“É preciso não esquecer que há sempre influência. O que nós queremos é separar a boa da má influência”
A regulamentação do lobbying e o seu impacto, a "comunicação de influência", o desafio de valorizar a atividade e a recandidatura à presidência da APECOM, em entrevista a Maria Domingas Carvalhosa.

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“A boa notícia é que posso afirmar com muita certeza que é desta que Portugal vai ver a representação de interesses legítimos, ou o vulgo chamado lobbying, regulamentado”. A convicção de Maria Domingas Carvalhosa, presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Comunicação (APECOM ) surge na sequência da ronda que fez pelos partidos com assento parlamentar, já após a aprovação na generalidade dos projetos de lei para regulamentar o lobbying.
Lobista assumida, a presidente da associação que representa 33 consultoras de comunicação admite que a palavra ainda tem uma carga negativa. “Dizer-se que a regulamentação do lobbying é a legalização da corrupção é ter um desconhecimento total do que é que é o lobbying ou a representação de interesses”, aponta. “É preciso não esquecer que há sempre influência. Mas há boa influência e há má influência. O que nós queremos, na representação de interesses legítimos, é separar a boa influência da má influência. Nós somos pela boa influência”, defende em entrevista.
Maria Domingas Carvalhosa anuncia também a sua recandidatura à presidência da APECOM, associação que “representa cerca de 90% do negócio”, e aponta a valorização do setor como o grande desafio para as consultoras de comunicação.
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Na sequência da aprovação na generalidade de projetos de lei para regular o que vulgarmente chamamos lobby, reuniu nos últimos dias com o PSD, PS, CDS, Livre, Chega e com a Iniciativa Liberal. Que principais conclusões retira destes encontros?
Há mais de 10 anos que pessoalmente ambiciono a regulamentação do lobbying e a APECOM, a associação que dirijo, também. Tem sido muito frustrante…
Regulamentação que já foi votada cinco vezes.
Sim, muitas. Confesso que já perdi a conta. Assim como já perdi a conta às vezes que disse “é desta”. Aliás, tenho um artigo publicado, em que o título é mesmo “Será que é desta?”. Mas não foi, em nenhuma das vezes que eu achei que era desta.
A boa notícia é que posso afirmar com muita certeza que é desta que Portugal vai ver a representação de interesses legítimos, ou o vulgo chamado lobbying, regulamentado.
E é desta?
A boa notícia é que posso afirmar com muita certeza que é desta que Portugal vai ver a representação de interesses legítimos, ou o vulgo chamado lobbying, regulamentado. Ao longo destes anos tenho reunido várias vezes com os grupos parlamentares e, pela primeira vez em todos estes anos, encontrei os vários grupos parlamentares muito empenhados em ver esta lei entrar em vigor. Encontrei-os também numa grande sintonia relativamente ao que será a legislação, tendo apenas algumas divergências, duas ou três, mas penso que chegarão a acordo para que a lei possa ver a luz do dia.
Quais são essas duas ou três divergências? Qual é a vossa posição, sobre cada uma delas?
Nós defendíamos três coisas fundamentais. Uma é que o registo dos lobistas seja universal, online e único.
Ou seja, para evitar ser preciso fazer esse registo em diversas entidades.
Exato. De todos estes projetos de lei, o do Chega não defende um registo único, mas isto pode mudar. É importante que as pessoas entendam que a lei foi votada na globalidade. Mas descendo à Comissão, todos os grupos parlamentares vão tentar chegar a acordo para que saia um texto único, que seja um encontro de vontades de todos os grupos parlamentares. E é muito possível que, entretanto, o Chega chegue também à conclusão que é importante que o registo único seja contemplado. Por que nós achamos que o registo único é fundamental? É fundamental porque estamos a falar de transparência.
E, não havendo registo único, estamos a criar uma série de complicações. Ora bem, pensemos que temos a Assembleia da República, temos o Governo, temos a Presidência da República, depois temos 308 autarquias e temos milhares de juntas de freguesia. Se dermos oportunidade a cada uma destas entidades públicas poderem ter o seu registo…
Se estamos a criar uma legislação para que haja transparência e combater a corrupção, não me parece que o ideal seja estarmos a proporcionar situações em que seja possível haver situações mais dúbias.
É uma loucura.
Imaginem a loucura que é, certo? E, de facto, diz o povo e bem, que quem cria dificuldades vende facilidades. Ora, se estamos a criar uma legislação para que haja transparência e combater a corrupção, não me parece que o ideal seja estarmos a proporcionar situações em que seja possível haver situações mais dúbias. Acredito que esse ponto será ultrapassado.
