“Enquanto andarmos a canibalizar-nos uns aos outros, o mercado não vai crescendo”
Filipe Teotónio Pereira e Ricardo Pereira, da Nova Expressão e comOn, têm agora um acionista comum. O impacto do negócio nas agências, mas sobretudo as oportunidades e desafios do mercado, em análise.
“Quando nos acomodamos, achamos que as marcas existem porque as agências existem, está tudo errado. Nós precisamos que a indústria cresça. E para a indústria crescer, eu não posso estar a lutar pelo budget da minha concorrência. Eu tenho que aumentar o mercado.” A ideia é defendida por Ricardo Pereira, fundador e CEO da comOn, agência cuja maioria do capital foi comprado no início do ano pela Nova Expressão SGPS, dona da agência de meios com o mesmo nome.
“A nossa indústria o que faz é mudar comportamentos, que levam depois a negócio. Temos que estar preocupados com negócios e pôr as marcas ao serviço dos negócios, não ao serviço do P&L de curto prazo”, reforça o responsável da consultora criativa, no último ano objeto de reestruturação. Neste momento são 32 pessoas, há um ano eram mais 11.
“Tínhamos muito volume de trabalho que não fazia grande coisa por nós, porque era um trabalho mais sistematizado e que não só não nos dava grande margem, como também não nos dava grande reputação, nem aprendizagem. E ter volume por ter volume, sinceramente não faz muito sentido”, justifica Ricardo Pereira. O negócio com a Nova Expressão, é descrito como uma quase “inevitabilidade”. “Achar que sozinhos conseguimos fazer tudo é uma utopia”, diz.
“As duas agências têm como denominador comum serem nacionais, portuguesas, serem empreendedoras e darem muito valor a cada euro investido, porque são criadas também elas por empresários portugueses, independentes e com uma preocupação muito grande de medir o impacto gerado“, aponta Ricardo Pereira.
Esta característica é defendida também por Filipe Teotónio Pereira, diretor-geral da Nova Expressão. “Há esta variável do empreendedorismo, que faz a diferença. A independência dá-nos uma isenção e uma liberdade para, entre outras coisas, escolher sempre o melhor parceiro para o projeto em causa”, aponta.
Em entrevista ao +M, os responsáveis da consultora criativa e da agência de meios explicam o impacto que o negócio vai ter nas duas agências e apontam os desafios e oportunidades de mercado.
Porquê a venda de uma participação maioritária da comOn e porquê à Nova Expressão?
Ricardo Pereira (RP): A razão é quase inevitável. Se olhar para o mercado, para aquilo de que os clientes vão precisando e a panóplia de ferramentas e de âmbitos que temos que ter, achar que sozinhos conseguimos fazer tudo é uma utopia.
E, para além de ser uma utopia, é uma luta ingrata, que não gera valor nem para nós, nem para o mercado, muito menos para os nossos clientes. É uma luta muito complexa e, sinceramente, não faz assim tanto sentido fazê-la sozinho.
O que temos vindo a fazer, já há alguns anos, é associarmo-nos a pessoas e empresas com quem temos um denominador comum forte e conseguimos ter, acima de tudo, a confiança como cola entre nós todos.
Daí a comOn, desde já há uns seis aninhos, estar cada vez mais ativa na AMIN (Advertising & Marketing Independent Network) da qual fui co-presidente até ao final de 2024. Porquê? Porque permite-nos, em sede de AMIN, que é a associação mundial de agências independentes, ter outras entidades com as quais podemos aprender, partilhar ferramentas, complementar âmbitos, partilhar conhecimento, ter dinâmicas de partilha também de recursos e de energia, e com isto trazemos mais valor aos nossos clientes e ao nosso mercado, com uma escala muito menor do que aquelas que as grandes networks têm, e conseguimos lutar as mesmas batalhas.
O que temos feito, já há quase 10 anos, com a Nova Expressão é o mesmo, num âmbito inicialmente muito alicerçado na media. A Nova Expressão sempre foi o nosso grande parceiro, com não só uma excelente competência, mas também uma visão muito forte na área da media. As duas agências têm também como denominador comum serem nacionais, portuguesas, serem empreendedoras e darem muito valor a cada euro investido, porque são criadas também elas por empresários portugueses, independentes e com uma preocupação muito grande de medir o impacto gerado.
