“As entidades políticas não percebem a urgência da proteção à media local”
As consequências da suspensão do Playce, o crescimento anémico da publicidade digital, as oportunidades para os media locais e os novos projetos de Fernando Parreira, em entrevista.

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A nota de ilicitude da Autoridade da Concorrência (AdC) que levou à suspensão do Playce é vista por Fernando Parreira, até ao final de março diretor de negócios do Sapo, como “o reflexo de alguma distância entre os vários stakeholders do mercado publicitário e aquilo que são as entidades reguladoras”. É importante destacar que os broadcaster, a media local, estão sob grande pressão, isto não é novidade para ninguém, e amputar uma parte do seu negócio, que ainda por cima estava em crescimento, parece-me um bocadinho irrefletido”, afirma em entrevista ao +M.
A consequência prática deste congelamento vai ser este investimento poder ser levado, sobretudo, para as plataformas globais, aponta o profissional que acaba de lançar a consultora ROI – Rebels. “Mais uma vez, parece que as entidades políticas não percebem a urgência da proteção à media local e tomam estas decisões que, eventualmente, colocam todo o ecossistema sob muita pressão“, aponta.
A pressão que esta decisão vai colocar sobre os players locais, o crescimento anémico da publicidade digital em Portugal, em contra ciclo com a Europa, o impacto que a inteligência artificial está a ter nos motores de busca e as oportunidades para media são outros dos temas abordados com o também dono da Quid Academy, uma academia de formação profissional, para “atrair novo talento para a indústria”.
“Um dos aspetos que fui identificando ao longo dos anos é que somos um país — ao nível dos nossos recursos e mesmo posição geográfica — extremamente atrativo para podermos disponibilizar serviços, não só para o nosso mercado mas também para outros, mas continuamos a estar aquém no número de recursos que temos a atuar nesta indústria”, avança como ponto de partida para o lançamento da academia.
“Naquilo que são funções de ad-ops, de operações de publicidade, existe constantemente uma disputa de recursos entre os meios, as agências de meios, os anunciantes”, dá como exemplo Fernando Parreira. “Há neste momento uma oportunidade clara de atrair novo talento para a indústria, que é uma indústria que tem empregabilidade extremamente elevada e vencimentos acima da média do mercado“, aponta.
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Soubemos, já em abril, que o Playce foi suspenso. É uma decisão das três operadoras, mas na sequência de uma nota de ilicitude da Autoridade da Concorrência (AdC). Como vê esta decisão?
Com pena. Acho que o tema que se passa com o Playce acaba por ser um bocadinho o reflexo de alguma distância entre os vários stakeholders do mercado publicitário e aquilo que são as entidades reguladoras. Porque, efetivamente, no caso concreto do Playce, estamos a falar de uma iniciativa que me parece relativamente inócua no que toca a temas concorrenciais. Uma iniciativa de três operadores que decidem procurar capitalizar aquilo que era um inventário extremamente relevante, que é o do catch-up TV, e que, desde cedo, disponibilizaram este ecossistema, não só a sales houses ligadas aos operadores — o Sapo e a Nos Publicidade –, mas, de uma forma progressiva, a outras sales houses, como foi o caso da Impresa, Media Capital e, mais recentemente, a Disney.
Ou seja, a publicidade era vendida pelo Sapo, pela Nos e por estas três outras entidades.
Exatamente. Era um negócio pelo qual os anunciantes tinham uma grande atração, fruto disso mesmo foi um crescimento bastante significativo nos últimos três anos. Os anunciantes e as agências de meios. O mercado estava bastante interessado e continua bastante interessado neste tipo de produto.
Que valeria neste momento cerca de 10 milhões de euros.
Sim, são os valores que correm no mercado. Eu, naturalmente, não poderei fazer disclosure de valores que tenho conhecimento da anterior função que desempenhava, mas, sim, deverá rondar à volta disso, são os valores que correm. Espero que o projeto não termine, mas fica on hold de uma forma, parece-me, um bocadinho injustificada.
Os broadcaster, a media local, estão sob grande pressão. Amputar uma parte do seu negócio, que ainda por cima estava em crescimento, parece-me um bocadinho irrefletido.
Se o Playce for mesmo descontinuado, como vai ser a partir do dia 1 de maio, quais são as consequências para o mercado? Para onde vão esses 10 milhões?
É importante destacar que os broadcaster, a media local, estão sob grande pressão, isto não é novidade para ninguém, e amputar uma parte do seu negócio, que ainda por cima estava em crescimento, parece-me um bocadinho irrefletido.
