Há dez entidades a fiscalizar os fundos europeus. Saiba como é feito o controlo

Maioria das auditorias e verificações são feitas através de amostragem e recorrendo a algoritmos. Portugal e Suécia foram os únicos países a ter contrato de confiança com a Comissão Europeia.

O Ministério Público considera Manuel Serrão “o principal mentor” de um alegado esquema fraudulento que permitiu a obtenção, desde 2015, de quase 39 milhões de euros para 14 projetos cofinanciados por fundos europeus. O jornalista Júlio Magalhães e os empresários António Sousa Cardoso e António Branco e Silva também são considerados suspeitos na Operação Maestro, assim como o presidente do Compete, Nuno Mangas, uma antiga vogal e diretores da Aicep. Mas, apesar do caso agora em investigação e do montante em causa, Portugal compara bem com os parceiros europeus, porque tem um apertado mecanismo de controlo.

Há pelo menos dez entidade que fiscalizam as verbas comunitárias, que atuam em diferentes níveis: autoridades de gestão dos programas operacionais, a Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C), a Inspeção Geral de Finanças (IGF), a Polícia judiciária, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, o Tribunal de Contas nacional e Europeu, a própria Comissão Europeia e o Organismo Europeu de Luta Antifraude. Além disso, são encomendadas auditorias ex-ante e ex-post a auditoras independentes.

Recorde-se que a Comissão Europeia estabeleceu um contrato de confiança com a IGF em 2007, que foi renovado em 2012 e 2014. Só a Suécia beneficiou de um contrato semelhante. Hoje esse mecanismo já não existe.

Nos projetos de internacionalização, o organismo responsável é a Aicep, a quem cabe analisar e aprovar as candidaturas. Estas são em seguida enviadas para o Compete, a autoridade de gestão competente, que reúne uma vez por semana todos os organismos intermédios para aprovar lotes de candidaturas. Uma vez aprovada a candidatura, regra geral os beneficiários têm direito a um adiantamento, que no caso dos fundos Feder ronda os 10 a 15%, após a assinatura do contrato, ou dos “termos de aceitação”, na linguagem dos fundos.

Um qualquer projeto tem um valor de investimento total, do qual uma parte é elegível para receber apoio comunitário. Apoio esse que corresponde a uma percentagem da despesa elegível.

A entidade beneficiária pode apresentar ainda pedidos de adiantamento contra-fatura, ou seja, apresentar uma fatura já emitida, mas que ainda não foi paga. Existe depois um prazo para demonstrar que a pagou após ter recebido os incentivos.

O decurso normal dos projetos é pedir o reembolso das faturas já pagas à medida que o projeto vai sendo executado. O processo de verificação das faturas, por parte das autoridades de gestão começa neste momento. Quando são submetidos os pedidos de pagamento é definida uma amostra aleatória, com base num algoritmo, e essas faturas são objeto de uma verificação por parte da autoridade de gestão ou de um organismo intermédio como a Aicep ou o IAPMEI.

A verificação das faturas é feita a vários níveis. Há que garantir que a despesa é regular, ou seja, está devidamente documentada, paga e inscrita na contabilidade do beneficiário. Não se trata de mera burocracia, porque uma coisa é despesa corrente e outra despesas de investimento. Depois, é necessário verificar se a despesa está de acordo com o previsto no projeto. Por exemplo, uma ação de promoção das empresas em Paris, não pode apresentar faturas de viagens à Suécia.

É ainda fundamental garantir que, nos casos em que se justifique, as regras da contratação pública foram observadas, seja no caso das empresas públicas ou de empresas com projetos acima de cinco milhões de euros. E demonstrar que as aquisições foram feitas em condições de mercado. Mesmo que não se trate de contratação pública, o beneficiário tem de demonstrar que consultou mais do que uma entidade para fazer uma determinada compra. Por exemplo, apresentar uma lista de voos para o destino naquele dia, para demonstrar que aquela aquisição é racional do ponto de vista económico.

Garantir que a empresa tem a situação regularizada com o Fisco e a Segurança Social e avaliar se as faturas são regulares do ponto de vista fiscal, nomeadamente ao nível do IVA. Uma verificação mais fácil a nível nacional, mas mais complexa quando as aquisições são feitas no estrangeiro.

