“Grupos de comunicação social fortes são fundamentais para os anunciantes”
Como é que os media se podem proteger da fuga do consumo para as plataformas internacionais? A discussão está por fazer, diz Tiago Simões, diretor de marketing do Continente e presidente da APAN.
“Enquanto principal anunciante e presidente da APAN, costumo dizer à malta dos meios que para nós — para o Continente e para os anunciantes portugueses — não faz sentido não haver grupos de comunicação social fortes em Portugal“. A convicção de Tiago Simões tem um racional de negócio: com os meios nacionais, os anunciantes portugueses podem trabalhar de forma a potenciar o contacto com as audiências; com as plataformas internacionais, até pela dimensão do país, é um caminho que ainda vai ter ser que ser percorrido.
No mercado, defende o diretor de marketing do Continente e presidente da Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN), a discussão devia estar centrada na descoberta da melhor forma de os meios de comunicação portugueses se protegerem da fuga para as plataformas e da atomização do consumo de conteúdos, mas está mais focada nas audiências. “Eu percebo, é o negócio. Mas é o negócio de hoje. E por isso acho que devemos também discutir mais o negócio de amanhã”, diz o responsável.
A Associação Portuguesa de Anunciantes fez um estudo, em 2019, no qual diz que, por cada euro investido em publicidade, entram quatro euros na economia. É esta a importância da publicidade?
É fundamental. É uma indústria que é estrutural, não apenas pelo valor em euros que cria — estou a falar agora da indústria, da publicidade e dos anunciantes –, mas também porque suporta aquilo que é uma imprensa livre. Sabemos que os meios de comunicação social estão suportados essencialmente em publicidade. Há algumas exceções, mas também têm dinheiros públicos, e há também receitas que vêm da própria atividade de vender jornais ou assinaturas digitais. Mas os anunciantes são os principais financiadores da comunicação social. Portanto, a nossa responsabilidade enquanto anunciantes traduz-se nessa criação de valor objetivo, com crédito financeiro, mas também na garantia de que temos uma comunicação social livre, que é muito importante e fundamental para nós. Aliás, na relação entre os anunciantes e os meios, no que tem a ver, por exemplo, com o tema das audiências — que é bastante quente em permanência e muitas vezes cria tensões no mercado –, enquanto principal anunciante e enquanto presidente da APAN, o que costumo dizer à malta dos meios é que para nós — para o Continente e para os anunciantes portugueses — não faz sentido não haver grupos de comunicação social fortes em Portugal.
É muito mais importante e muito mais relevante trabalharmos com a Media Capital ou com a Impresa, com o ECO, a Cofina ou a RTP, que podem beneficiar todos os portugueses, do que com o Netflix ou com a Google, que são meios gigantes que têm obviamente uma prioridade que não está focada em Portugal. Também trabalhamos com eles. Mas para fazer coisas como o Festival da Comida, este ano com a SIC, ou o Vai de Carrinho, com a TVI, ou a Volta a Portugal, com RTP, vamos sempre privilegiar os meios portugueses.
O Continente é o maior anunciante do país. Vê o investimento nos meios portugueses também como uma espécie de responsabilidade social?
Sim. Ou seja, há retorno. Isto é um negócio, tudo o que não faça sentido do ponto de vista financeiro e que não tenha retorno, não fazemos. Mas, para além do estímulo económico que damos, também a aposta no desenvolvimento de grupos fortes e independentes de comunicação social em Portugal é fundamental para os anunciantes portugueses.
É a única forma que temos de trabalhar e de fazer projetos que vão além de pôr banners ou fazer AdWords. O que também é relevante, importante, mensurável e ótimo para vendermos mais. Mas nós precisamos de ter coisas que toquem nas pessoas. Que nos façam perceber as pessoas e que façam as pessoas perceber que temos uma leitura do que é importante para elas. O projeto, por exemplo, das Luzes com Presença, sem a TVI não tinha sido possível. Provavelmente, se o tivéssemos apenas baseado em redes sociais não teria tido toda a dimensão que teve.