A “reflexão” da AdC já virá desde 2021, logo desde o início. Como se justifica este arrastar no tempo e depois a nota de ilicitude?
Não conheço o processo. Fui auscultado várias vezes naquilo que eram as interações que existiam com a Autoridade da Concorrência. Sei que os esclarecimentos eram sempre dados com bastante rapidez. Mas eu, mais uma vez, não consigo perceber exatamente a razão, até porque, lá está, do pouco que conheço daquilo que são os temas regulatórios que poderiam provocar uma decisão dessas, não vejo de todo enquadramento.
Voltando às consequências.
Este é um tipo de produto que tem uma grande atratividade no mercado. Os produtos ligados a connected TV, a addressable TV, estão a crescer na Europa, nos Estados Unidos, de uma forma bastante significativa, já começando a ter uma expressão bastante grande naquilo que é o share do investimento digital.
Em Portugal, a consequência prática deste congelamento vai ser este investimento poder ser levado, sobretudo, para aquilo que são plataformas globais. Quer estejamos a falar do YouTube, quer de plataformas de streaming que, neste momento, já têm produtos de publicidade, como seja o caso da Disney, da HBO ou do Sky Showtime, ou, em breve, também da Netflix e da Amazon Prime.
Mais uma vez, parece que as entidades políticas não percebem a urgência da proteção à media local e tomam estas decisões que, eventualmente, colocam todo o ecossistema sob muita pressão.
Ou seja, os prejudicados são, em última análise e mais uma vez, os meios locais?
Exatamente. Mais uma vez, parece que as entidades políticas não percebem a urgência da proteção à media local e tomam estas decisões que, eventualmente, colocam todo o ecossistema sob muita pressão.
A media local que vale cerca de 20% do investimento publicitário em digital, é assim?
Exatamente, sim. São esses os números, que são muito semelhantes ao que acontece em Espanha. Em Espanha estamos a falar dos publishers, dos grandes publishers, a valerem qualquer coisa como 20% do valor total. É claro que, no caso do mercado dos nossos vizinhos, o digital vale cerca de 5.5 mil milhões, enquanto em Portugal valerá qualquer coisa como um décimo disso.
Em Portugal terminou o último ano a crescer 1%.
Sim, enquanto em Espanha cresceu 12%.
E está a decrescer no acumulado de janeiro e fevereiro deste ano. Isto segundo os dados BDO, um cruzamento de investimento publicitário feito via agências de meios — o investimento direto não está incluído. O digital está a cair porquê?
Sinceramente, não encontro grandes explicações. As projeções para este ano, na Europa, eram de crescimentos entre os 6 a 8%. Como disse, em Espanha, cresceu 12% no ano passado, em Portugal ficou-se apenas por 1%.
Importa destacar que a indústria do digital está em forte crescimento em todos os mercados, de uma forma transversal — e as minhas responsabilidades enquanto presidente do IAB Portugal faziam com que eu tivesse um contacto bastante próximo com os números europeus. Inexplicavelmente, em Portugal parecemos ficar para trás nesta tendência.
Sei que as marcas têm uma grande apetência para continuar a reforçar os seus budgets, nomeadamente para estratégias de performance através dos canais digitais, mas ainda assim o crescimento ficou aquém.
Possíveis explicações? O crescimento de plataformas como o ChatGPT e outras plataformas de inteligência artificial afetaram um bocadinho aquilo que eram os investimentos em search, na Google, e eventualmente alguma maior concentração dos investimentos do branding em televisão e em outros meios offline fazem com que o digital ainda fique secundário naquilo que é investimentos mais avultados em notoriedade e above the line.
A televisão continua a ser, de facto, apetecível, sobretudo porque é também um meio extremamente barato.
A televisão vale ainda 47% do investimento, continua a ser muito apetecível.
Continua a ser, de facto, apetecível, sobretudo porque é também um meio extremamente barato. Este ano estamos a assistir a alguns movimentos dos broadcasters de tentar puxar o preço para cima, portanto, fazer subir o preço de televisão.
Mas, mesmo com uma subida que fosse para o dobro ou para o triplo, estaríamos a falar de um preço, um custo por rating, muito mais baixo do que aquilo que acontece na média da Europa. E por isso é que temos realidades completamente diferentes. Por exemplo, em Espanha, comparativamente com Portugal, o peso da internet já é quase 60% e em Portugal ainda estamos abaixo dos 50.
A internet que também é muito barata, não é?
