Investigação nos Açores poderá ajudar a prevenir cheias no continente

  • Alexandre Batista
  • 7 Outubro 2024

Projeto SpongeBoost, financiado por fundos europeus, visa identificar formas de reter a água de modo natural antes de esta "invadir" rios e cursos de água.

Um projeto europeu que estuda formas de reter água a montante do leito dos rios instalou-se nos Açores para estudar as turfeiras, planta com capacidade de absorver até 20 vezes o seu peso em água. Esta característica de “esponja” torna-as num meio natural de, por exemplo, atrasar a descarga das montanhas em tempo de cheias. “É uma alternativa muito interessante a bacias de retenção e lagoas artificiais”, explica ao ECO/Local Online o biólogo Rui Botelho, coordenador do projeto.

As conclusões retiradas nos 12 anos de existência do projeto, em que já se restauraram 75 hectares de turfeiras no Planalto dos Graminhais e linhas de água na Serra da Tronqueira, ambos na ilha de São Miguel, permitem olhar para as cheias que afetam também cidades ribeirinhas do continente. A Universidade de Santiago, um dos parceiros do projeto europeu, está a usar em áreas de montanha o processo usado nos Açores, e este pode ser replicado também no lado português, no norte e centro do país, diz ao ECO/Local Online o biólogo coordenador do projeto europeu SpongeBoost, financiado pelo programa Horizon Europe.

Os investigadores estão a estudar formas de melhorar ou restaurar a capacidade natural de retenção de água na natureza, ajudando a prevenir situações de cheias e promovendo reservas para tempos de menor pluviosidade.

Numa altura em que os efeitos das alterações climáticas levam o país, no espaço de escassas semanas, entre alertas de incêndios potenciados pela seca e baixa humidade, e alerta para perigo de cheias, o trabalho coordenado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) nos Açores tem potencial para ser aplicado no centro e norte do continente, assegura Rui Botelho. “As turfeiras são esponjas naturais, não só com capacidade de retenção como de filtragem. São filtros naturais, pelo que esta água é de melhor qualidade”, diz o também coordenador da SPEA-Açores.

As turfeiras são esponjas naturais, não só com capacidade de retenção como de filtragem. São filtros naturais, pelo que esta água é de melhor qualidade

Rui Botelho

Coordenador SPEA Açores

“A turfeira pode reter e libertar até 20 vezes o seu peso”, diz Rui Botelho. A espécie já teve um papel importante na Serra da Arga e em Montemuro e estende-se da Galiza ao centro norte do continente, apresentando potencial para zonas húmidas de montanha em território nacional, esclarece o biólogo. Além de água, retém carbono, assinala. “As turfeiras do mundo retêm mais carbono que todas as florestas vivas do planeta”, assegura o biólogo.

“Nos Açores, eram habitats naturais onde, na década de 1960/1970, à semelhança do que aconteceu na Europa do norte e em áreas de montanha do continente, se aplicou a técnica de drenar os terrenos, tirando água para transformar em zonas aráveis. Muitas dessas áreas têm sido abandonadas porque são terrenos fracos em nutrientes”, diz o coordenador da equipa dos Açores do projeto europeu SpongeBoost. “O que estamos a fazer [nos Açores] desde 2012 é promover o reencharcamento, fechar drenagem e retirar espécies invasoras”, diz.

O biólogo, mestre em ordenamento território e planeamento ambiental, perspetiva a extensão do trabalho executado no planalto açoriano para o planalto mirandês, no continente, por exemplo, retendo água acima dos sistemas de linhas de água, numa lógica de libertação da água pelas trufeiras em “conta-gotas” até ribeiras e rios. “A planta retém água na parte superior, esta entra num sistema capilar e é libertada lentamente no solo. As zonas com turfeiras são das poucas em que nascentes têm capacidade de ter água todo o ano. Este é um processo de restauro em larga escala, não trabalhamos ao nível da linha de água, mas da bacia, a montante. Para proteger populações, meios, casas, temos de pensar no que acontece a montante”, assevera.

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