Ministro defende comboio no centro da cidade. Mas está a favor do fim da estação central de Coimbra
Em novembro de 2019, Pedro Nuno Santos defendeu que o comboio pesado tem de ir ao centro da cidade. Três anos depois, não levanta obstáculos ao fim da ferrovia no centro de Coimbra, no início de 2024.
“Só vamos combater a falta de espaço se as pessoas chegarem à cidade de comboio. Ao centro da cidade! […] Não há nenhum meio de transporte, nem metro nem ferrovia ligeira que consiga fazer frente ao comboio pesado. Seja em Lisboa ou no Porto, o comboio tem de continuar a ir ao centro da cidade.” As declarações são do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e datam de 27 de novembro de 2019. Três anos depois, o ministério que tutela não levanta obstáculos ao fim do comboio no centro da cidade de Coimbra, processo que está a ser liderado pela empresa Metro-Mondego, da qual o Estado é acionista maioritário, com 53%.
“O encerramento da ferrovia no troço entre Coimbra e Coimbra-B, previsto para o 1º semestre de 2024, é uma consequência da implementação do Sistema de Mobilidade do Mondego [SMM]”, assim refere ao ECO fonte oficial do gabinete de Pedro Nuno Santos.
A tutela foi questionada depois de se saber que a estação central de Coimbra vai fechar na primeira metade de 2024. A partir daí, quem morar no centro da cidade dos estudantes só poderá contar com um autocarro articulado e em via dedicada (BRT) para chegar à estação ferroviária de Coimbra-B.
O Governo corrobora a posição da Metro-Mondego, que defende que o autocarro articulado é a única solução para a cidade melhorar a sua rede de transportes públicos. Há um movimento cívico que contesta esta posição e que defende a compatibilidade entre autocarros e comboios.
“Os dois meios de transporte não são concorrentes mas sim complementares, servem utilizadores e propósitos completamente diferentes. A linha de metrobus serve fundamentalmente para movimentos intraurbanos, algo que não poderá ser feito pelo comboio”, defende ao ECO um dos líderes do movimento, Luís Neto.
Se for implementada como está pensada, a rede de BRT permitirá ligar diretamente os municípios de Lousã e de Miranda do Corvo ao centro de Coimbra. No entanto, “vai obrigar-se 1,3 milhões de passageiros anuais com origem nos municípios de Mealhada, Pampilhosa, Aveiro, Mortágua, Alfarelos, Figueira da Foz, Pombal e Soure a fazer mais um transbordo completamente desnecessário em Coimbra-B”, lamenta o movimento.
Acesso à Baixa e avenida como alternativa
A tutela alega também que o meio de transporte sobre rodas “vai melhorar consideravelmente a acessibilidade à Baixa de Coimbra, com ligações rápidas e frequentes a Celas, a Coimbra-B ou à Solum, o que permitirá beneficiar a atividade económica daquela zona”. O gabinete de Pedro Nuno Santos salienta mesmo que “apenas um terço dos passageiros que desembarcam na Estação Nova [Coimbra-A] tem como destino final a Baixa de Coimbra”.
O dado é contestado pelo movimento, que entende que “o número que interessa saber é que percentagem dos passageiros dos comboios suburbanos segue o seu caminho a pé até aos seus destinos finais, face aos que têm de apanhar um autocarro da SMTUC [empresa municipal de autocarros de Coimbra]. Desde a Estação Central é possível chegar, em menos de 15 minutos, a pé, à Baixa, Fernão de Magalhães, Emídio Navarro, Universidade, Estádio Universitário e Santa Clara”.
O movimento cívico volta a defender que é possível usar a Avenida Fernão de Magalhães para o BRT em vez de retirar os carris entre Coimbra-B e o centro da cidade dos estudantes. Com uma largura entre fachadas de 35 metros, nesta avenida seria possível colocar “duas vias para o BRT, duas vias automóveis por cada sentido e ainda mais passeios, de largura generosa Apenas se teria de abdicar do estacionamento em espinha na avenida e das vias mais à direita, que servem apenas para manobras desses estacionamentos”.
Como a câmara liderada por José Manuel Silva “tem encerrado uma série de vias ao tráfego” e “reiterado que é preciso devolver a cidade às pessoas”, o movimento cívico questiona: “Porquê então estar a insistir em realizar um projeto à luz dos critérios avaliados nos anos 90?” O Governo diz que a alternativa foi estudada quando havia a proposta do metro ligeiro de superfície mas não há referência se o mesmo aconteceu quando se lançou o projeto do BRT.
Frequência e lugares disponíveis
Os comboios vão ser substituídas por autocarros elétricos com 18 metros de comprimento e um total de 135 lugares (50 deles sentados). A Metro-Mondego defende que estes autocarros vão “garantir um nível de serviço semelhante ao modo ferroviário” até na hora de ponta, quando estarão previstas 12 circulações por hora e por sentido na cidade. São 1.620 lugares por hora e por sentido.
Se for usado o comboio, durante a hora de ponta da manhã e da tarde, há pelo menos três circulações por hora e por sentido – entre as 8h e as 9h chegam a haver cinco viagens entre Coimbra-B e Coimbra-A. A automotora elétrica com três carruagens da CP consegue transportar um total de 536 passageiros numa só viagem, de três minutos. São 1.608 lugares por hora e por sentido – entre as 8h e as 9h, chegam a ser 2.680 lugares.
A Metro-Mondego defende que entre as 8h e as 9h da manhã haverá cerca de 900 passageiros em Coimbra-B e partidas a cada cinco minutos. No SMM, de Coimbra-B até à atual Estação Nova (designada de Aeminium) haverá paragens intermédias, em Casa do Sal, Açude e Arnado. O Movimento Cívico pela Estação Nova (MCEN), contudo, levanta a questão sobre a hora de ponta.
“O grande problema é que quase todos esses 900 passageiros chegam num espaço de 12 minutos, por volta das 8h30. Que frequência de metrobus será necessária para dar resposta a esta procura? Quantos passageiros terão de esperar por um segundo ou terceiro autocarro porque os anteriores partiram completamente cheios?”, questiona Luís Neto.
Linha de comboio junto ao rio é problema?
Outro dos argumentos da Metro-Mondego e do Governo para encerrar a ligação de comboio ao centro de Coimbra está relacionado com as “importantes vantagens em termos de mitigação do efeito barreira criado por este canal, estando alinhado com os planos do Município de reforçar a ligação entre a cidade e o rio Mondego”.
O movimento cívico defende que Coimbra “não é caso único na Europa” em relação a vias férreas junto a uma marginal e que “noutras cidades consegue mitigar-se o efeito barreira, tanto em termos estéticos como funcionais, sem desmantelar uma infraestrutura que serve diariamente milhares de pessoas”.
Luís Neto lembra mesmo que o município reabriu, em setembro, o passeio ribeirinho ao lado da linha ferroviária, entre a ponte do Açude e a ponte de Santa Clara depois de quatro anos de obras e de um investimento de cerca de 10 milhões de euros. “O facto de tantas pessoas usufruírem deste espaço sem que o serviço ferroviário tenha sido interrompido é a prova de que o efeito barreira da linha é, em si, relativo e abordável.”
Se nada for feito, o centro de Coimbra vai perder o comboio no primeiro trimestre de 2024, segundo informação enviada nas últimas semanas pela Infraestruturas de Portugal aos operadores ferroviários. A cidade dos estudantes tem pouco mais de um ano para perceber se quer o comboio à porta ou dentro da cidade, como defendeu Pedro Nuno Santos em 2019.
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