Quando se fala em custo por contacto, estamos a falar de um custo por contacto mais elevado do que é o custo em televisão. Mas estamos a falar de um meio muito mais escrutinado em termos de métricas e que permite uma coisa que a televisão não permite, que é uma interação. E, portanto, há um engagement completamente diferente no digital comparativamente a um meio como a televisão ou como o out of home.
Do que estamos aqui a falar é provavelmente de uma substituição de um player que detinha uma esmagadora maioria das pesquisas que eram feitas a nível global, que era o Google, para ser dividida por outras plataformas que agora começam também a ter a sua preponderância naquilo que são as pesquisas.
Escreveu há uns meses um artigo de opinião, para o +M, no qual dizia que a porta de entrada para a internet está a mudar, muito por causa da inteligência artificial. Ou seja, agora fazemos uma pesquisa e aparece-nos logo no início da página uma explicação, um resumo do tema, e quem opta por se satisfazer com essa resposta, escusa de clicar nos links. Que impacto esta alteração vai ter na publicidade e também nas media locais?
Vou ter que dividir aqui a resposta em algumas partes. Primeiro, no que toca ao search, acho que vamos passar rapidamente a ter produtos publicitários associados a estes agentes de inteligência artificial. Já se começa a falar de que o ChatGPT e a Perplexity estão prestes a lançar produtos publicitários. Penso que a Perplexity até já os tem e, portanto, rapidamente vamos começar a ter sugestões patrocinadas associadas àquilo que são as respostas que estamos a visualizar nestas plataformas.
E, portanto, do que estamos aqui a falar é provavelmente de uma substituição de um player que detinha uma esmagadora maioria das pesquisas que e eram feitas a nível global, que era o Google, para ser dividida por outras plataformas que agora começam também a ter a sua preponderância naquilo que são as pesquisas que fazemos.
Esta transição levanta outras questões. Se eu anteriormente, quando queria saber, sei lá, temas relacionados com o Orçamento de Estado, fazia uma pesquisa e depois era-me apresentada a uma lista de sites e eu ia para os sites dar continuidade à minha pesquisa, hoje em dia, diria que 80% ou mais das vezes, encontro uma solução para a minha questão na resposta que me é dada por estas plataformas. Ou seja, já não irei para os sites. O que levanta aqui outros temas, como é que as pessoas vão chegar aos sites?
E isso naturalmente traz questões no que toca às audiências dos sites e naturalmente à sua capacidade de monetização. Acho que existe aqui uma oportunidade bastante grande para as marcas de qualidade de informação reforçarem sua ligação aos utilizadores.
Acho que existe aqui uma oportunidade bastante grande para as marcas de qualidade de informação reforçarem sua ligação aos utilizadores.
Como?
Porque as pessoas vão querer sempre estar informadas. À maior parte das pessoas uma informação bastante sumária chega, isso provavelmente encontram através das redes sociais ou de outras plataformas, que é um bocadinho o ‘toca e foge’.
O que também contribui para aumentar a desinformação.
Mas a desinformação eu acho que sempre existiu e vai continuar a existir. Se uma pessoa, de facto, quer estar informada sobre questões políticas, por exemplo, tem que ler artigos de profundidade, artigos de opinião, ver eventualmente os debates, etc.
Mas a realidade é que depois, se calhar, a maior parte das pessoas não tem esse tempo ou não tem essa disponibilidade. E, portanto, preferem apenas ver os punch lines e that’s it. E a realidade é que, praticamente todas as pesquisas, indicam que a maior parte das pessoas mantém-se informada pelas redes sociais. Acho que, e isto depois vai depender de cada mercado, especialmente as pessoas que querem estar informadas, vão querer sê-lo com qualidade e, para isso, vão-se fidelizar a marcas de referência.
Portanto, consegue ver aqui uma oportunidade para os media locais?
Sem dúvida nenhuma. Acho que marcas que efetivamente estão no nosso top of mind em termos de qualidade de informação e profundidade na mesma, vão ter uma oportunidade bastante grande para — não diria se calhar aumentar a audiência que têm — claramente aumentar o tempo de atenção da audiência que lhes é mais fiel.
E eu acho que isso pode ser uma excelente oportunidade para eventualmente reforçar alguns modelos de monetização. Há depois uma outra oportunidade bastante grande, que essa está a ser seguida de uma forma bastante exaustiva pelo TikTok, que é as pessoas, para além da informação, quererem entretenimento. E eu acho que faltam boas plataformas de entretenimento em Portugal.
Assistir à entrevista completa
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