Em Portugal não existe um verdadeiro conhecimento da fraude nos fundos europeus

Estudo defende a celebração de um protocolo rigoroso de comunicação de dados entre o Ministério Público e a Inspeção Geral de Finanças. O protocolo foi proposto em 2016 e aguarda resposta.

Em Portugal não existe um verdadeiro conhecimento da fraude. Esta é a conclusão a que a impulsionadora do Think Tank | Risco de Fraude, Recursos Financeiros da União Europeia, chega após a realização de um estudo para o conhecimento da fraude nos fundos estruturais em Portugal.

“Não sabemos os números reais da fraude em Portugal”, diz Ana Carla Almeida, na conferência de apresentação do estudo. “Ninguém tem dúvidas em dizer que a corrupção em Portugal não corresponde aos números oficiais. Mas, na fraude não é assim. Ela ocorre de forma escamoteada e escondida e os números de fraude reportada não correspondem à fraude real”, explica a procuradora.

De acordo com o estudo, no QREN foram reportados 2.709 casos suspeitos de irregularidades ou fraude na utilização de fundos europeus. Mas, até agora há apenas dois casos de fraude comprovada, envolvendo 200 mil euros de apoios agrícolas. Já no Portugal 2020 há 1.320 casos suspeitos e nenhum comprovado.

Como as coisas estão não podem continuar porque assim não vamos conhecer a fraude. É preciso mudar para que, lá mais à frente possamos saber e tomar decisões informadas”, diz Ana Carla Almeida. “As entidades que lidam com os fundos não querem ter conhecimento do que se passa correndo o risco de continuar a falhar o alvo?”, pergunta a responsável de forma provocatória.

O grande problema, identificado pelos autores do estudo, foi a qualidade dos dados, a falta de compatibilização e de comparabilidade entre eles, para não falar da disponibilidade tardia dos mesmos. “A impossibilidade de cruzamento de mais de 50% dos dados inviabiliza o conhecimento da fraude em Portugal”, diz Ana Carla Almeida.

“O que me deixa desconfortável é haver tantos processos judiciais relacionados com fraude e não saber o contexto desses processos”, diz Elsa Cardoso a investigadora do ISCTE encarregue da coordenação científica e técnica do estudo. “Para fazer isso era preciso tempo”, acrescenta.

“Ao conhecer a realidade dos dados de ação penal já nos pode balizar o que é o fenómeno da fraude, mas neste momento o cruzamento de dados não é possível de realizar”, corrobora, acrescentando que era fundamental “estudar mais aprofundadamente a classificação do crime de fraude” e que o Citius deveria ir reclassificando os tipos de crime à medida que os processos evoluem, sempre em respeito das regras de RGPD.

Uma das principais recomendações dos investigadores do ISCTE é o de que seja estabelecido um protocolo rigoroso de comunicação de dados entre o Ministério Público e a Inspeção Geral de Finanças, no qual uma entidade comunique eletronicamente à outra a totalidade das iniciativas que desencadeia relativamente a eventuais fraudes na atribuição e uso de fundos europeus. Carla Almeida revelou que esse protocolo foi sugerido à IGF em 2016, mas aguarda resposta desde então.

Com Ana Cristina Rodrigues, inspetora-geral da IGF, sentada na plateia a conferência, teve um momento de confronto direto com os autores do estudo acusados de não terem tido disponibilidade para esclarecer dúvidas com a IGF antes da publicação do estudo. Uma indisponibilidade pelo facto de terem de esperar um ano para superar os problemas de RGPD e ter acesso aos dados. Uma dificuldade que se traduziu num atraso de quatro meses fase ao prazo definido para concluir o estudo que foi financiado pelos próprios fundos europeus (Programa Operacional Assistência Técnica – POAT).

“Os dados reportados pelo sistema IMS [Irregularity Management System] são-nos comunicados pelas autoridades de gestão e por nós no âmbito das nossas auditorias”, explicou Ana Cristina Rodrigues. “Não fazemos nem nunca poderíamos fazer qualquer tipo de investigação criminal”, acrescenta.

“Mas quando suspeitamos de indícios de fraude comunicamos imediatamente ao Ministério Público para prosseguir nas suas funções a análise e investigação se há matéria para abrir um processo judicial”, acrescentou a inspetora-geral da IGF. A responsável defendeu também uma maior cooperação com o Ministério Público até porque a IGF “perde o fio à meada, se aquilo que achavam que era fraude de facto o era”. Isso ajudaria a melhorar a prevenção da fraude”, concluiu.

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