Almada defende “controlo de preços” na habitação

Inês de Medeiros pressiona revisão do Simplex Urbanístico que traz “encargos suplementares para investidores”. Compensar municípios pela perda de receita com isenção do IMT? “Quero ver isso no papel”.

A um ano de finalizar o segundo mandato num dos municípios mais afetados pelo problema da habitação, Inês de Medeiros defende que o Governo deve implementar uma “política mais ativa de controlo de preços” e “ir mais longe” no pacote da habitação, nomeadamente com a revisão do chamado Simplex Urbanístico, que acarreta um “encargo suplementar para os investidores”.

Em entrevista ao ECO/Local Online, a autarca socialista de Almada, que foi deputada entre 2009 e 2016, quer “ver no papel” a garantia do Executivo de Luís Montenegro de que os municípios serão compensados pela perda de receita com a isenção do IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis. Há sete anos à frente do município, a ex-atriz diz-se ainda preocupada com a “falta de resposta” do IHRU em relação às candidaturas para a construção de casas.

Tem afirmado que Almada é dos municípios com maiores problemas de habitação no país. Como é que esse problema se resolve?

Não é um problema que se resolva num ano. Somos dos municípios com maior número de bairros precários, que é um fenómeno que está a acontecer com o aumento dos preços da habitação e que tem tendência a agravar-se. Mas também estamos a sentir muita pressão da parte da classe média que não consegue acompanhar os preços do mercado e procura o mais perto possível de Lisboa. Tem havido um grande movimento nesse sentido, que também tem tido um impacto nos preços em Almada, que aumentaram bastante.

Daí eu achar que o mercado não resolve este problema. Defendo que deve haver uma política mais ativa de controlo de preços, com as compensações que serão devidas ou não, seja ao nível fiscal ou outro tipo de soluções. Mas temos de conseguir controlar os preços, senão isto entra numa roda-viva que nunca mais para.

Deveríamos ir um pouco mais longe no Mais Habitação no sentido de haver um controlo do preço por metro quadrado que deve ser negociado com o mercado, com os promotores.

Como é que o Governo pode travar a especulação imobiliária?

O Governo já anunciou que quer rever o pacote Mais habitação. Toda a gente elogiou o Simplex Urbanístico. Mas o eco que temos da parte dos investidores privados é que, de alguma maneira, o Simplex Urbanístico veio responsabilizar o promotor, o investidor. Há mais encargos para os promotores.

Como assim?

Os municípios tinham um papel de fiscalização prévia nos licenciamentos que faziam. É verdade que, às vezes, podiam ser mais demorados. Mas, uma vez o licenciamento passado, o investidor estava descansado. Neste momento, tememos — municípios e investidores — que, com as fiscalizações sucessivas, haja situações de embargo que depois são muito mais complicadas de gerir. E, sobretudo, que, na prática, isto passe a ser um encargo suplementar para os investidores, o que significa mais aumento do preço das construções. Ou seja, pode ter um efeito inverso: em vez de poupar e acelerar, pode encarecer e complicar. Logo, o programa deve ser revisto em função das próprias reações dos investidores.

Esta é a questão com a qual temos sido mais confrontados por parte dos próprios promotores. Confesso que vejo com preocupação. Acho que deveríamos ir um pouco mais longe no Mais Habitação no sentido de haver um controlo do preço por metro quadrado que deve ser negociado com o mercado, com os promotores.

Presidente da Câmara Municipal de Almada, Inês de Medeiros6 agosto, 2024

O que é que alteraria no pacote dirigido à habitação?

Vou dizer o que disse antes das eleições: para nós, municípios, é importante a clarificação e o melhoramento do Simplex Urbanístico. Eu, pessoalmente, teria ido mais longe em mecanismos de controlo de preços porque temo que algumas das medidas que lá estão sejam rapidamente ultrapassadas.

Relativamente à questão do alojamento local, a posição que Almada sempre defendeu é que depende dos municípios fazerem a avaliação do impacto que tem ou não tem e, portanto, poderem gerir mais ou menos autorizações. A autorização do alojamento local não era dos municípios que só faziam a vistoria. Depois era a questão da criação de um regulamento que permitia determinar zonas onde já havia limitações, que foi o que fez Lisboa e bem; e sucedeu-se a isso uma proibição.

Em Almada sempre defendemos que compete aos municípios fazerem essa avaliação. Somos contra, de repente, retomar um modelo em que os municípios não fazem essa avaliação caso a caso, bairro a bairro, freguesia a freguesia.

Voltando à habitação no concelho, que outros temas é que a preocupam?

O que nos preocupa neste momento é a falta de resposta do IHRU. Os municípios têm estado todos muito empenhados a trabalhar em todo o tipo de solução, desde a aquisição, reabilitação até à construção — que é o nosso caso –, mas tivemos muito poucas respostas da parte do IHRU.

O Plano de Recuperarão e Resiliência (PRR) é um programa em que, entre o momento em que começou a ser falado e agora, só passaram três anos, o que é muito curto para este tipo de investimentos. Temos 50 milhões de euros em candidaturas e temos tido respostas muito parciais.

Para construir quantas casas?

