Francisco Pavão abandona liderança dos vinhos de Trás-os-Montes, entre denúncia de ilegalidades e pedido de auditoria

Após 14 anos à frente da Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes, Francisco Pavão não volta a candidatar-se. Conselho geral pediu auditoria urgente às contas por suspeita de ilegalidades.

O presidente da Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes (CVRTM), Francisco Pavão, que ocupava o cargo desde 2010, confirmou ao ECO que “não vai recandidatar-se à presidência”. Decisão acontece numa altura em que o organismo foi alvo de uma denúncia anónima e de um pedido urgente de auditoria por suspeita de irregularidades. As eleições decorrem esta sexta-feira.

“Há momentos para tudo e, infelizmente, entendo que o meu momento enquanto presidente da direção da Comissão Vitivinícola terminou, pelo que, neste sentido, decidi que não serei novamente candidato a este cargo. Saio com o sentido de dever cumprido, apesar de entender que ainda há muito a fazer”, justificou Francisco Pavão numa carta de despedida enviada aos agricultores a 29 de julho, a que o ECO teve acesso.

Francisco Pavão, natural de Mirandela, realça que “infelizmente [assistiu] nos últimos tempos a um ataque velado contra a instituição, numa tentativa de denegrir a sua imagem e sobretudo atingirem a [sua] pessoa”. Argumenta, porém, que “não é por esse motivo que não se irá apresentar como candidato a presidente da CVR Trás-os-Montes no ato eleitoral” agendado para 13 de setembro.

“Estou de consciência tranquila de que fiz tudo aquilo que sabia e podia pelos Vinhos de Trás-os-Montes. Entendo somente que o meu ciclo terminou e que existem na região outros que estarão perfeitamente à altura para assumir este desafio”, acrescentou na mesma carta.

Infelizmente assisti nos últimos tempos a um ataque velado contra a Instituição, numa tentativa de denegrir a sua imagem e sobretudo atingirem a minha pessoa. Não é por esse motivo que não me irei apresentar como candidato (…), pois estou de consciência tranquila de que fiz tudo aquilo que sabia e podia pelos Vinhos de Trás-os-Montes.

Francisco Pavão

Presidente da Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes

Em declarações ao ECO, Francisco Pavão, que é também presidente da Associação dos Produtores em Proteção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro (APPITAD), afirmou desconhecer as acusações (queixa anónima) e o pedido de auditoria às contas da Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes, afirmando que apenas irá “pronunciar-se na próxima segunda-feira depois das eleições”.

Francisco PavãoFrancisco Pavão

 

Natacha Teixeira, presidente do conselho geral da Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes, que está no cargo desde março deste ano, confirmou ao ECO que a “única candidata à presidência da direção é Ana Alves, que é colaboradora da Comissão e uma das pessoas visadas na queixa anónima” contra três elementos da CVRTM que foi enviada ao Ministério Público a 20 de agosto.

Os visados são dois colaboradores (Aristides Miguel Cadavez e Ana Cláudia Ferreira Alves) e o presidente da direção, Francisco Pavão. Na denúncia estão ainda visados dois elementos do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), nomeadamente o presidente Bernardo Gouvêa e vice-presidente do conselho diretivo, Sandra Vicente de Garcia.

Na denúncia, que o ECO teve acesso, são apontados alegados casos de falsificação de assinaturas e de documentos, adulteração de atas, ocultação nas contas, abusos de poder e suspeita de irregularidades na destilação da crise. Lê-se na denúncia que foram constatadas publicamente práticas de falsificação de assinaturas dentro da CVRTM desde 2016, nomeadamente em documentos de exportação, atas de órgãos e relatórios de contas.

[Refutamos] perentoriamente qualquer conivência relativamente à questão do ato eleitoral, à falta de aprovação de contas da CVRTM e aos cadernos eleitorais irregulares.

Bernardo Gouvêa

Presidente do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV)

Contactado pelo ECO, Bernardo Gouvêa disse que “ao IVV não chegou nenhuma denúncia e, caso chegue, será imediatamente encaminhada para o Ministério Público, uma vez que os factos invocados remetem para a esfera de atuação da competência do referido Ministério Público, não cabendo a este Instituto pronunciar-se sobre os mesmos, refutando perentoriamente qualquer conivência relativamente à questão do ato eleitoral, à falta de aprovação de contas da CVRTM e aos cadernos eleitorais irregulares”.