Casando a primeira parte da resposta com agora esta segunda, fez-nos todo o sentido avançarmos com este movimento. E com uma outra mais valia, é que nós temos que nos focar. E o facto de a Nova Expressão ter experiência — e aqui destaco a experiência do Pedro [Baltazar) e da Rita [Rita] na gestão e no controlo de gestão — e ferramentas muito fortes de visão de longo prazo, sem estarem reféns apenas do P&L do ano, mas o olhar para o mercado com uma capacidade forte de investir naquilo que o mercado precisa em antecipação, parece-nos excelente. Trazendo esta realidade para comOn, e permitindo à equipa de gestão atual focar-se muito mais em visão e mercado, conseguirmos com as mesmas pessoas gerar muito mais disponibilidade para o mercado. Só aí já é um ganho e um quick win.
Na prática, com a mudança de estrutura acionista, o que é que muda na agência?
RP: Muito mais pragmatismo e mais automatismo no controlo de gestão. Do ponto de vista operacional, não muda quase mais nada, as equipas mantêm-se completamente autónomas e independentes na sua operação. O que temos aqui é uma possibilidade de adicionar, pelas sinergias que temos e porque investindo em conjunto a coisa fica muito mais fácil e mais competitiva até de diluir, é acesso a ferramentas, estudos, conhecimento e, obviamente, algumas sinergias que nos permite criar uma abordagem conjunta num ou noutro cliente específico.
A comOn foi reestruturada e redimensionada no último ano. Quantas pessoas saíram e quantos são hoje?
RP: Atualmente somos 32. De há um ano e meio para cá tivemos que começar este processo, um bocado de walk the talk da sustentabilidade. E sustentabilidade é também numa perspetiva de governance e social, pelo que dimensionámos de forma ajustada ao âmbito e à volumetria de trabalho que queremos ter. Tínhamos muito volume de trabalho que não fazia grande coisa por nós, porque era um trabalho mais sistematizado e que não só não nos dava grande margem, como também não nos dava grande reputação, nem aprendizagem. E ter volume por ter volume, sinceramente não faz muito sentido.
Tínhamos muito volume de trabalho que não fazia grande coisa por nós. E ter volume por ter volume, sinceramente não faz muito sentido.
Saíram quantas pessoas?
Neste momento somos 32, em janeiro do ano passado éramos 43. Parece-nos uma dimensão ajustada, que obviamente tenderá agora a crescer, mas crescer de uma forma muito sustentável é indexada ao âmbito e a volumetria que temos com os nossos clientes.
E para a Nova Expressão? São empresas diferentes, equipas diferentes, mas o que muda? Qual a mais-valia?
Filipe Teotónio Pereira (FTP): É mais uma ilustre marca neste ecossistema de media da Nova Expressão SGPS, onde já estão a Power Media, a Local Planet [network de agências independentes] e a própria Nova Expressão, agência de meios. Sendo uma atividade complementar, obviamente que há aqui sinergias, desde logo do ponto de vista comercial, mas também de estudos, de mais talento que entra neste ecossistema, e de facto dá-nos outro músculo para investir em inteligência artificial, à qual estamos muitíssimo atentos. Outra área importantíssima é de facto a dimensão internacional, a comOn com a AMIN e a Nova Expressão com a Local Planet o que neste contexto de aceleramento que vivemos, é de facto importantíssimo.
Pedro Baltazar, quando falamos da aquisição, dizia que havia vários motivos para a fazer, mas o mais importante seria o desenvolvimento em termos de inteligência artificial e uma maior importação de tecnologia para a Nova Expressão. A IA é o grande desafio do ano? O que é que vai impactar na vossa atividade?
RP: Diria que a inteligência social já é um desafio há alguns anos. A visão que temos da inteligência artificial é o augmented human, ela vem aumentar as nossas capacidades e dar-lhes muito mais densidade e velocidade. Nós utilizamos diariamente, massivamente eu diria, quase em todas as competências, a IA para aumentar e melhorar aquilo que fazemos. Começa numa dinâmica de dados e research, onde temos muito mais base de sustentação para defender o nosso pensamento e aquilo que apresentamos, muito na estratégia, mas também na criatividade.
Mas isso quase desde sempre, não?
RP: Sim. Agora é de uma forma mais massificada, automatizada e escalável, pela IA generativa, que nos permite ter acesso mais democratizado a tratamento automatizado de dados, acesso a informação e a toda a parte de prompt. Depois permitiu-nos disseminar isso para outras competências, seja componente de design, seja uma componente de vídeo, criação de conteúdos, planeamento de media. Permite-nos, obviamente, termos isto mais disseminado em todas as áreas, naquilo que nós vamos fazendo. Temos, acima de tudo, um rótulo muito digital desde sempre, o digital é cada vez mais mindset e está diluído.
Apresentavam-se como uma agência digital, também com a componente de meios. Agora posicionam-se como uma consultora criativa.