A autoridade de gestão, usando mais uma vez o método de amostragem, faz uma verificação do efetivo fornecimento físico do serviço prestado e procura fazer, sempre que possível, um controlo cruzado junto dos fornecedores do serviço. Além de acompanhar a realização da operação, avalia se os objetivos e os resultados esperados com o projeto foram concretizados.

Quando estão em causa investimentos imateriais, mais difíceis de controlar – uma coisa é ir ao terreno ver se uma fábrica está a ser construída outra é perceber se as empresas foram mesmo a uma feira de promoção externa – são pedidas evidências da realização das ações como fotografias, cópias dos bilhetes de avião, etc.

Há depois outros níveis de controlo e auditoria que envolvem a Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C) e a Inspeção-Geral de Finanças, que fazem controlos anuais, segundo uma amostragem de risco e que seja uma representação estatística dos investimentos. São feitas duas amostras por ano (semestrais) e as auditorias são levadas a cabo por auditores externos, para assegurar uma maior segregação de quem faz o controlo, mas também para contornar as limitações de recursos humanos que existem na Administração Pública. As operações que integram esta amostra são controladas do princípio ao fim, desde como foi feita a candidatura até à globalidade das faturas e a realização física do projeto.

A AD&C tem ainda mecanismos/procedimentos de controlo da idoneidade, fiabilidade e dívidas das entidades apoiadas, bem como circuitos de análise e tratamento de denúncias sobre alegadas utilizações ilícitas dos fundos.

A estes mecanismos acresce uma colaboração com a Polícia Judiciária e o Ministério Público, através da partilha de informação relevante referente a operações, mas também da afetação de técnicos para a participação direta em processos que se encontrem em investigação, na qualidade de especialistas e/ou de peritos. Foi neste âmbito que, em novembro de 2019, foi celebrado entre AD&C e o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) um protocolo de colaboração para melhorar a articulação entre os serviços e permitir à Agência um acompanhamento mais próximo do andamento dos processos em investigação, com vista à mobilização, em tempo útil e articulada com os interesses da investigação, dos procedimentos administrativos destinados a garantir a boa execução dos apoios.

E se inicialmente a agência funcionava com base em “circuitos informais de partilha de informação relevante”, com a assinatura deste protocolo em 2019 foi possível sistematizar e centralizar a informação ao nível dos órgãos de investigação e dotar as autoridades administrativas responsáveis pela gestão dos apoios de informação relevante e atempada para que possam reagir administrativamente contra as situações irregulares.

Existe ainda um nível superior de auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas nacional e pelo europeu, que seguem também o método da amostragem e com base nos seus planos de trabalho. No caso do Tribunal de Contas Europeu, os visados pela auditoria são avisados com uma semana de antecedência.

A IGF faz ainda uma auditoria aos sistemas de gestão dos fundos, seguindo planos anuais. Em causa está a atuação das entidades de gestão e dos organismos intermédios e não dos beneficiários. Mais uma vez a auditoria é por amostragem.

Finalmente, a própria Comissão Europeia também faz um controlo anual dos fundos, normalmente numa base temática. A Direção-Geral da Política Regional e Urbana [DG Regio], que é a gestora dos fundos, tem as suas próprias verificações por métodos que são variáveis, com auditores da própria DG Regio e auditores externos.

A nível europeu foi criada, em 2017, a Procuradoria Europeia, um órgão independente e descentralizado da UE, com competência para investigar, instaurar ação penal, bem como deduzir acusação contra os autores de infrações penais contra o orçamento da UE, como a fraude e a corrupção, nomeadamente ao nível dos fundos comunitários. Em 2023 estava a investigar 19 casos com fundos europeus em Portugal.

Por outro lado, há ainda o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), que deteta o uso fraudulento dos fundos europeus, mas não dispõem dos poderes necessários para a investigação e a ação penal. Concluiu, em 2022, dois inquéritos relativos a Portugal e, em ambos os casos, emitiu recomendações que, no entanto, não são conhecidas. Orelatório relativo a 2023 não foi ainda divulgado.

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