A tecnologia obriga-nos a correr, mas o humano fará sempre a diferença

  • Pedro Pimentel
  • 11 Maio 2023

Na revolução industrial eram as máquinas que iriam fulminar o proletariado. Há poucos anos era a automação que ia liquidar o emprego. Hoje é a inteligência artificial que vai matar a criatividade.

Nos últimos meses, a discussão em torno das aplicações da Inteligência Artificial generativa cresceu de forma ruidosa.

Contributos indesmentíveis para o nosso dia-a-dia, mas também as debilidades em torno de uma tecnologia que está em fase de pleno amadurecimento. Oportunidades que estão a surgir e, acima de tudo, as aparentes ameaças a postos de trabalho e a áreas que tínhamos, até aqui, como reservadas ao humano, tornam esta discussão bastante extremada dividindo-se os campos entre fervorosos adeptos e inflamados críticos.

Mas recuemos mais de quatro décadas…

Num tempo em que a curiosidade era muita e o dinheiro era muito pouco, um dos primeiros discos em vinil que comprei foi o single (aqueles discos mais pequenos que giravam a 45 rotações por minuto) dos The Buggles “Video Kills the Radio Star”.

Estávamos em 1980 e o respetivo teledisco, realizado por Russell Mulcahy (um grande nome do cinema que ‘nasceu’ no universo dos videoclips) foi o primeiro a ser emitido na emissão inaugural da MTV norte-americana, canal hoje convertido em repositório de reality shows, mas que foi, durante anos, um fenómeno e uma referência global.

Contudo, como diria Mark Twain, as notícias da morte das estrelas da rádio foram manifestamente exageradas.

Mais de quarenta anos volvidos, um dos hot topics actuais passa por saber se a Inteligência Artificial generativa irá ou não matar as estrelas da criatividade ou, de forma mais radical, irá substituir a criatividade humana, o que, obviamente, tem implicações no universo das marcas.

A criatividade e a inteligência artificial podem ser usadas juntas para ajudar as marcas a se destacarem e alcançarem os seus objetivos de negócios. A inteligência artificial pode ser usada para analisar grandes conjuntos de dados de consumidores e tendências de mercado, fornecendo insights valiosos para a equipe de marketing e ajudando a identificar oportunidades para inovar e se diferenciar da concorrência.

A inteligência artificial pode, por exemplo, ser usada para personalizar a experiência do utilizador, ajustando a interface do utilizador, a navegação e as recomendações de produtos com base no histórico de compras e nas preferências do cliente. Isso pode aumentar a fidelidade do cliente e levar a maiores taxas de conversão.

Além disso, a inteligência artificial pode ser usada para gerar ideias criativas para campanhas de marketing e publicidade, como sugestões de palavras-chave para anúncios online ou ideias para conteúdo criativo em redes sociais. Por exemplo, algumas empresas já estão usando algoritmos de inteligência artificial para gerar títulos de notícias, roteiros de vídeos e até mesmo músicas.

No entanto, é importante lembrar que a criatividade humana ainda é fundamental para o sucesso da marca. A inteligência artificial pode ser usada para fornecer insights valiosos e gerar ideias criativas, mas ainda é necessário um toque humano para desenvolver e executar essas ideias de forma eficaz e autêntica.

Estes últimos quatro parágrafos não foram escritos por mim, mas foi a sugestão de resposta de um dos softwares mais discutidos do momento – o ChatGPT – ao tópico “inteligência artificial, marcas e criatividade” e, de uma forma simplificada, referem que a IA pode ajudar a gerar ideias criativas, a decifrar a informação e a auxiliar a personalização da experiência do utilizador, mas que não dispensa a criatividade humana para desenvolver e executar essas ideias de forma eficaz e, especialmente, de forma autêntica.

Na verdade, esta interação entre a máquina e o ser humano nada tem de novo, como nada existe de surpreendente no receio de que a evolução da tecnologia vá ocupar espaços que considerávamos áreas inexpugnáveis como as da criatividade e da inovação ou ameace funções e postos de trabalho, mesmo em áreas de maior complexidade e especialização.

De facto, estamos atualmente completamente mergulhados e dependentes da tecnologia e usamos permanentemente a tecnologia para pensar ou, se quisermos, para nos ajudar a pensar.