E é exatamente isso, porque nós defendemos muito o pensamento antes da execução. Agora, não nos demitimos da execução e o pensamento começa na estratégia e na criatividade. E o que alimenta isto tudo, para além de criatividade, são dados. E, depois, queremos tangibilizar e fechar o ciclo. Mas voltando, o tema passa muito pela forma como conseguimos iterar e, a parte do digital que mais vive, é a parte da agilidade e do teste, irmos testando, ir otimizando. E isto permite ser feito não apenas na internet e mobile, mas cada vez mais no outdoor, nos eventos, nas ativações. E nós podemos e devemos fazer isso. A IA vem-nos permitir acelerar isto tudo.
Já conseguem no outdoor e nas ativações?
Se tivermos o mindset, conseguimos sempre. Agora, temos mais ou menos ferramentas que nos permitem , consoante o investimento, consoante o contexto, fazê-lo de forma mais automatizável ou menos automatizável. E essa é uma das vantagens de estarmos em conjunto com a Nova Expressão, e é também uma das razões por estarmos com uma AMIN e com uma Local Planet, é que em conjunto temos acesso a ferramentas que se calhar isoladamente não teríamos.
Pessoalmente, não acredito muito em ferramentas proprietárias, porque elas tendem a ficar obsoletas, tendem a ser silos e tendem a fazer com que os clientes fiquem reféns das agências.
As multinacionais têm as ferramentas proprietárias.
Nós conseguimos ter um misto. Pessoalmente, não acredito muito em ferramentas proprietárias, porque elas tendem a ficar obsoletas, tendem a ser silos e tendem a fazer com que os clientes fiquem reféns das agências. Nós não queremos isso. Nós queremos que os clientes sejam autónomos e que não fiquem reféns nem órfãos de nós. Que queiram sim trabalhar connosco, e que vejam em nós um parceiro para os ajudar a ter o melhor ecossistema e as melhores ferramentas para crescer com elas, e que nós a melhor pessoa para os ajudar a definir esse ecossistema e crescer com eles. Em conjunto, o que podemos fazer é não só adotar as ferramentas de mercado, mas personalizá-las ao contexto e às necessidades de cada cliente, mantendo ao cliente o controlo sobre os seus dados e sobre aquilo que é o sumo que tira deles. Quer a AMIN, quer a Local Planet, permite-nos ter muito mais acesso a isso.
Qual é este ano o grande desafio para as agências de meios? O que está a mudar à boleia da tecnologia?
FTP: A inteligência artificial é um mundo de oportunidades, desde logo no funcionamento interno das próprias agências, e os processos que podem ser impactados a esse nível, e depois na execução das campanhas, onde utilizamos já há vários anos inteligência artificial e tecnologia, e adicionando esses layers obtemos otimizações. É um processo contínuo, que vai acelerar à medida que adicionamos inteligência artificial.
Do ponto de vista de desafios para as agências de meios, julgo que é que continuarem a ser relevantes para as marcas e os anunciantes. Há um aumento da complexidade da equação que as marcas têm para atingir o público alvo, não só do ponto de vista das audiências mais fragmentadas, como a jornada do consumidor é cada vez mais complexa, com mais touchpoints, e é preciso ter a capacidade de mapear isto, dar a resposta e processar os dados que este processo liberta. E, de facto, as agências têm tido a capacidade de acompanhar esta evolução e ir adicionando tecnologia.
Desde que se dê resposta e que se vá otimizando estes dados e esta informação, transformando em insights para obtermos melhores decisões, mantemos a relevância.
A vossa relevância está posta em causa?
FTP: Há sempre esse risco, mas desde que se dê resposta e que se vá otimizando estes dados e esta informação, transformando em insights para obtermos melhores decisões, mantemos a relevância.
Ser uma agência local, apesar de integrados numa rede internacional de agência independentes, neste mundo cada vez mais complexo e tecnológico, traz que desafios acrescidos? E, por outro lado, que mais-valias podem ter?
Penso que há uma enorme mais-valia, a proximidade do consumidor. O know how sobre os meios e o consumidor local, mas mantendo sempre a visão global que a network nos dá.
As multinacionais também têm equipas cá, e grandes, e também têm conhecimento sobre o consumidor local. Depois acrescentam é todo o conhecimento, experiência e boas práticas que vêm do exterior.
É verdade. Mas de facto, há esta variável do empreendedorismo, que faz a diferença. A independência dá-nos de a uma isenção e uma liberdade para, entre outras coisas, escolher sempre o melhor parceiro para o projeto em causa. Não estamos condicionados por a ferramenta A ou B, enfim, optamos sempre pelo que é melhor. E depois, de facto, há esta agilidade de nos adaptarmos rapidamente ao que for preciso.
