Portugal é o segundo país que mais erros cometeu na aplicação das verbas da Coesão
Três projetos indevidamente financiados pelo Feder colocam Portugal em destaque no uso incorreto das verbas segundo as regras nacionais e da UE. Restaurante JNcQUOI de Paula Amorim foi um deles.
Grandes erros nas despesas da Política de Coesão e falta de controlo da Comissão Europeia e dos Estados-membros para os corrigir são algumas das críticas do Tribunal de Contas Europeu (TCE), que aponta Portugal como o segundo país que mais erros cometeu no período de programação entre 2014 e 2020. A principal razão foram as infrações às regras em matéria de auxílios de Estado.
O TCE calcula o nível de erro nos fundos da coesão — que não mede a fraude, a falta de eficiência ou o desperdício –, ou seja, é uma estimativa do dinheiro que não foi usado de acordo com as regras nacionais e da UE. E, segundo o relatório publicado esta segunda-feira, nos períodos orçamentais de 2007-2013 e 2014-2020, os erros baixaram de 6% para 4,8%, mas ainda estão acima dos 2% definidos pelas regras e com um pico em 2022.
“A maior parte dos erros na área da coesão nos últimos anos resulta, em primeiro lugar, de se dar dinheiro para despesas e projetos inelegíveis (ou seja, que não têm direito ao apoio) e, em segundo, de os beneficiários dos subsídios não cumprirem as regras dos auxílios estatais e dos contratos públicos”, explica o relatório de Helga Berger, membro do TCE responsável pelo documento.
É precisamente aqui que Portugal se destaca. Os erros relacionados com infrações às regras de auxílios de Estado “atingiram um pico em 2018, devido a uma grave insuficiência sistémica que o Tribunal e a Comissão detetaram em Portugal, onde as regras nacionais não eram coerentes com as regras da UE em matéria de auxílios estatais”, sublinha o relatório da entidade que funciona como a última linha de defesa no cumprimento das regras de despesa.
Em 2018, o Tribunal encontrou três projetos financiados pelo Feder em Portugal que “não tinham um efeito de incentivo e constatou que as regras nacionais não eram coerentes com as regras da UE no que se refere aos efeitos de incentivo”.
Em causa estavam projetos como o JNcQUOI, o restaurante de luxo de Paula Amorim, que ia ser financiado pelo Programa Operacional de Lisboa, e projetos hoteleiros financiados pelo Compete, apurou o ECO, que iniciaram os investimentos antes de as candidaturas serem aprovadas. Como os programas operacionais estavam em execução, foi possível substituir os 121 milhões de euros (100 milhões do Compete e 20 milhões do PO Lisboa). Uma regra basilar dos fundos é demonstrar que os projetos não se executariam sem os fundos e que todas as despesas, para serem elegíveis, têm de ter data posterior à aprovação da candidatura. O ECO questionou a AD&C e o TCE para saber quais as operações em causa, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.
“Antes da auditoria do Tribunal de Contas Europeu, a Comissão assinalou várias operações afetadas pelo mesmo erro e solicitou à autoridade de gestão do programa em causa que as excluísse das contas”, recorda o relatório. Portugal alterou as regras nacionais “para assegurar a coerência com as regras da UE e evitar outras irregularidades no futuro”, mas, segundo o TCE, nem as autoridades nacionais nem a Comissão “tomaram medidas corretivas suficientes para eliminar estes erros ou para compensar o impacto potencial através de uma correção financeira das despesas já certificadas relativamente ao exercício contabilístico de 2016-2017”. Isto porque Portugal só reviu as operações que potencialmente apresentariam problemas idênticos nesses dois PO.
No ano seguinte (2019), o TCE voltou a detetar um problema idêntico, estando assim em causa cinco projetos. “Nessa altura, a Comissão solicitou às autoridades portuguesas que identificassem todas as operações afetadas nos dois exercícios contabilísticos seguintes e que efetuassem as correções necessárias para excluir as despesas irregulares das contas. As correções resultantes totalizaram mais de 174 milhões de euros”, recorda o relatório.
Assim, por causa destes problemas, Portugal ocupa o segundo lugar do pódio no número de erros detetados pelo TCE na utilização do dinheiro da Coesão de acordo com as regras nacionais e da UE – sendo o primeiro lugar ocupado por Espanha e o terceiro pela Alemanha. Quando a comparação é feita com base no número de irregularidades detetadas pelas autoridades nacionais, então Portugal desce para último lugar.
O problema não é apenas nacional. A análise plurianual do tribunal demonstra que “foram constantemente assinalados erros nas operações auditadas que não foram detetados ao nível dos Estados-membros”. Mas é entre os principais beneficiários da Política de Coesão que foram detetados os maiores níveis de erros. “Nove Estados-membros são responsáveis por 76% das despesas da política de coesão: Polónia, Itália, Espanha, Portugal, Hungria, República Checa, Roménia, Grécia e Alemanha e estes representam 91% do nível de erro estimado pelo TCE.”
Em geral, o TCE aponta três grandes causas das falhas:
- fraca administração dos Estados-membros, que inclui más decisões e verificações pouco eficientes das autoridades de gestão;
- negligência ou possível violação intencional das regras por parte dos beneficiários e
- problemas relacionados com a interpretação destas normas.
“Para evitar que o orçamento da UE seja prejudicado”, a Comissão Europeia pode aplicar correções financeiras por “deficiências graves de controlo”. No entanto, “até à data, os erros não levaram a uma perda direta de fundos para os Estados-membros abrangidos”, critica o TCE. “Pelo contrário, estes foram autorizados a usar as verbas resultantes das correções para mais projetos”. Segundo o TCE, isto “não só reduz o efeito preventivo das correções como também não encoraja os Estados-membros a melhorarem os seus sistemas e, assim, evitarem falhas desde o início”.
O Tribunal de Cotas europeu considera que a Comissão e os Estados-membros “podem melhorar os seus controlos das despesas da coesão” e alerta que “o risco de ocorrerem erros continua a ser alto”. “A sobreposição entre as verbas dos orçamentos plurianuais, por um lado, e os fundos de recuperação da UE relacionados com a Covid-19, por outro, está a aumentar a pressão sobre alguns Estados-membros para garantirem que o dinheiro é gasto segundo as regras”, alerta ainda o tribunal.
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