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“Gostava que o setor dos eventos fosse um setor com mais respeito do ponto de vista dos clientes”

Carla Borges Ferreira, Diogo Simões, Hugo Amaral,

Os timings de decisão, os processos de adjudicação, as boas e más práticas, os pagamentos e até a reforma são alguns dos temas em entrevista a Pedro Rodrigues, diretor-geral da Desafio Global.

“Gostava de imaginar um setor unido, profissionalizado, altamente qualificado, mas, acima de tudo, que do ponto de vista do processo de compra, houvesse um respeito maior por aquilo que são as obrigações do lado do cliente.” É assim que Pedro Rodrigues gostava de imaginar o setor dos eventos a curto/médio prazo.

Os timings de decisão e os processos de adjudicação são para o diretor-geral e sócio da Desafio Global — agência com 199 prémios no currículo e que entrou esta semana no top 10 do Eventex Index 2025, ranking mundial que analisou 100 agência de 34 países — os maiores desafios dos profissionais do setor.” Temos alguns clientes que continuam a utilizar centrais de compras que, muitas vezes, algumas não têm as qualificações certas para comprar eventos. É a mesmo a central de compras que pode comprar uma resma de papel e de repente faz um concurso, com um número indeterminado de concorrentes, de players, para comprar eventos”, aponta em entrevista. O tema é um dos discutidos com os responsáveis das principais agências do mercado. “Sentamo-nos à mesa uma vez por mês, é importante também que os clientes saibam”.

Os timings de decisão, os processos de adjudicação, as boas e más práticas, os pagamentos, a falta de espaços, o impacto da tecnologia, o retorno dos eventos e até a reforma são alguns dos temas da entrevista a Pedro Rodrigues, diretor-geral da Desafio Global.

Qual é hoje o “estado da arte” nos eventos?

Estão bem e recomendam-se. Tivemos um período mais complicado durante a pandemia, diria que foi o setor da comunicação mais afetado. Numa primeira fase todos ficámos em estado de choque, numa segunda fase rapidamente percebemos que os eventos, que viviam muito do presencial, foram muito afetados. Obviamente todo o setor migrou para o digital, fez muitos eventos digitais, mas evidentemente não é a mesma coisa.

Entre 2020 e 2022.

Exatamente, foram dois anos duríssimos para o setor. Os brasileiros têm uma expressão muito engraçada, havia uma demanda reprimida, havia uma procura latente. E, de facto, comprovou-se. Mal terminou a pandemia as organizações e as marcas voltaram a fazer eventos presenciais, não híbridos, como alguns profetizaram. Acho que a procura está neste momento a ajustar.

A ajustar significa que já foi maior?

Foi maior logo a seguir à pandemia e neste momento acho que está a voltar a níveis mais normais, com as marcas e organizações a refrearam um bocadinho os seus investimentos e os seus eventos. É benéfico, para também não haver uma loucura excessiva do ponto de vista de procura, de timings, de uma série de desafios que uma operação como um evento hoje em dia implica.

Qual é hoje o principal desafio do setor?

Diria que os timings e os processos. Os timings, porque os processos continuam a ser geridos em timings bastante apertados, complicados, quando um evento hoje em dia é muito mais complexo do que era há uns anos. Basta pensar no tema dos conteúdos. Das áreas que mais evoluíram foram os audiovisuais, o que implica muitas vezes conteúdos com resoluções absolutamente loucas, já não é aquele ‘powerpointzinho’ que é alterado até à última da hora. Continuamos a gerir processos cada vez mais complexos em timings que desejavelmente deviam ser mais longos.

Continuamos a gerir processos cada vez mais complexos em timings que desejavelmente deviam ser mais longos.

Qual seria o timing ideal?

Viveria feliz com dois meses. Se tiver que viver com duas semanas, também vivo. Também acontece, acontece bem. Torna-se a nova normalidade, estes prazos muitas vezes loucos.

Ou seja, um evento para daqui a duas semanas.