RP: As duas últimas perguntas acho que resumem muito bem a razão pela qual estamos com esta relação mais oficializada. Se estamos a perder relevância, ou se corremos o risco de perder relevância, e como é que nos diferenciamos das [agências] internacionais, porque elas também têm estruturas locais e insights locais. Já eu tinha referido, e o Filipe voltou a referir a importância do empreendedorismo. O facto de termos os CEO fundadores, os responsáveis, ao alcance de um café, e que estão na porta ao lado, confere-nos uma agilidade na tomada de decisão, no alinhamento de visões, no investimento, numa dinâmica não só de valorizar cada euro investido, mas também de adaptá-lo ao contexto da nossa economia, da nossa cultura, do nosso sentido de humor, da nossa legacy, de toda a nossa regulação e compliance. Nós sempre vivemos cá, estamos cá, conhecemos e sentimos isto na pele todos os dias. A comOn e a Nova Expresão sempre tiveram isto, não há muitos que tenham esta realidade. Voltando à primeira pergunta….
Há esta variável do empreendedorismo, que faz a diferença. A independência dá-nos de a uma isenção e uma liberdade para, entre outras coisas, escolher sempre o melhor parceiro para o projeto em causa. Não estamos condicionados pela ferramenta A ou B, enfim, optamos sempre pelo que é melhor.
A relevância.
Gosto de fazer-me essa pergunta todos os dias e gostava que as nossas equipas a fizessem regularmente também, porque a razão pela qual existimos é exatamente essa. Quando nos acomodamos, achamos que as marcas existem porque as agências existem, está tudo errado. Nós precisamos que a indústria cresça. E para a indústria crescer, eu não posso estar a lutar pelo budget da minha concorrência. Eu tenho que aumentar o mercado. E é assim que a nossa indústria vai crescer.
E é exequível?
Temos de conseguir fazê-lo de forma concertada, porque enquanto andarmos a canibalizar-nos uns aos outros e acharmos que nós vamos conseguir é se ganharmos a conta à agência X, o mercado não vai crescendo e se o mercado…
Mas o que acontece é que cada agência tenta ganhar a conta à agência X, cada vez mais trabalhar em grupo, com sinergias, de forma a conseguir entregar mais serviços.
Verdade, e está viciado. Mais sinergias, para conseguir fazer o mesmo com menor custo, e esse custo é refletido no preço e consegue-se fazer o mesmo com custo mais baixo. Está errado, porque depois temos que ter mais ferramentas, como acabou de referir, temos que apostar constantemente na capacitação das nossas equipas e dos nossos clientes e temos de ter muito mais experimentalismo, tal A/B testing. Isto consome energia e tempo, que também deve ser monetizável.
A nossa indústria o que faz é mudar comportamentos, que levam depois a negócio e não a prémios, como antigamente se via muito. Nós temos que estar preocupados com negócios e pôr as marcas ao serviço dos negócios, não ao serviço do P&L de curto prazo
E é? Conseguem monetizar?
Não, nem sempre. Há aqui uma necessidade de evangelização de mercado. Mas mais do que evangelizar mercado, e alinhar mercado, e perceber que todos nós temos a crescer se isto for bem feito, e credibilizá-lo, temos que aumentar a base.
E aumentar a base tem vários aspetos. Um, temos de ter mais talento a quere vir para esta indústria numa vertente aspiracional — e não para ser o génio que vai subir ao palco e que vai deslumbrar com uma campanha X, já não estamos aí –, mas com o impacto que vai ter na mudança de comportamento. A nossa indústria o que faz é mudar comportamentos, que levam depois a negócio e não a prémios, como antigamente se via muito. Nós temos que estar preocupados com negócios e pôr as marcas ao serviço dos negócios, não ao serviço do P&L de curto prazo. Também, mas equilibrar esse P&L, performativo, com uma vertente, uma visão de marca, de mais longo prazo.
O longo prazo é construir marca, ou não?
Não apenas. É construir marca e o impacto que essa marca tem no negócio. Confunde-se marca com negócio. São coisas diferentes, que estão completamente relacionadas, mas são dimensões distintas e nós não nos podemos demitir do impacto que as marcas devem ter nos negócios, seja no imediato, no curto prazo, seja no longo prazo. E é aqui que, se tivermos efetivamente esta preocupação — e capacitamos as nossas equipas –, mais do que a competência, ter um mindset de olhar para além daquilo que é o seu entregável, ver o impacto que gera o seu entregável, eu acho que aí sim, vamos conseguir alargar e aumentar a nossa indústria. Seja numa perspetiva de volume investindo naquilo que é o marketing, seja em talento a querer vir trabalhar para esta indústria, porque realmente sente que aqui pode ajudar a mudar o mundo. Eu diria que as duas grandes indústrias que mudam comportamentos são o ensino e o marketing.
Pode ver a entrevista completa aqui.
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