Os meios ditos tradicionais continuam a ser determinantes.
São muito importantes, até pela dimensão do país. Provavelmente se estivéssemos nos Estados Unidos, se fossemos um Walmart, conseguiríamos trabalhar com o Netflix de outra maneira. Em Portugal não vai ser fácil, vai ser um caminho que ainda vai ter que ser feito. Não quer dizer que não façamos, mas hoje a nossa prioridade é trabalhar com media nacionais.
Como é que repartem o investimento? A imprensa, por exemplo, ainda faz sentido?
A imprensa digital sim. Temos um investimento grande no digital, que no caso do Continente ainda está longe do que fazemos em televisão, se bem que depois também temos muito investimento digital na criação da owen media, em marketing performance, na criação de conteúdos, temos YouTube, que não está neste orçamento. Se for apenas o investimento em media digital andará à volta dos 12% a 14%. Se juntarmos o dinheiro que investimos a criar conteúdos digitais e no desenvolvimento das nossas redes, seguramente irá para 25% do nosso investimento.
Provavelmente se estivéssemos nos Estados Unidos, se fossemos um Walmart, conseguiríamos trabalhar com o Netflix de outra maneira. Em Portugal não vai ser fácil, vai ser um caminho que ainda vai ter que ser feito. Não quer dizer que não façamos, mas hoje a nossa prioridade é trabalhar com media nacionais.
A televisão ainda é o melhor meio, quando se quer massificar?
Não há nenhum meio que dê a cobertura que a televisão dá, ainda. Eu acho que isso é algo que que é muito desafiante para todos. Para nós, porque precisamos disso; para os meios, porque é uma proposta de valor que acho que se esbate. Cada vez mais ouvimos as plataformas e vemos os Youtube’s da vida, e vemos televisão em diferido, temos capacidade de saltar os blocos publicitários. Acho que devíamos trabalhar todos no sentido de resolver esse desafio.
E estão a trabalhar?
Não. Acho que estamos mais focados naquilo que é o tema das audiências atuais e isso ocupa muito mais a discussão que temos na indústria, do que propriamente como é que endereçamos esses temas, que são importantes.
Enquanto anunciante, o que é que devia estar a ser discutido?
Era isto. Como é que os meios de comunicação portugueses se podem proteger daquilo que é uma tendência mundial de fuga para as plataformas, da atomização do consumo de conteúdos. Antigamente toda a gente via o mesmo canal. Hoje em dia, as pessoas veem coisas diferentes. Acho que era muito interessante isto ser discutido e acho que é pouco. É muito mais discutida a plataforma das audiências, a medição das audiências. Em televisão e também nos outros meios.
Mais discutido no bom sentido?
Não. É mais disputado, mais até do que discutido. Não existe uma capacidade de estamos tranquilos nessa dimensão. Eu percebo, é o negócio. Mas é o negócio de hoje. E por isso acho que devemos também discutir mais o negócio de amanhã.
Que passa cada vez mais pelas plataformas de streaming.
São uma realidade incontornável. E é um desafio, porque nós temos a dimensão que temos. E quando desafiamos a Netflix ou a HBO, eles dão-nos alguma atenção, mas temos de ter noção da nossa dimensão e precisamos de arranjar alternativas para também captar a atenção do consumidor, para poder fazer publicidade.
Tivemos uma quebra muito grande do investimento publicitário em 2020. Este ano tem vindo a recuperar. Vai continuar a crescer?
Está a recuperar, está a crescer. Cresceu já bastante este ano e achamos que pode continuar a crescer até ao final do ano. Acho que depende um bocadinho de como é que esta crise toda depois se vai desenrolar. O regresso à normalidade em setembro vai trazer aqui algum impacto do lado dos consumidores e vai impactar também os anunciantes, seguramente. E as televisões estão cheias, às duas por três também é difícil crescer, porque não há muito inventário.
Os preços em televisão estão a subir?
Estão a subir, sim. Eles estão a fazer esse caminho.
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