Desunião política em torno da criação das novas freguesias vai desaguar a Belém
Aplausos de um lado, apupos do outro e um relatório de desagregação de freguesias que será votado dia 17. Mas o "pai" da Lei de 2013, que seguiu indicações da troika, confia num veto em Belém.
Prazos cumpridos, compromisso do grupo de trabalho honrado, processo da desagregação das freguesias a caminho do plenário a tempo de ser votado a 17 de janeiro. Este é o lado positivo da avaliação da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) ao trabalho feito ao longo dos últimos meses pelos deputados que analisaram os pedidos provenientes de uniões de freguesias, de freguesias a título individual que se queriam tornar independentes e até de grupos de eleitores.
Mas nem tudo parece ter corrido bem. Tanto na ótica da associação, que esperava ter-se reunido com a comissão parlamentar, como de outros intervenientes.
“Lamentamos muito a ausência da informação que devia ter sido feita à ANAFRE”. A representante das freguesias, prossegue o seu presidente, “foi parceira da Comissão Nacional de Eleições na elaboração da lei, com a Associação Nacional de Municípios Portugueses. Merecíamos outro tipo de tratamento”.
Jorge Veloso é particularmente duro com a ausência de comunicação dos resultados da comissão de poder local e coesão territorial por parte de quem a dirige.
Apontando ao deputado Bruno Alves, do Chega, recorda que “no mandato anterior [Governo de António Costa], teceu críticas, mas agora não faz a transmissão de informação à ANAFRE. Para ele, na altura estava tudo mal, ninguém trabalhava como deve ser. Afinal de contas, o trabalho que está a fazer há largos meses resume-se a zero, piorou as coisas. O presidente da comissão no mandato anterior falava connosco, atendia telefones. Este não faz nada”, critica Jorge Veloso, finalizando: “Não sei o que move o presidente”.
Quase três semanas passadas da reunião inicialmente agendada para dia 4 de dezembro, mas que acabaria cancelada, a representante das freguesias continua sem ser ouvida pela comissão que, entretanto, finalizou os seus trabalhos com a votação que deu aval à desagregação de 124 uniões de freguesias. Nem reunião, nem comunicação oficial dos resultados do relatório que validou 124 desagregações.
Uma destas é a da União de Freguesias de Alcácer do Sal (Santa Maria do Castelo e Santiago) e Santa Susana, cujo presidente, Arlindo Passos, considera a Lei 11/A 2013 que veio dar cumprimento à obrigação de reorganização administrativa do território das freguesias, “a maior aberração que criaram”. Agora, desta união, “maior que a Madeira”, como realça o autarca do PCP em final de mandato, sairão três freguesias, o que, por lei, permitirá uma reeleição de Arlindo Passos a uma delas. Algo que não está nos seus planos, confessa.
A forma como será feita a repartição dos 916 km2 é um exemplo de uma das críticas que o processo merece da parte dos autarcas. “As freguesias deviam ter a opção de escolher a melhor solução”, considera Arlindo Passos, que considera mais racional uma separação com Santa Susana de um lado (coincidindo com a distância elevada que tem à sede da união, dentro da localidade de Alcácer do Sal) e, do outro, unidas, Santa Maria e Santiago.
Contudo, explica, “ou desagregava as três, ou ficava tudo da mesma maneira. A nossa situação era muito mais rentável e poupava-se muito mais dinheiro. Mas a lei não facilitava” lamenta. Assim, perspetiva-se o surgimento, no concelho de Alcácer do Sal, de Santa Susana, com área superior a 100 km2, Santiago, em torno dos 300 km2, e Santa Maria, com uma área superior a 400 km2.
Lamentando que só agora o processo esteja a caminho do plenário, onde será votado pelos 230 deputados, sendo depois, em caso de aprovação, direcionado a Belém – “só é pena ter-se esperado tanto tempo. O PS, quando esteve no Governo, podia ter feito mais rápido e de outra maneira”, afirma – Arlindo Passos assegura que não tem ainda informações sobre como será o dia após a eventual aprovação pelo Presidente da República.
Certo é que não alterará as suas rotinas até final do mandato. “Eu vou fazer exatamente o que fazia até aqui. Tenho os três polos abertos e ando diariamente por eles. Se tivéssemos feito o que os governos queriam, teríamos fechado os três polos e ficávamos só com a sede” da freguesia. Assim, por ter mantido abertas as instalações das três freguesias agregadas em 2013, “a população nem se apercebeu”, diz o autarca da maior freguesia portuguesa.
