Se não forem encontradas novas receitas para o orçamento comunitário, o custo dos empréstimos para pagar a bazuca vão significar uma queda de 15% no financiamento comunitário, alerta João Leão.
O país tem de concluir a execução do Portugal 2020, executar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e executar o Portugal 2030. São 72 mil milhões de euros que Bruxelas dá a Portugal para apoiar o investimento em múltiplas áreas. “Muitas vezes não temos projetos com maturidade suficiente para conseguir investir rapidamente”, reconhece João Leão, o que resulta em atrasos na execução dos diferentes programas.
A troika “foi muito exigente para o país e que fez com que alguma da preparação desses programas de investimento ficasse por efetuar, porque a prioridade do país era tentar consolidar as finanças públicas”, admite o membro português do Tribunal de Contas Europeu e antigo ministro das Finanças, no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.
Sublinhando que Portugal atravessa “um período muito interessante do ponto de vista dos fundos europeus”, João Leão constata que a execução do PRR está a afetar a do PT2030.
O antigo ministro das Finanças elenca as novas prioridades do novo orçamento comunitário e como é fundamental encontrar novas fontes de receita, caso contrário, como é preciso começar a pagar os empréstimos que financiaram a bazuca europeia, os quadros comunitários dos vários Estados-membros vão sofrer um corte na ordem dos 15%.
João Leão reconhece que as negociações vão ser duras. “É um grande desafio”. Mas, “se os Estados-membros não aceitarem a criação de novas receitas, o desafio é aceitarem uma redução do orçamento europeu”.
Tendo em conta a elevada concentração de fundos europeus, há dinheiro a mais e projetos a menos?
Há um desafio muito grande. Muitas vezes não temos projetos com maturidade suficiente para conseguir investir rapidamente. Houve aqui alguma dificuldade que também tem a ver com o período do programa de ajustamento que Portugal atravessou, que foi muito exigente para o país e que fez com que alguma da preparação desses programas de investimento ficasse por efetuar, porque a prioridade do país era tentar consolidar as finanças públicas.
Agora, o PRR é um programa de natureza extraordinária que vem acrescentar ao que já existia. Existe uma grande dificuldade em ter tantos projetos para conseguir executar com a maturidade para executar em tempo curto. O facto de estarmos agora concentrados, e bem, na execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência está a afetar a execução do PT2030, que está com níveis de execução a nível europeu, e também em Portugal, bastante baixos, e mais baixos do que era costume nesta altura do quadro anterior.
Temos muita necessidade de investimento, mas ter projetos com maturidade suficiente para conseguir executar é que ainda falta. Antes de lançar um concurso público é preciso um trabalho prévio muito grande por parte das diferentes entidades e instituições públicas. Um trabalho de preparação dos projetos para garantir que possam ser lançados. Há todo um tempo de maturidade que é preciso para ter esses projetos preparados.
As discussões das perspetivas financeiras já arrancaram. A proposta em cima da mesa dita mudanças radicais na forma como se vai organizar o próximo quadro comunitário. Estamos a ir no bom sentido?
É um período muito interessante do ponto de vista dos fundos europeus. Não só estamos a concluir o Plano de Recuperação e Resiliência a nível dos vários países europeus, mas, ao mesmo tempo, estamos a iniciar as negociações para um novo orçamento europeu de 2028-34.
É um orçamento que surge num contexto em que a Europa está a equacionar muitas das suas prioridades. Há três prioridades identificadas de forma muito clara, que já vêm no âmbito do relatório Draghi.
A prioridade na área da defesa e da segurança é nova e já está refletida nas discussões e na proposta da Comissão sobre o novo orçamento, que tem a ver com a questão da segurança da Europa no contexto da guerra entre a Ucrânia e a Rússia.
O que está previsto é pagar a dívida até 2058 e parte da dívida pode ser refinanciada no âmbito da gestão normal da dívida. O que está previsto nesta proposta da Comissão é que a amortização da dívida e os juros respetivos, custem cerca de 0,11% do PIB europeu.
Depois a necessidade de reforçar a sua competitividade vis-à-vis a China na indústria transformadora e verde e os Estados Unidos, sobretudo no digital. Também está expressa de forma muito significativa na nova proposta de orçamento, que é o tal novo mega fundo para a competitividade, que tem 450 mil milhões de euros. Mais do que duplica as verbas atuais para essas áreas.