Hoje, somos capazes de fazer 100 km para trás porque nos esquecemos do telemóvel em casa. Ficamos em desespero completo quando a rede do escritório falha e em dois minutos estamos a ligar os nossos computadores aos telemóveis como hotspot ou instala-se o pânico quando temos cyberataques como o que aconteceu no ano passado com a rede de uma das principais operadoras de telecomunicações nacionais.

No meu caso, apenas sei de cor o número de telemóvel da minha mulher (nem sequer o das minhas filhas) e quando alguém não nos atende a chamada duas vezes seguidas, desatamos a enviar Whatsapps, sms e mensagens em Messenger para saber se aconteceu alguma coisa. Não raro, passamos um bom quarto de hora a descobrir por qual das vias recebemos uma determinada mensagem. Por vezes, enviamos um email e de seguida um SMS e um Whatsapp a avisar que enviamos o mail.

E, ao longo dos anos, sempre resistimos aos primeiros avanços que surgiram, pensamos sempre em primeiro lugar nos problemas que iriam ser gerados e só depois nas vantagens que poderiam ser aportadas.

Na revolução industrial eram as máquinas que iriam fulminar o proletariado. Há poucos anos era a automação que ia liquidar o emprego. Hoje é a inteligência artificial que vai matar a criatividade.

Apesar de passar a vida a saltar escritórios e salas de reuniões, o que sempre gostei, realmente, é de visitar os sites de produção, o que normalmente se chama o chão de fábrica. E, confesso-vos, para além da quantidade de disparates que diariamente ouvimos e que deixariam, presumo, de ser ditos se as pessoas conhecessem, um pouco que fosse, a realidade sobre que vão dando palpites, há uma outra verdade que se percebe: duas fábricas iguais com máquinas iguais e processos muito semelhantes atingem resultados, muitas vezes, muito diferentes, porque as pessoas são diferentes.

E são as pessoas que fazem a diferença.

E acredito que, com a inteligência artificial, pelo menos com a que lidamos hoje, se passará o mesmo: a partir do momento em que seja democratizada, adoptada e se torne mainstream, deixará de ser distintiva. Se hoje pode funcionar como uma vantagem competitiva, amanhã será um pre-requisito e (mais) um instrumento de produtividade, racionalização e optimização. E, nessa altura, serão as pessoas, uma vez mais, que farão a diferença.

Contacto, desde há anos, com milhares de pessoas das mais diferentes áreas, com diferentes perfis e funções, dos governantes e líderes de referência aos que ocupam posições de muito menor exigência e sempre me habituei, no contacto direto, a avaliar as pessoas não pelo debitar de conhecimento com que, por vezes, nos tentam impressionar, mas pela qualidade das perguntas que nos colocam. As perguntas certas geram as respostas adequadas e o diálogo é sempre mais frutífero,

Também quando falamos de tecnologia ou de IA a questão se colocará de forma idêntica: quanto mais assertiva, adequada e inteligente for a pergunta, melhor será a resposta dada pela tecnologia, sendo que, no limite, duas questões idênticas terão resposta idêntica e serão facilmente reconhecidas… e desmascaradas.

A tecnologia é sempre instrumental. Melhor tecnologia permite eficiência, menores erros, melhores resultados, poupança de tempo. A Inteligência Artificial irá ser ainda melhorada e será rapidamente vulgarizada e adotada e, sem dúvida, veio para ficar.

Também por isso, as resistências atuais, normais pelo habitual receio do desconhecido ou do medo de que a tecnologia nos substitua, nos torne obsoletos ou se torne excessivamente intrusiva, irão sendo sucessivamente ultrapassadas.

Por outro lado, a criatividade e a inovação não se limitam a responder aos desafios e necessidades presentes. Visam antecipar o futuro. E não é possível fazê-lo apenas com a interpretação e a construção de insights em cima da realidade e da informação do passado.

Como dizia Einstein: “a criatividade é ver o que todo mundo viu, e pensar no que ninguém pensou.”

E será sempre o ser humano a ter de definir, através de princípios éticos e de disposições legais assertivas, os limites que uma sociedade, em qualquer circunstância, deve manter. Na tecnologia, na genética, na medicina, na investigação, mas também em coisas aparentemente bem mais comezinhas como no nosso trabalho diário, na área educacional ou no respeito pelos outros.

Temos é que não abdicar de o fazer…

  • Pedro Pimentel
  • Diretor-geral da Centromarca

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