Estivemos com o Chega, foi muito sensível a este ponto e, portanto, eles vão rever esse ponto. A Iniciativa Liberal também tem esta questão do registo não ser único. Espero também que também repense essa questão. De resto, embora o projeto de lei do PS não tenha o registo único — o PS apresentou o projeto de lei antigo –, são a favor também, foi o conhecimento que tive no encontro que tivemos com os deputados do Partido Socialista. Quanto a isso, não vai haver qualquer questão. Portanto, estamos muito positivos.
Quais são, para a APECOM, os outros pontos essenciais?
Há outra questão que para nós não é nenhuma exigência. Não tem a ver connosco, só queremos que a lei seja eficiente, mas que pode fazer com que haja algumas discordâncias em termos de grupos parlamentares, que é onde o registo de transparência vai funcionar. Se é na Assembleia da República, se é na Autoridade da Transparência, isso é uma questão que eles têm que chegar a acordo, não é connosco.
Depois temos outro tema, que para nós não é fulcral, mas que pode ser em termos de reputação da própria atividade, que é a participação dos advogados na atividade. Também não há unanimidade desse ponto. Há projetos de lei que permitem a atividade aos advogados, desde que registados, e há projetos de lei que, pura e simplesmente, não permitem a atividade aos advogados e solicitadores. Ora, não se pode proibir a um advogado ir ao Parlamento. O que significa que nós consideramos que há aqui um alçapão na lei, porque com uma procuração forense qualquer advogado vai ao Parlamento e faz representação de interesses.
Não fica é registado como tal.
Não é de todo registado. Se não pode fazer representação de interesses, não se pode registar e, portanto, quando lá vai, vai como se fosse na qualidade de advogado e para atos próprios. Não estou a ver que atos próprios é que um advogado vai fazer no Parlamento, não é? O que nós consideramos é que não é justo que advogados não possam desenvolver atividades de representação de interesses. É justíssimo que possam fazê-lo. E, portanto, devem-no fazer registados, como outras profissões, como a nossa. Não permitindo, vai fazer com que os advogados possam, eventualmente, fazer representação de interesses, na qualidade de advogados. Há aqui um alçapão na lei.
Dizer-se que a regulamentação do lobbying é a legalização da corrupção é ter um desconhecimento total do que é que é o lobbying ou a representação de interesses.
Teve oportunidade de falar com todos os grupos, menos com o Bloco de Esquerda e o PCP…
Não falei, nem faço tensões de falar com o Bloco de Esquerda e com o PCP, porque eles estão fora deste tema. Não faz muito sentido falar com dois partidos que consideram que, isto são palavras do PCP, é a regulamentação da corrupção. Dizer-se que a regulamentação do lobbying é a legalização da corrupção é ter um desconhecimento total do que é que é o lobbying ou a representação de interesses.
Atenção, tenho muitos diálogos enquanto lobista com o PCP e com o Bloco de Esquerda sobre outros temas e tudo corre muito bem. Agora, relativamente a este tema, não vale a pena. Mas é compreensível, estão numa situação muito difícil, porque partidos que não acreditam na propriedade privada têm alguma dificuldade em assumir que a propriedade privada tem interesses.
Tudo isto, esta questão do lobbying, é muito interessante. Num Estado de Direito, os interesses públicos coexistem com os interesses privados. E o Estado tem que conhecer os interesses privados. Por outro lado, o legislador e o decisor não estão na posse de toda a informação.
Para haver boas decisões de políticas públicas, ou haver boas leis, eles têm que ter mais informação.
Decisão informada.
Para haver uma decisão informada, têm de trocar informação com quem está no terreno, com quem sabe. Estes contactos, feitos no âmbito desta representação de interesses, dá muita matéria e muita informação ao legislador e ao decisor para tomar melhores decisões e para criar melhores leis. E isto é muito interessante.
Sempre que se fala em pressão para se conseguir alguma coisa, fala-se em lobby. E, portanto, tem uma má conotação.
A palavra lobby ainda tem uma carga tão negativa porquê?
Porque sempre que se fala em pressão para se conseguir alguma coisa, fala-se em lobby. E, portanto, tem uma má conotação.
Tem problemas de reputação.
É, tem uma má conotação, sempre teve. O termo em si vem dos Estados Unidos, um dos primeiros presidentes [Ulysses Grant] recebia as pessoas no lobby de um hotel e foi daí que veio o termo. Mas, hoje em dia, a palavra em Portugal é conotada com cunhas, com corrupção, quando é totalmente diferente. Na APECOM, ao fim de muitos anos de não conseguirmos que o Estado regulamentasse o lobbying…
Nós votamos nos nossos representantes para eles decidirem a bem da causa pública. Muitas vezes a causa pública e a causa privada encontram-se. Quando não se encontram, o legislador deve decidir a bem da causa pública. Mas isso não impede o diálogo.
Criaram um código de conduta.
