal, que já pediu esclarecimentos ao primeiro-ministro sobre os veículos Yutong a operar em Portugal – o empresário português recorda o episódio em que foi necessário assegurar que as várias baterias de um autocarro ainda não matriculado estavam com um nível de carga similar (“balancear as baterias”, explicita). A solução apresentada pelo fabricante foi deixar o ar condicionado ligado durante dois dias, até esgotar a carga. “Se eles fizessem isso remotamente, não precisavam de nos dar instruções. Tinham informação de que baterias não estava balanceadas, mas não tinham forma de descarregar as baterias, ligando o autocarro”.

Questionado sobre a sua proximidade ao fabricante, o empresário faz questão de realçar: “Não defendo os interesses da Yutong. Defendo os interesses da nossa empresa, do nosso setor. Acho espantoso que o primeiro-ministro fale de autocarros. Somos uma atividade silenciosa, que não aparece nas notícias. Costumo dizer que somos uma marca branca, desconhecida, mas transportamos mais pessoas que a TAP”.

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