Este lado da experiência do autarca, declaradamente defensor do fim das uniões, encontra, contudo, um ponto de ligação com a posição de Mariana Leitão, opositora desta ação. “Não temos evidência que tenha havido prejuízo para a população” com a lei de 2013. “Isto está a ser feito para haver ganhos políticos”, acusa a deputada da Iniciativa Liberal (IL), único partido marcadamente contrário à possibilidade de desagregação.
“O processo é uma contra-reforma. Tinha havido a reforma de 2013 para agregar freguesias, agora quer-se reverter. A realidade das freguesias já nem é igual à que era há 10 anos”, considera. Para a liberal, a medida vai invalidar efeitos positivos dos ganhos de escala, criar novas estrutura com mais custos ligados aos cargos políticos, quando o que o seu partido defende é “um Estado mais enxuto e ágil”.
“Devíamos estar a caminhar para uma reforma do Estado que permitisse a descentralização. Em vez disso, o que estes partidos fazem, por motivo de ganho político, pela multiplicidade de cargos políticos que serão criados, é uma contrarreforma. Digitalização e informatização, resposta de cariz socialm mobilidade, ninguém está a discutir nada disso”, aponta.
Quem fica com os ativos, quem assume passivos e outras dúvidas por esclarecer
Entre as dúvidas que a comissão de poder local não esclareceu está aquela que diz respeito às regras da comissão instaladora que será alocada a cada uma das mais de 270 freguesias derivadas da reversão das uniões feitas pela “Lei Relvas” em 2013.
Uma reversão que o promotor, o ex-ministro Miguel Relvas, considera “violação grosseira da lei. Juridicamente, politicamente e eticamente é inaceitável”, afirmou, em declarações à CNN. Mesmo que passe na votação em plenário, a reversão não passará no crivo presidencial, antevê Miguel Relvas. “Com um Presidente da República que é um constitucionalista, espera-se um chumbo“.
Com posição contrária à do ex-ministro está o presidente da ANAFRE, que no mesmo canal devolveu a Relvas as acusações. “Inconstitucional foi o que Miguel Relvas fez: uma lei a régua e esquadro. Dentro dos gabinetes em Lisboa”.
Ao ECO/Local Online, Jorge Veloso nota o número bastante exíguo de aprovações – 124, das quais 14 foram decididas in extremis, na reunião da comissão parlamentar, depois de o grupo de trabalho presidido pelo social-democrata Jorge Paulo Oliveira ter aprovado 110 –e espera para ver o que ocorrerá nos próximos meses, após ser conhecida a pretensão de parte da comissão parlamentar de se fazer nova avaliação às freguesias que foram reprovadas na avaliação deste ano e àquelas que nem sequer chegaram a esta fase. “O que é dito é que o grupo de trabalho vai apreciar outros projetos. Não sei se vai ser preciso nova entrada de processos”.
Outra das incertezas é a relativa aos responsáveis pela transição aquando da criação das novas freguesias. Ditando a lei que o surgimento de novos territórios tem de acontecer num mínimo seis meses antes das eleições, significa que haverá pelo menos meio ano de hiato entre a criação da freguesia e a eleição dos seus órgãos.
“As regras da comissão instaladora ainda não estão bem definidas. No mínimo, o presidente da junta terá de fazer parte de todas as comissões instaladoras” das freguesias que compõem a união que hoje lidera, considera o responsável da ANAFRE. Jorge Veloso dá um exemplo: “Os equipamentos comprados desde 2013 [pela união de freguesias] têm de ser alvo de uma divisão”.
Para lá da divisão do património, há que ver como se distribuem as responsabilidades dos contratos em vigor, nota Mariana Leitão, que, logo à partida, nem dá por adquirido que a desagregação avance até ao estágio final.
“Isto vai ser tudo votado no plenário, e no plenário os partidos têm possibilidade de votar como bem quiserem. Já manifestaram o seu entendimento, mas não se pode assumir que no plenário vão votar todos da mesma maneira. No grupo de trabalho houve várias votações distintas”, nota a deputada da IL. “Só a partir de dia 17 saberemos qual o número de freguesias em que o processo vai ocorrer, se passar”.
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