Este novo mega fundo vai cobrir não só a área da competitividade, mas também da defesa, que vai ter mais de 150 mil milhões de euros previstos. É uma novidade pois aumenta mais de cinco vezes as verbas previstas para a área da defesa.
E a área do ambiente também continua a ser uma área importante. Não só tem umas verbas contempladas neste novo mega fundo, mas tem o objetivo transversal de que, pelo menos, 43% das verbas executadas pelos países, e por este mega fundo, têm de ter um impacto positivo a nível ambiental. Há aqui uma mudança muito grande que reflete estas prioridades.
Mas esta mudança traz grandes desafios…
O primeiro grande desafio é como é que se encontra espaço para estas prioridades. O segundo é que temos, pela primeira vez, de amortizar a dívida contraída para pagar a bazuca. E isso tem um impacto muito grande no próximo quadro financeiro plurianual.
É a favor de emissão de nova dívida para pagar a dívida da bazuca?
Isso não está impedido. O que está previsto é pagar a dívida até 2058 e parte da dívida pode ser refinanciada no âmbito da gestão normal da dívida. O que está previsto nesta proposta da Comissão é que a amortização da dívida, e os juros respetivos, custem cerca de 0,11% do PIB europeu. O impacto é quase o equivalente a 15% de um quadro comunitário.
Portanto, se não forem encontradas verbas adicionais, significa uma queda generalizada do financiamento europeu de 15%. A proposta da Comissão também responde a este desafio, aponta a necessidade de encontrar novas receitas, novos recursos próprios, a nível europeu, para pagar esta dívida, nos termos em que estava previsto, desde o início, para proteger o orçamento europeu.
A despesa do orçamento europeu cresce, mas de forma moderada. Ou seja, apesar de pagar a dívida, a parte que sobra para as despesas para os vários objetivos da União Europeia cresce de forma moderada – cerca de 0,02% do PIB europeu. Um crescimento que não chega a 2% de um quadro para o outro. É um crescimento da despesa ligeiramente moderado. Mas, para isso, é preciso que se encontrem as tais novas receitas.
É uma discussão difícil, porque os Estados-membros nunca querem pagar mais, nem abdicar de qualquer tipo de receita.
Exatamente. A Comissão propõe cinco novas receitas. Vai ser uma discussão, mas vamos ver o que é que fica. Como refere muito bem, é uma discussão muito difícil. Muitas vezes a proposta vai evoluindo muito, porque há muitos países e Estados-membros que tendem a resistir à criação de novas receitas.
Destas cinco novas receitas a nível europeu, três são receitas que acrescentam. A receita sobre o lixo eletrónico, que é esperada gerar um valor bastante significativo, um pouco mais de dez mil milhões de euros de receita para a União Europeia a nível anual.
Uma nova receita que é um imposto sobre as grandes empresas com uma faturação superior a 100 milhões de euros, que é aproximadamente 0,1% da sua receita, porque tem valores fixos com escalões que vai evoluindo.
E também temos uma outra receita nova, que gera menos impacto em termos financeiros, que tem a ver com a questão do ambiente e com a importação de produtos, sobretudo o ferro, o alumínio e o aço, que na sua produção emitem muito CO2. Como a Europa está a criar incentivos e a fazer com que as indústrias europeias evitem emitir CO2, quer evitar que estas indústrias se transfiram para o exterior. A forma de fazer isso é taxar as importações se, na sua produção, tiverem uma forte emissão de CO2.
Se os Estados-membros não aceitarem a criação de novas receitas, o desafio é aceitarem uma redução do orçamento europeu.
Mas há outras duas receitas que têm a um valor significativo e que podem ter como consequência retirar uma parte das receitas dos Estados-membros: o imposto sobre o tabaco e as licenças de emissões de CO2. São receitas atualmente dos Estados-membros. Por exemplo, no imposto de tabaco, se os Estados não fizerem um aumento do imposto a nível nacional vai retirar a receita atualmente existente dos Estados-membros.
Portugal já se manifestou contra abdicar de parte do imposto do tabaco.
É um grande desafio. Se os Estados-membros não aceitarem a criação de novas receitas, o desafio é aceitarem uma redução do orçamento europeu. Há aqui uma negociação que vai ter de ser feita. O orçamento ainda traz duas grandes novidades, não só em termos de verbas – o novo orçamento europeu 2028-34 praticamente estabiliza, cresce um pouquinho – mas na forma como estão distribuídas. Muda de forma substancial.
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“Existe grande dificuldade em ter tantos projetos com maturidade para executar rapidamente”
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