Caso Manuel Serrão obriga a repensar modelos, dizem antigos gestores de fundos europeus
Antigos gestores de fundos europeus, ouvidos pelo ECO, apontam o dedo ao excesso de foco na verificação de faturas e à falta de recursos humanos. Problemas que abrem a porta a situações de fraude.
Preocupação, descrédito, repensar modelos e inovar. Estas são algumas das avaliações que antigos gestores de fundos europeus fazem perante as suspeitas de fraude que envolvem Manuel Serrão e alguns gestores públicos.
“Estes casos descredibilizam. É muito mau para o prestígio de Portugal”, sublinhou ao ECO Rosa Simões, que presidiu o Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu entre 2008 e 2014. “Fiquei bastante preocupada com as suspeitas tendo em conta os milhões que ainda estão por vir, nomeadamente do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), sem que haja um aumento dos funcionários para lidar com as tarefas adicionais”, acrescentou.
“A falta de pessoas disponível para as verificações da aplicação dos fundos leva a que os organismos se preocupem mais em avaliar papel [faturas] em detrimento da verificação física dos investimentos”, diz, por seu turno, Franquelim Alves, antigo gestor do Compete, entre 2012 e 2014. Por isso defende que é tempo de repensar os modelos e inovar. “Este é um modelo de longa data que ocupa as estruturas. Há que repensar, a partir de fora os modelos de gestão”, frisa.
“Há muito que defendo que os regimes de atribuição de incentivos às empresas, baseados em concursos e processos de seleção de candidaturas devem ser repensados, porque implicam uma carga brutal sobre os organismos, para depois mais de metade não serem selecionados. Deveria haver fluxos permanentes de candidaturas, o que eliminaria a procura artificial, já que desaparecia o receio de não haver dotação”, sugere o antigo secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação, quando era ministro da Economia Álvaro Santos Pereira.
Franquelim Alves sugere ainda que “os processos podiam ser automatizados com sistemas tecnológicos mais avançados e com escrutínio desses processos”. Mas este trabalho não pode ser feito sob pressão antes de entrar em vigor um novo ciclo de programação. Tem de ser preparado com tempo, alerta.
Já José Soeiro, que assumiu a presidência da Agência para o Desenvolvimento & Coesão quando esta foi criada a partir da fusão do Instituto de Gestão do FEDER e do Instituto de Gestão do FSE – gerido por Rosa Simões que assumiu a vice-presidência da AD&C –, lamenta que, neste caso, sejam as autoridades criminais a verificar uma possível irregularidade administrativa.
“Antes havia um esforço por parte das autoridades nacionais para despistar despesas irregulares e corrigi-las de imediato para ser um problema nacional e não comunitário. Depois informava-se o Ministério Público das irregularidades detetadas”, recorda José Soeiro. “Agora temos um órgão de polícia a substituir quase as autoridades administrativas”, lamenta. “Um problema administrativo e financeiro tem de ser analisado e corrigido pelas autoridades administrativas e as autoridades policiais devem atuar sobre a matéria criminal, para além da esfera dos fundos”, conclui.
Os casos recentes de mediatização da Justiça são apontados por Rosa Simões e José Soeiro como motivo de preocupação. “Temos assistido a muitos casos em que as autoridades criminais incham o balão e depois esvazia-se por não haver matéria criminal”, diz o ex-presidente da AD&C. A antiga gestora do Fundo Social Europeu sublinha ainda que para que uma fraude que se arraste entre 2015 e 2022, como se suspeita que seja o caso da Selectiva Moda, “é preciso ter arte”, já que existem muitos níveis de fiscalização dos fundos europeus.
O eventual envolvimento de gestores públicos no mega processo de fraude, como suspeita o Ministério Público, poderia explicar o sucesso da operação cujo principal mentor seria Manuel Serrão, de acordo com as suspeitas do Ministério Público. “Se se vier a verificar que há funcionários metidos é muito grave para o país”, frisa Rosa Simões. “Só em 86 ou 87, quando Portugal recebeu as ajudas pré-adesão [à União Europeia] e no início do primeiro quadro tenho ideia de que houve funcionários públicos envolvidos”, recorda.
“Se há conivência do organismo de gestão e fiscalização é muito mais difícil de detetar qualquer tipo de fraude”, acrescenta, sublinhando que a fiscalização em projetos de investimento imaterial é muito mais difícil de detetar e por isso sempre houve a ideia que poderia haver mais problemas ao nível do FSE.
“Este tipo de procedimento é muito difícil de escrutinar por parte das entidades, porque se trata de criar uma entidade fictícia, que opera como legítima. Só a Inspeção Geral de Finanças tem competências para auditar o fornecedor da entidade beneficiária, por exemplo”, salienta outro antigo gestor que preferiu não ser identificado.
“Muitas vezes as coisas são detetadas graças à experiência dos técnicos e de deteção de sinais. Quase por acaso”, explica dando o exemplo o facto de, num mesmo projeto, haver faturas emitidas com números sequenciais muito próximos poder ser um sinal.
Para José Soeiro, estas suspeitas de fraude também revelam um problema de funcionamento do programa operacional (o Compete 2020), porque a Selectiva Moda era tratada como se de um organismo intermédio se tratasse, quando na verdade não o era. “Os organismos intermédios estão sujeitos às mesmas regras das autoridades de gestão. A escolha das empresas para integrar uma missão de internacionalização tem de ser feita por aviso (candidaturas) e não por contactos pessoais, é uma violação do princípio da igualdade de oportunidade”, explica o antigo responsável.
“Por outro lado, a Aicep, enquanto organismo intermédio, não podia indigitar a Selectiva Moda como organismo intermédio. Essa é uma competência da Comissão Interministerial”, acrescentou.
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