Já houve para daqui a três dias, também. Não vamos comentar essas anomalias estatísticas, mas é normal estar a fechar processo a duas semanas da data dos mesmos. Acontece por questões de agenda política, por questões de deixar os temas andar, por questões muitas vezes de indecisão. Se conseguimos fechar dois meses antes, acho que é benéfico para todos os intervenientes e é mais cauteloso do ponto de vista dos aspetos de segurança e de logística do evento.

Temos alguns clientes que continuam a utilizar centrais de compras que, muitas vezes, algumas não têm as qualificações certas para comprar eventos. É a mesmo a central de compras que pode comprar uma resma de papel e de repente faz um concurso, com um número indeterminado de concorrentes, de players, para comprar eventos.

O segundo desafio tem a ver com processos.

Continuamos a ter aqui um desafio grande a nível dos processos de compra. Ou seja, temos alguns clientes que continuam a utilizar centrais de compras que, muitas vezes, não têm as qualificações certas para comprar eventos. É a mesmo a central de compras que pode comprar uma resma de papel e de repente faz um concurso, com um número indeterminado de concorrentes, de players, para comprar eventos. Não sabem muitas vezes avaliar a proposta, muitas vezes há tentação de ir atrás da proposta mais barata, e existe um risco real de escolher a agência e o evento mais incompetente, porque no limite pode-se ter esquecido de orçamentar alguma coisa e daí decorrer ser a proposta mais barata.

Eu acho que é muito fácil comprar resmas de papel, digo eu, tipificar que quer um papel de 90 gramas, 5 mil resmas. Agora, um evento tem tantas variáveis, normalmente os briefings são relativamente incompletos, o que permite que a agência de eventos interprete à sua maneira e faça uma proposta o mais abrangente possível. Quando de repente um departamento de compras está a avaliar seis ou sete propostas, quais são os critérios — que muitas vezes não são claros? Porquê o enfoque no preço? Até que ponto o evento mais barato vai ser mais caro?

Há um trabalho grande que tentamos também fazer, um conjunto de players do mercado, no sentido de fazer alguma pedagogia Nos departamentos de compras é difícil, mas muitas vezes nos diretores de marketing, que em última instância são os nossos representantes e os decisores nas empresas, para sensibilizar, porque tem que haver bom senso.

Pedro Rodrigues, diretor-geral da Desafio Global, em entrevista ao ECO/+MHugo Amaral/ECO

E tem faltado bom senso do lado do cliente?

Eu sou otimista e acredito que é uma exceção, mas diria que começa a ser recorrente — não mais nem menos do que no passado –sermos contactados por um departamento de compras a quem eu pergunto quantas agências estão a concurso e diz que não pode responder. Eu digo que então também não posso concorrer. Ou um departamento que não sabe explicar os critérios que vai usar na adjudicação de uma proposta.

No fundo, não está no seu know-how a gestão de processos de comunicação. Nós vendemos um bem não tangível, nós vendemos um sonho. Um evento não está materializado numa fase de proposta. Um catering que pode custar, um jantar, dos 40 euros aos 200 euros, conforme a complexidade ou o chefe. É muito complicado espartilhar em linhas da Excel a criatividade, quem é o fornecedor, os timings de montagem.

Eu e um conjunto de responsáveis de empresas de eventos em Portugal tentamos de alguma forma fazer alguma pedagogia e partilhar as boas e as más práticas do setor. Sentamo-nos à mesa uma vez por mês, é importante também que os clientes saibam. Partilhamos boas práticas e, de vez em quando, apontamos também uma prática menos correta de um concurso, para que, no fundo, todos possam estar alertes e todos possam caminhar para um mercado que seja mais saudável e mais profissional e qualificado para todos.

Não sabem muitas vezes avaliar a proposta, muitas vezes há tentação de ir atrás da proposta mais barata, e existe um risco real de escolher a agência e o evento mais incompetente

Estamos mais perto desse mercado mais qualificado e profissional?