Temos cerca de 250 casas em candidaturas para a construção, fora a reabilitação e a aquisição. Mas está muito aquém daquilo que nós apresentámos. São 50 milhões para 531 fogos [incluindo construção, reabilitação e aquisição], sendo que o preço de construção quase duplicou. Aliás, foi um dos problemas do PRR de que também já se falou. Porque o preço da construção aumentou de tal maneira que a verba que estava prevista para os 26.000 fogos no país já não chega. O Governo também já disse que teve candidaturas muito acima [dessa meta].

Mas em Almada estamos muito aquém e temos questionado o Governo. Já tive ocasião de falar, numa reunião, com o ministro das Infraestruturas e da Habitação [Miguel Pinto Luz] sobre esta matéria e vamos continuar a insistir porque os projetos estão todos a andar. Neste momento, há um empreendimento com cerca de 140 fogos para lançar a empreitada e não tenho garantia de financiamento. Este projeto está incluído nestes 50 milhões que candidatámos para 531 fogos.

Temos 50 milhões de euros em candidaturas para 531 fogos [incluindo construção, reabilitação e aquisição] e temos tido respostas muito parciais por parte do IHRU.

E como é que resolve esse problema?

Pressionando, pedindo que nos deem uma resposta. O município sozinho não pode resolver isso. As respostas que nos deram são poucas. Dizem-nos que ainda está em avaliação.

Qual seria número ideal de casas a construir e reabilitar no concelho?

O ideal era termos respostas a todas as candidaturas que apresentámos porque, além da questão fulcral da habitação, há depois todos os outros PRR’s pelos quais os municípios também ficaram responsáveis. Já assinámos acordos para a construção dos dois centros de saúde que estão previstos e ainda aguardamos resposta para as escolas, que até foram definidas pelo anterior Governo.

Mas há muito investimento privado para a habitação. Temos uma série de projetos de investimentos privados que totalizam mais de 1.500 novas habitações. E ainda os projetos do IHRU, que era um compromisso para a construção de 1.200 fogos.

A presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) afirmou, recentemente, que as câmaras estão a lutar contra o tempo para executar os fundos europeus para construir e reabilitar as casas. Concorda?

Claro. Os municípios, como sempre, mobilizaram-se, empenharam todas as suas equipas. As equipas municipais não descansam, estão todas no limite, e lamentamos que as entidades do Estado depois não respondam com a mesma celeridade.

E em relação à isenção do IMT para a compra da primeira habitação própria e permanente por jovens até aos 35 anos?

Acredito num imposto que seja progressivo e, portanto, nunca sou muito favorável a medidas que sejam gerais e de alguma maneira cegas, seja ao nível do IMT ou do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis). Defendo um sistema que seja proporcional e progressivo, pois só assim garantimos alguma justiça social. Por outro lado, também estamos preocupados em saber como é que essa fiscalização vai ser feita.

O Estado já disse que iria compensar os municípios pela perda de receita, que iria compensar mensalmente. Mas eu quero ver isso no papel, como é que se vai operacionalizar. Até porque ao dia de hoje já temos muita dificuldade em ter informação atempada e correta — no sentido de ser detalhada — por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira. São medidas que o Governo e a Assembleia da República têm toda a legitimidade de tomar. Mas não basta anunciar medidas, é preciso que venham depois anexados os decretos regulamentares que garantem a aplicação e a justiça dessa medida. Normalmente, o que acontece é que os maiores penalizados são os municípios.

O Estado já disse que iria compensar os municípios pela perda de receita no IMT. Mas eu quero ver isso no papel.

A questão que se coloca é quais são as garantias de que os municípios não serão penalizados por essa receita. Da mesma forma que acho que deveríamos ter uma informação muito mais detalhada, porque é muito difícil o município saber de onde vem a receita do IMI, que muitas vezes vem ‘em bolo’. Portanto, se não houver uma articulação muito estreita entre a Autoridade Tributária e os municípios, teremos dificuldade em conseguir contabilizar o que é ou não é [relativo à] compensação.

O impacto será grande nos cofres do município?

O impacto é só mesmo para os municípios. Não sei como é que as conversações não se fazem todas connosco desde o início.

O Governo deveria sentar-se à mesa com as câmaras para chegarem à melhor solução?

A ANMP está a acompanhar este assunto e deve ser o grande interlocutor, mas também deve haver a intervenção das áreas metropolitanas, que têm uma realidade muito própria.

E como está a processo de descentralização de competências?

Quero saudar o extraordinário trabalho que a ANMP tem feito, e, em particular, a sua presidente Luísa Salgueiro. E saudar também o anterior Governo [liderado por António Costa]. Estou certa de que o novo Governo não vai falhar nos compromissos, na atualização e no acompanhamento permanente dessa matéria.

É evidente que as respostas de proximidade criaram uma maior procura. Agora temos estruturas de acolhimento social em todas as freguesias, algo que não existia anteriormente. É evidente que essas questões têm depois de ser acompanhadas em permanência. Não apenas nas comissões de acompanhamento, mas com as devidas atualizações e em função daquilo que também tem sido o impacto, a inflação a vários níveis, o aumento dos salários.

Não basta fazer aprovar leis na Assembleia da República — e eu sei disso porque também lá estive alguns anos. Mais importante é ter a certeza de que estas grandes reformas passam a ser acompanhadas.

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