Já a presidente do conselho geral da Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes (CVRTM) afirma que é “imperativa a realização urgente de uma auditoria à CVRTM”, conforme decidido pelo conselho geral a 30 de agosto, “por suspeita de irregularidades, falta de transparência nas contas, empolamento de despesa e cadernos eleitorais adulterados”. A empresária transmontana reclama que os relatórios de contas já não são aprovados desde 2021.

Há indícios de que o Instituto da Vinha e do Vinho favoreceu associações ligadas ao Francisco Pavão, manipulando a composição do conselho geral para perpetuar o controlo de suspeitos de corrupção.

Natacha Teixeira

Presidente do conselho geral da Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes

“Há indícios de que o IVV favoreceu associações ligadas ao Francisco Pavão, manipulando a composição do conselho geral para perpetuar o controlo de suspeitos de corrupção. A Associação de Produtores De Vinho De Trás-os-Montes (VT-APE), uma das envolvidas, não cumpre os requisitos estatutários, mas o IVV atribuiu-lhe um peso considerável no conselho, levantando suspeitas de manipulação pois recusou determinantemente as decisões fundamentadas e processualmente corretas dos órgãos da Direção (com decisão colegial) e do conselho geral da CVRTM”, acusa Natacha Teixeira.

Em declarações ao ECO, acrescenta que “existem também suspeitas de que cooperativas foram injustamente excluídas (Valpaços e Ribadouro) e que houve manipulação na distribuição de conselheiros a favor da Associação dos Produtores em Proteção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro (APPITAD) e da VT-APE, ambas associações de Francisco Pavão”.

O conselho geral da Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes é constituído por um total de 16 conselheiros: oito conselheiros do setor da produção e oito conselheiros do setor do comércio. A produtora conta ainda que “o próximo conselho geral contará com duas associações de Francisco Pavão: a Appitad e a VT-APE.”

“A primeira suspeita de centralizar em si a contabilidade paralela da CVRTM de fundos financiados e de serem os seus produtos (azeite) que ao longo dos anos estão nos stands internacionais de eventos também financiados com fundos atribuídos ao setor vinícola da CVRTM, entenda-se só vinhos de Trás-os-Montes; a outra entidade, a VT-APE não tem órgão constituídos, o contabilista que certifica as contas é quem gere os dinheiros da entidade, e tem a sede na morada de um banco”, resume. O IVV atribui à VT-APE o peso de 31,25% do conselho geral.

Natacha Teixeira, presidente do conselho geral da Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes

“Há fortes indícios de que o próximo conselho geral da CVTM, que toma posse a 13 de setembro, foi constituído irregularmente pelo IVV para ser favorável aos suspeitos de corrupção e os manter no controlo da CVRTM, por supostos motivos de amizade e filiação”, denuncia Natacha Teixeira.

O presidente do IVV reage ao ECO que o instituto “assumiu o processo eleitoral relativo à designação do conselho geral pelo que, estando este órgão constituído, a eleição dos restantes órgãos, nomeadamente presidente do conselho geral, da direção e do conselho fiscal será prosseguido pelo novo conselho geral”.

A presidente do conselho geral do organismo suspeita ainda de “má gestão de fundos públicos”, “favorecimento de fornecedores” e “outras práticas ilícitas”. Natacha Teixeira exemplifica que os “produtores desconhecem e não beneficiaram do projeto Heritage Wines, cujo financiamento anda à volta dos 300 mil euros”. Lamenta que o IVV não tenha tomada as medidas necessárias depois da denúncia que fez em abril e pede a “implementação de auditorias e medidas de transparência para corrigir estas falhas”.

A produtora pede ainda um esclarecimento no processo de destilação de crise e diz não compreender o motivo do valor para esta campanha de 2022/2023 variar entre 0,44 e 0,48 cêntimos para a região de Trás-os-Montes, o “valor mais baixo do país”.

Natacha Teixeira, que é também administradora da Quinta do Sobreiró, diz-se “chocada” com as “ilegalidades que tem encontrado” e nota ainda que “se soubesse da dimensão do problema não teria aceitado o cargo em fevereiro da presidência do conselho geral”.

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