Do ponto de vista dos organizadores de eventos, acredito que sim. No fundo, aquele período de privação de trabalho, de trabalho em estúdio, em croma, fez-nos recordar o quão bom é estarmos num evento presencial e ver pessoas e ver a tangibilidade dos eventos. Acho que os organizadores de eventos vieram mais gratos da pandemia. Os clientes, é mais ou menos cíclico. Não acho que esteja pior nem melhor do que no passado.

Houve uma tentativa, há uns anos, de se fazer um código de boas práticas, mas até isso o governo conseguiu estragar, a AdC.

Falamos do código feito pela APAN e APAP, que tentaram limitar o número de participantes nos concursos.

Sim, fizeram um código de boas práticas, um documento completamente pertinente, de bom senso, que dizia que de facto não deviam estar mais do que três agências de concurso, a menos que a quarta fosse a incumbente. É elementar bom senso, mas a Autoridade da Concorrência não entendeu assim. O único momento na história da comunicação em Portugal em que tivemos uma base, um documento para apelar a esse mesmo bom senso, virou-se contra as pessoas e contra o setor.

Hoje em dia vivemos outra vez tempos absurdos, em que pode haver um concurso com sete agências, 10 agências, 20 agências, como já me aconteceu, com todas em CC nas consultas ao mercado. Depois pergunto se vão fazer um evento, para avaliar as propostas para o evento da empresa.

São comportamentos excecionais, mas lutamos diariamente para tentar fazer alguma pedagogia e para explicar a um cliente que dá tanto trabalho fazer uma proposta.

Não é um orçamento, é uma proposta construída, chave na mão, com fornecedores que foram consultados, com espaços que estão reservados, com estratégia, com design 2D, com design 3D. Dá tanto trabalho, que a única coisa que nós pedimos é que haja respeito no processo.

Participam em concursos com, no máximo, quantas agências?

Três, salvo situações muito excecionais. Temos um privilégio enorme, muitos clientes não nos colocam o concurso, há um tema de confiança e querem fazer o evento connosco.

Se percebemos que é um concurso, normalmente perguntamos quantas agências e, salvo raras e honrosas exceções, achamos que três são mais do que suficientes para o cliente ter um leque de propostas simpático. Não nos importamos de apresentar credenciais primeiro, achamos simpático as agências primeiro poderem apresentar-se. Acredito que se essas três agências forem bem escolhidas, o cliente terá uma panóplia grande de ofertas para poder escolher o melhor evento para a sua marca.

Como tem evoluído os budgets dos eventos? Que importância assumem, neste momento, para o cliente?

Os eventos terão sempre a sua importância, é uma ferramenta de comunicação de elevado impacto e de impacto imediato. Obviamente tem um desafio aqui do ROI (return on investment). Ao contrário de outras disciplinas de comunicação nas empresas, como o digital, não é fácil muitas vezes medir o retorno do investimento num evento corporativo. Fala-se muito hoje em dia, a nível mundial, no Return on Emotions, as emoções que podem ser geradas por um evento.

Acredito que nunca vivemos tempos de orçamentos muito ambulantes, também tem um bocadinho a ver com a escala do país, que é um desafio constante, mas, efetivamente, também não nos podemos queixar dos orçamentos.

Haverá sempre orçamentos mais justos, outros menos justos. O cliente tem essa noção, que as operações são muitas vezes complexas, envolvem às vezes 20, 30 fornecedores, espaços audiovisuais, catering. Haverá sempre trabalho mais interessante, trabalho menos interessante, clientes mais focados no orçamento, clientes mais focados no impacto do evento. Não nos podemos queixar em relação a isso.

E espaços?

Espaço é um tema. Uma das maiores dificuldades que temos são espaços para eventos. Não que não existam espaços, mas gostávamos que houvesse mais. Quando falamos daquele timing de gestão do processo do cliente nacional muito apertado, muitas vezes aquele venue que achamos que é o indicado ou já tem um concerto, ou já está ocupado por um evento estrangeiro, ou tem uma feira.