Exato. Adiantamo-nos ao Estado e criámos um código de conduta porque trabalhávamos segundo regras utilizadas nos outros países. Já fazíamos tudo com transparência, tínhamos procedimentos que nunca deixámos de utilizar. Anunciamos sempre quem representamos, qual é o tema, quais são os interesses, sempre que reunimos com o legislador ou com o decisor levamos um documento a que chamamos de position paper, em que definimos quem é a entidade que se está a apresentar, qual é o tema, o problema e o contexto do problema, qual é a solução que achamos que existe para o tema e acabamos a dizer o que é que pedimos. E, depois, cabe ao legislador ou ao decisor tomar a decisão por ele próprio.
E fazer o contraditório.
Exato. Nós votamos nos nossos representantes para eles decidirem a bem da causa pública. Muitas vezes a causa pública e a causa privada encontram-se. Quando não se encontram, o legislador deve decidir a bem da causa pública. Mas isso não impede o diálogo.
Mesmo o lobby não estando regulado, apresenta-se como lobista.
Eu digo que sou lobbyista desde que faço, porque sou uma mulher transparente. Eu não vou fingir que não faço lobbying, quando vou para a Assembleia. Sempre disse que era lobista. Assim como sou uma pessoa que leva muito a sério a responsabilidade social. No dia em que o lobbying se traduzisse em tráfico de influências — já nem digo corrupção, porque são dois crimes diferentes — eu imediatamente deixava de trabalhar na área. Eu sou uma mulher de causas, acho que estou a fazer bem pela democracia. Tenho conseguido coisas fabulosas para o país, com clientes. Trabalho com muitas associações de setor.
Por exemplo?
Medicamentos que foram importantes em que houve braços de ferro. O que aconteceu é que se conseguiu que Portugal passasse a ser o primeiro país que erradicou uma doença, apoiei o cliente nas negociações.
Ou seja, se o lobby estivesse regulamentado, esses encontros seriam públicos e estariam registados?
Exatamente, sabia-se tudo. A regulamentação do jogo. E tive nas negociações da regulamentação do jogo em Portugal. O jogo é algo que vai sempre existir. Mas preferimos uma plataforma que está controlada pelo Estado, em que o Estado recebe impostos, ou preferimos ter milhentos players ilegais?
O que vai mudar na vossa atividade com a aprovação da lei do lobby?
Nada. Vai mudar é para as entidades públicas. Nós já nos guiamos por um código de conduta que é baseado nas melhores normas internacionais. Quarenta e quatro entidades aderiram a esse código de conduta. Aliás, entregámos a todos os grupos parlamentares com que estivemos reunidos o nosso código de conduta e é muito provável que algumas das regras que possam vir a aparecer na legislação sejam inspiradas no código de conduta.
Vai mudar para as entidades públicas, vai sair um peso enormíssimo de cima das entidades públicas. O facto de as coisas serem abertas e transparentes faz com que os ‘casos e casinhos’ que todos os dias saltam para os meios de comunicação social… muitos têm na base problemas graves, com certeza, de corrupção, mas muitos não têm. Muitos são casos de troca de documentos normais, mas que como ninguém sabe como é que as coisas funcionam, começa-se por criar um caso onde não há. E mistura-se a boa influência com a má influência.
É preciso não esquecer que há sempre influência. Mas há boa influência e há má influência. O que nós queremos, na representação de interesses legítimos, é separar a boa influência da má influência. Nós somos pela boa influência.
Acho que é fundamental criarmos um conjunto de regras de trabalho das nossas consultoras e dos nossos consultores com a inteligência artificial. A inteligência artificial não nos substitui, mas dá-nos uma grande ajuda.
Está no segundo mandato, enquanto Presidente da APECOM. lém desta questão, quais são as grandes prioridades?
Duas. Além do lobbying, uma é o marketing de influência e outra a inteligência artificial. Aliás, a comunicação de influência. Estamos a trabalhar com um conjunto de académicos, porque achamos que o marketing de influência devia ser comunicação de influência. Estou a criar o conceito de comunicação de influência
Porquê?
O marketing é totalmente virado para as vendas e acho que o que os influenciadores fazem não é só vendas, muitas das coisas que eles fazem são também orgânicas. Também trabalham causas. Acho que se adequa mais ao trabalho que os influenciadores fazem, comunicação de influência. Tenho vários professores universitários portugueses a trabalhar num conceito académico para comunicação de influência.
Depois, estamos também com um grupo de trabalho de inteligência artificial. Acho que é fundamental criarmos um conjunto de regras de trabalho das nossas consultoras e dos nossos consultores com a inteligência artificial. A inteligência artificial não nos substitui, mas dá-nos uma grande ajuda. Estamos a fazer um trabalho muito engraçado no grupo de trabalho de inteligência artificial. O meu mandato está a acabar. Vai haver novamente eleições. Eu vou-me recandidatar, a pedido de algumas famílias.
Pode assistir à entrevista completa, com estes temas desenvolvidos e outros abordados, aqui:
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