Um dos desafios maiores que neste momento o setor tem é um investimento em novos espaços para eventos. Não têm surgido espaços com uma dimensão generosa nos últimos anos e ansiamos muito para que, de alguma forma estrategicamente, e acima de tudo na área metropolitana de Lisboa, possam, a curto e médio prazo, surgir espaços que sejam interessantes para receber eventos de alguma dimensão.

É um mistério. Ou seja, vejo 80 hotéis a abrir por ano em Lisboa e não vejo pequenos centros de congresso a abrir.

E vê a possibilidade de acontecer? Porque é que não acontece, sendo Portugal um destino tão apetecível para a realização de eventos?

É um mistério. Ou seja, vejo 80 hotéis a abrir por ano em Lisboa e não vejo pequenos centros de congresso a abrir. Há um centro de congresso de Oeiras, uma obra parada há vários anos na saída da autoestrada. Há um ou outro projeto em pipeline de privados que, se entretanto conseguirem ver a luz do dia nos próximos anos, teria uma diferença grande do ponto de vista da oferta.

Podemos estar a perder eventos internacionais, os tais eventos de alguma dimensão, que geram um incoming fantástico, com dormidas em hotéis de 5 estrelas de milhares de pessoas, porque muitas vezes aqueles que são os principais espaços podem, naquelas datas específicas do evento, já estar ocupados e nós não temos, infelizmente, grandes alternativas.

Como imagina o setor a três ou quatro anos?

Se ainda cá estiver, se não me tiver reformado entretanto, gostava que fosse um setor com mais respeito do ponto de vista dos clientes.

Acredito que o presencial não vai deixar de acontecer. A pandemia provou-nos um bocadinho isto, o futuro não é digital, acho que continua a ser presencial nos próximos anos. A tecnologia vai continuar a evoluir, obviamente. Há outras áreas que vão ter que evoluir e vão ter que acompanhar também esses temas tecnológicos.

Que áreas?

O catering. O português adora comer bem em eventos. Foi uma das áreas que, talvez por já se comer muito bem, não tem evoluído à mesma velocidade de outras áreas e vai ter que evoluir de alguma maneira.

Mas, efetivamente, gostava de imaginar um setor unido, profissionalizado, altamente qualificado, mas, acima de tudo, que do ponto de vista do processo de compra, houvesse um respeito maior por aquilo que são as obrigações do lado do cliente.

Timing de gestão de processo, respeito pelos pagamentos, fazer concursos com critérios. Essa era a grande revolução que gostava, se daqui a três ou quatro anos voltarmos a conversar, de dizer “olha, valeu a pena e de facto conseguimos, o mercado está mais qualificado”

O temo dos pagamentos é crítico?

Sempre foi crítico. A agência pode apresentar um conjunto de requisitos de pagamento e o cliente, depois de já ter adjudicado e numa segunda fase, dizer não são essas as condições, as condições são aquelas que praticamos. E eu, se entrar no Meo Arena ou se contratar uma artista para um determinado evento, provavelmente vou ter que pagar a pronto.

Eu vou ter que me sujeitar às condições de pagamento desses fornecedores. Porque é que o cliente não olha para mim como um fornecedor, que também tem as suas condições de pagamento, e já depois do processo em curso diz “não, as condições não são essas, que eu aprovei”. Mas é um detalhe. É um work in progress, é margem de progressão. Gosto de ver pela positiva, acredito que são temas que têm margem de progressão e, obviamente, há exceções. Há clientes mais sensíveis a estes temas e outros menos.

Falou em reforma. Está a pensar reformar-se?

Não sei. Continuo a encarar o evento com o mesmo entusiasmo e dos primeiros anos de vida, mas, de facto, é uma carreira já relativamente longa. Acho que há que dar espaço aos outros. Conseguimos criar na Desafio Global talento suficiente para que não esteja dependente da minha pessoa para as coisas acontecerem. O futuro o dirá.

Pode assistir à entrevista completa, com estes e outros temas abordados, aqui:

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